Pela primeira vez, um suspeito de participar da morte de Marielle Franco foi preso pela polícia mais de noves meses depois do crime ter acontecido
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Pela primeira vez, um suspeito de participar da morte de Marielle Franco foi preso pela polícia mais de noves meses depois do crime ter acontecido

A Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu na manhã desta terça-feira (18) um ex-policial militar suspeito de envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista dela Anderson Gomes. Segundo informações da 82ª Delegacia de Polícia (DP), de Maricá, o ex-PM conhecido como Renatinho Problema foi preso em Guapimirim, na Baixada Fluminense.

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A policia investiga se Renanto Nascimento Santos estava no carro de onde sairam os disparos que mataram Marielle Franco . O ex-PM é apontado como integrante da milícia de Orlando de Oliveira, o Orlando Curicica, citado em depoimento de testemunhas como o mandante da morte da vereadora e do seu motorista. A Polícia informou que o suspeito já tinha dois mandados de prisão descumpridos contra si.

Outro ex-PM que acompanhava Renatinho Problema foi preso em flagrante por porte ilegal de arma. A identidade desse indivíduo, no entanto, não foi revelada. A operação que resultou na prisão de ambos faz parte de uma série de novos desdobramentos da investigação sobre as duas mortes que completaram noves meses na última sexta-feira (14).

Os agentes da Divisão de Homicícios da Polícia Civil começaram a cumprir mandados de busca e apreensão na quinta-feira passada (13). Na ocasião, policiais estiveram em 15 endereços na capital carioca, em Nova Iguaçu (RJ), em Petrópolis (RJ), em Angra dos Reis (RJ) e também em Juiz de Fora (MG). Nesses locais, os agentes tentaram apreender materiais e localizar milicianos suspeitos da participação no assassinato, mas ninguém foi preso.

Os oficiais tiveram problemas em realizar os trabalhos em alguns dos endereços visitados. Em Angra dos Reis, os agentes chegaram a ficar encurralados por traficantes na comunidade do Frade, e precisaram da ajuda de policias militares e de um helicóptero para chegar ao destino.

Enquanto isso, em Juiz de Fora (MG), mais problemas. Como os policiais estavam em carros descaracterizado, PMs pararam a equipe para chegar quem eram os homens armados e porque eles estavam circulando na cidade.

Os mandados e os pedidos de prisão foram apresentados à Justiça no âmbito de um inquérito à parte do principal caso sobre a morte de Marielle e os nomes dos alvos não foram divulgados, exceção feita pela revelação do endereço conhecido do vereador Marcello Siciliano , um dos principais suspeitos de ser o mandante do crime.

Vereador Marcello Siciliano foi relatado como mandante do assassinato da colega de Câmara Municipal Marielle Franco por testemunha
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Vereador Marcello Siciliano foi relatado como mandante do assassinato da colega de Câmara Municipal Marielle Franco por testemunha

Especificamente no caso de Siciliano, as buscas realizadas no seu apartamento de luxo na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade, e no seu gabinete na Câmara Municipal, na região da Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, foram chamadas de "midiáticas" pelo próprio vereador que nega todas as acusações.

Ele atribuiu as buscas em sua casa à proximidade do fim da intervenção federal no estado do Rio de Janeiro e à pressão exercida por parte da sociedade, da Anistia Internacional e de organizações ligadas aos direitos humanos para resolver o crime, que têm repercussão internacional. Em entrevista coletiva convocada pelo próprio Marcello Siciliano já na manhã de sábado (15), ele pediu a federalização do caso e afirmou que "estão tentando me matar com o mesmo tiro que mataram Marielle".

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O vereador acrescentou que a operação de ontem foi um "desrespeito à minha família, à minha história de vida, um desrespeito contra meus filhos, minha mãe, e um desrespeito também à família da Marielle. Um desrespeito a todos aqueles que gostam e que querem realmente a 'verdadeira verdade' e não uma pessoa criada, que é o que estão fazendo comigo", ressaltou.

"Eu peço, imploro a federalização desse caso. Que a Anistia Internacional entre, que os direitos humanos entrem. Mataram uma vereadora e estão me matando junto. Estão querendo matar outro vereador com o mesmo tiro que mataram a Marielle”, disse Siciliano.

“Estão querendo me matar, é isso que estão querendo fazer comigo. Estão querendo me jogar numa jaula para justificar uma mentira. Para justificar o que não tem o que fazer, o que falar ou não querem falar. Isso já não é problema meu, tem que ser investigado. Ninguém mais do que eu, quer a transparência disso”, completou.

“Eu não devo nada, não temo nada. Tudo meu foi entregue na delegacia", declarou antes de afirmar que a Delegacia de Homicídios não tem mais condição de seguir adiante com esse processo, que deve ser tornado público para todos.

