Sistema Cantareira atingiu menor volume desde 2016
Assembleia Legislativa de São Paulo
Sistema Cantareira atingiu menor volume desde 2016

Na última segunda-feira (30), o sistema de medição da Sabesp apontava para 41,5% da capacidade. O índice é o menor para o mês de maio desde 2016, quando marcou 36,9%, em meio a uma de suas maiores crises de abastecimento da história.

Para Pedro Luiz Cortês, professor do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE-USP), a situação no reservatório, aliada a falta de chuvas e os prognósticos desanimadores apontam para uma nova crise.

"Entendo que já estamos enfrentando uma crise hídrica, embora ela seja diferente da verificada entre 2014 e 2016. Se nós pegarmos o montante de água armazenado nos reservatórios, ele tem sido, ao longo do ano passado, inferior ao verificado no mesmo período em 2013, ano que antecedeu a última crise. Os nossos indicadores são piores que naquela época, mesmo considerando alguns avanços que foram conseguidos pela Sabesp", afirma.

O professor enumera que desde 2016, quando o Cantareira começou a se recuperar, a Sabesp tomou medidas para mitigar os efeitos da falta de chuvas, causa principal da queda nos níveis. Tais feitos, no entanto, não foram suficientes para que o problema fosse sanado.

'Ela inaugurou um sistema novo de distribuição, o Sistema São Lourenço; o Sistema Cantareira passou a contar com fonte adicional de água com a transposição parcial da bacia do Paraíba do Sul; interligou os sistemas, e tem maior flexibilidade de operação. Às vezes, pode preservar mais um determinado sistema e utilizar um outro que esteja em melhores condições", conta

"O sistema Cantareira conta com uma nova forma de gestão - à medida que o nível vai abaixando, eles reduzem a retirada de água, e a população hoje gasta 12% a menos que gastava em 2013. Mesmo com tudo isso, nós temos enfrentado episódios onde o volume total armazenado é menor que o verificado na época. Apesar dos esforços, a nossa segurança hídrica diminuiu. Temos um volume menor de água disponível."

O ano de 2016 foi o primeiro da recuperação após o episódio da falta de água de 2014. Em maio de 2015, o reservatório ainda estava com volume de armazenamento negativo, de -9,8%. Em 2014, ele chegou a 6,8%.

Segundo o especialista, a companhia reduz a pressão da água à noite em vários bairros "sob alegação justificada de que é necessário reduzir as perdas por vazamento na distribuição", o que acaba penalizando quem mora em bairros mais distantes e altos.

"As pessoas trabalham o dia inteiro e à noite, quando chegam para resolver alguma coisa, não têm água. Esse sistema foi ampliado, e a Sabesp reconheceu isso, mas não atrelou à diminuição dos mananciais", conta.

"Eles dizem que não há motivos para a preocupação, mas não acenam o que podemos esperar para o futuro", completa.

Prognóstico preocupante

Cortêz explica que os especialistas preveem chuvas abaixo da média para São Paulo neste ano, o que preocupa, já que no outono, a população deve utilizar grande parte da água que está no reservatório.

"Seria ideal que a gente começasse o outono com 60% de capacidade no Cantareira, e começamos com 45%. O volume está caindo. Nas projeções do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), podemos chegar na metade do 2º semestre com um nível um pouco acima de 20%, o que é muito baixo. Essa é uma crise, no meu entendimento, que está acontecendo, e que já vem tendo repercussões no abastecimento", diz.

"Os prognósticos não indicam chuvas acima da média. Em maio choveu muito pouco. Voltou a chover um pouquinho, mas provavelmente vai fechar o mês abaixo da média na cidade de São Paulo. É uma tendência que se mantém ao longo dos próximos meses, e não há nas projeções nada que reverta esse cenário", pontua.

Ao longo dos últimos anos, o Sistema Cantareira só registrou chuvas acima da média em 2015, em um percentual de 5%. O reservatório tem raramente chegado aos 60% de capacidade. Há cerca de 20 anos, ele trabalhava com 90%. São as mudanças climáticas aparecendo.

"O Cantareira depende muito das chuvas que vêm da Amazônia, que abastecem os reservatórios na região central do país. E essas chuvas têm passado por uma redução forte ao longo dos últimos 10 anos. E quando chegam a São Paulo, por conta das barreiras da Serra da Cantareira e da Mantiqueira, nem sempre conseguem fazer o abastecimento. Frente frias são desviadas para o Litoral Norte, Rio de Janeiro e Espírito Santo, são raras as que conseguem varrer o território nacional", analisa.

"Basicamente, a avaliação que faço do cenário é essa: temos uma situação preocupante que vem se degradando, não tem perspectiva de melhora, isso desde 2020. Já caminhamos para dois anos e meio dessa situação."

Se confirmada, essa será a terceira crise hídrica e de abastecimento em 20 anos.

"As mudanças climáticas têm imposto um novo cenário. Em 20 anos, ter três crises, é porque realmente as coisas mudaram. Eu não entendo o motivo que leva o governo a não reconhecer a existência de uma crise hídrica, climática. Não é culpa do governo que não está chovendo, óbvio. Tivemos eventos climáticos extremos que atingiram o Brasil".

"As manifestações são várias. Não entendo porque a Sabesp não reconhece a dificuldade desse problema, ou o próprio Governo do Estado."

O que diz a Sabesp

Questionada pelo iG sobre a iminência de uma crise hídrica, a Sabesp informou que "não há risco de desabasteimento neste momento na Região Metropolitana, mas orienta o uso consciente da água em qualquer época e em todos os municípios que opera".

"A Companhia reforça que o Cantareira faz parte do Sistema Integrado Metropolitano, que é composto ainda por outros 6 mananciais (Alto Tietê, Guarapiranga, Cotia, Rio Grande, Rio Claro e São Lourenço). Desde a crise hídrica, os investimentos da Companhia tornaram o Sistema Integrado mais robusto e flexível (sendo possível abastecer áreas diferentes com mais de um sistema), com destaque para a implantação do novo sistema São Lourenço e para a interligação da bacia do Paraíba do Sul com o Cantareira. Neste momento, o Sistema Integrado opera com 57,1% da capacidade, nível similar, por exemplo, aos 55,6% de 2021, quando não houve problemas no abastecimento da Região Metropolitana", diz o texto.

A companhia reforçou ainda as ações tomadas nos últimos anos visando a segurança hídrica da região, como a ampliação da infraestrutura, a redução de pernas da distribuição, "que se refletiu na queda do índice de perdas totais em sua área atendida de 41% em 2004 para 27,9% em 2021, abaixo da média nacional: 39,2% (SNIS; 2019)", além de campanhas de conscientização.

Sobre a demanda noturna, a Sabesp afirma que trata-se de uma "recomendação internacional". "Quando há menos consumo, reduz-se a pressão nas redes a fim de evitar perdas por vazamentos e rompimentos; quando o uso é retomado, a pressão é reajustada."

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** Filha da periferia que nasceu para contar histórias. Denise Bonfim é jornalista e apaixonada por futebol. No iG, escreve sobre saúde, política e cotidiano.

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