Na casa do vereador, os policiais apreenderam um tablet, um computador, documentos e arquivos de mídia como HDs externos e CDs. A mulher do vereador foi conduzida à Cidade da Polícia, no Jacaré, zona norte da cidade, e o parlamentar que não foi encontrado em casa, apresentou-se voluntariamente para prestar depoimento e afirma que entregou o celular desbloqueado para as autoridades.

A hipótese da Polícia se sustenta em cima do depoimento de uma testemunha que não teve sua identidade revelada e que afirmou já ter trabalhado para a milícia e ter procurado a polícia em troca de proteção policial por medo de ser alvo de uma "queima de arquivos". Segundo a testemunha, Orlando Curicica era uma espécie de "capataz" de Marcello Siciliano. O vereador disse, em sua defesa, que sequer conhece o ex-PM.

No depoimento, esse homem disse ter presenciado reuniões do ex-PM, Orlando Curicica, preso em outrubro de 2017 por chefiar um grupo de milicianos, com Marcello Siciliano: "Eu estava numa mesa a uma distância de pouco mais de um metro dos dois [Oliveira e Siciliano]. Eles estavam sentados numa mesa ao lado. O vereador falou alto: ‘tem que ver a situação da Marielle. A mulher está me atrapalhando’. Depois, bateu forte com a mão na mesa e gritou: ‘Marielle, piranha do [deputado estadual Marcelo] Freixo’. Depois, olhando para o ex-PM, disse: ‘precisamos resolver isso logo’”, contou a testemunha aos investigadores.

A testemunha afirma, ainda, que o encontro acima descrito foi só uma das quatro ocasiões em que presenciou a dupla planejando o assassinato de Marielle. Ele também revelou aos investigadores nomes de quatro possíveis executores do crime, detalhando inclusive a forma como teria sido feita a clonagem da placa do veículo utilizado na noite do assassinato. Ele também contou que a vereadora vinha sendo seguida por um integrante do grupo, que traçou seus hábitos e itinerários.

“Ela [Marielle] peitava o miliciano e o vereador. Ela tinha bastante personalidade, peitava mesmo”, acrescentou antes de afirmar que a ordem para a morte da vereadora foi dada desde a cela em Bangu 9 onde está preso o ex-PM supostamente envolvido com o Siciliano.

General Richard Nunes (ao centro), ao lado do governador Luiz Fernando Pezão (MDB, atualmente preso) nega interferência nas investigações sobre caso Marielle Franco
Carlos Magno/Governo do Rio de Janeiro
General Richard Nunes (ao centro), ao lado do governador Luiz Fernando Pezão (MDB, atualmente preso) nega interferência nas investigações sobre caso Marielle Franco

No mesmo dia da operação na casa do vereador, o Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, general Richard Nunes, deu entrevista ao jornal O Estado de São Paulo e afirmou que a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes foram mortos por milicianos que acreditavam que a política poderia atrapalhar seus planos de grilagem de terras na Zona Oeste do Rio.

Segundo Richard Nunes, que assumiu a pasta em 27 de fevereiro, o crime contra Marielle Franco estava sendo planejado desde 2017, muito antes de o governo federal decidir decretar a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro. Ele também afirmou que os criminosos "superestimaram o papel que a vereadora poderia desempenhar" e eles "se deram conta da dimensão que tomou o crime por ter sido cometido na intervenção".

Questionado, o general explicou que os milicianos acreditavam que a vereadora poderia atuar fazendo "uma conscientização daquelas pessoas sobre a posse de terra" na baixada de Jacarepaguá, onde há "problemas graves de loteamento, de ocupação de terras" e onde a milícia "atua muito em cima da posse de terra e assim faz a exploração de todos os recursos".

A versão é reforçada pelo depoimento da testemunha que afirmou que havia uma insatisfação por parte de Siciliano a respeito da atuação parlamentar de Marielle, uma vez que ela apoiava projetos e ações sociais em regiões de interesse do grupo. O vereador, por sua vez, se disse amigo de Marielle Franco e afirmou que “eu também quero que isso seja desvendado, mas de forma verídica, de forma digna. Eu não sei porque resolveram me pegar para 'cristo' desse crime que eu não cometi, não tive participação, nunca teria”.

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Reconhecida por sua atuação em defesa dos direitos humanos, Marielle Franco se destacou ao denunciar abusos e crimes cometidos por policiais. Ela foi a quinta vereadora com maior número de votos na última eleição e estava em seu primeiro mandato. Morta aos 38 anos de idade, a parlamentar nascida no Complexo da Maré atuava nas causas das mulheres, negros e lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros.

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