Ministro do STF, Gilmar Mendes
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro do STF, Gilmar Mendes

BRASÍLIA — O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, rechaçou nesta sexta-feira  as ameaças sobre a realização das eleições caso não haja voto impresso e disse que o discurso de não aceitar o resultado dos pleitos "esconde algum tipo de uma intenção subjacente, de uma intenção que não é boa".

O ministro ainda chamou a atenção para os "efeitos deletérios" das fake news no processo eleitoral.

— Vamos parar um pouco de conversa fiada. Claro que todos nós somos favoráveis à audibilidade da urna, e ela é auditável. Os partidos as vezes nem comparecem a todos esses eventos pq consideram que a urna funciona bem —, afirmou o ministro em debate online sobre o futuro do sistema de governo do Brasil, ao lado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que disse ter "confiança no qual sistema eleitoral".

Sem citar Bolsonaro mas em uma referência direta ao presidente, Gilmar falou do "grande problema" gerado pelas fake news e  citou videos divulgados em live na internet sobre fraude na urna eletrônica.

— A gente vê nas lives notícias sobre uma fraude na urna eletrônica, no voto. Quando na verdade aquilo se vê, a priori, que é uma montagem, mas isso tem um efeito deletério porque afeta a credibilidade do eleitor mais simples em relação a uma decisão que é vital, que é a decisão sobre o processo democrático —, observou.

Nesta quinta-feira, em sua live semanal, o presidente exibiu uma série de vídeos de supostos problemas com as urnas eletrônicas para "provar" a necessidade do voto impresso.

Para o decano do STF, o Brasil adotou o voto eletrônico em razão de toda a experiência brasileira com as fraudes no processo do voto manual, ou na contabilização do voto manual. Na avaliação de Gilmar, trata-se de uma "falsa questão", mas que precisa ser tratada com a "devida importância":

— Parece que essa ideia de que sem voto impresso nós não podemos ter eleição ou não teremos eleições confiáveis esconde algum tipo de uma intenção subjacente, de uma intenção que não é boa, porque de fato nas últimas eleições nós tivemos inúmeras surpresas. Os candidatos que pontuavam nas pesquisas, na última hora não apareceram como vencedores, e por que? Houve fraude? Não, por que o eleitor resolveu mudar —, pontuou.

O voto impresso é uma das principais bandeiras do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que vem fazendo uma série de ameaças caso a proposta que corre na Câmara não seja implementada para as eleições de 2022.

O presidente sustenta, sem apresentar qualquer prova, a ideia de que as urnas eletrônicas são passíveis de fraude -- embora jamais tenham sido comprovadas.

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— [Nas eleições de 2018] A ex-presidente Dilma Rousseff era dada como vencedora para o Senado e ficou em terceiro lugar. A própria vitória ampla do PSL, que elegeu famosos no-names simplesmente por conta do processo político que a urna traduziu, a mim me parece por conta dessa intenção subjacente é que nós devemos tratar Napoleão como Napoleão. Se de fato um problema está na urna eletrônica, por que não voltar ao voto manual como um todo? —, provocou o ministro.

Ainda sobre as acusações de fraude nas urnas eletrônicas, Gilmar falou sobre as eleições de 2014, constantemente usada por Bolsonaro como exemplo de problemas do atual sistema eleitoral. O presidente já sustentou, em diversas conversas com apoiadores, que Aécio Neves (PSDB), e não Dilma Rousseff (PT), venceu a disputa. O próprio partido do tucano, contudo, já reconheceu, após auditoria, que a petista foi vitoriosa.

— O caso do Aécio nas eleições de 2014. Ele perdeu a eleição ao perder em Minas. Não lhe falou outra coisa que não votos. Se pode até discutir abuso de poder econômico, mas isso nada tem a ver com o problema do voto eletrônico ou impresso —, destacou.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, a quem Bolsonaro já chamou de "pai do voto impresso", também disse confiar no atual sistema das urnas eletrônicas — embora entenda ser possível sempre dar "mais transparência" ao processo.

— Não temos fragilidade, não acho que temos fraude. Eu confio no sistema vigente, mas eu também não vejo o problema de que, com moderação, possamos achar uma forma de dar ainda mais transparência. Ratifico que não vejo problemas. Mas qualquer versão sobre resultado de eleição é ruim ao país.

A PEC do voto impresso foi apresentada originalmente pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) e está sendo discutida em Comissão Especial na Câmara. O texto original determina que, em processos de votação e apuração das eleições, independentemente do meio empregado para o registro do voto, será “obrigatória a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor”.

Os integrantes da comissão vão analisar um substitutivo elaborado por Filipe Barros. Apresentado no final de junho, o texto exige a adoção de um tipo de urna eletrônica que permita a impressão do registro do voto.

Esse registro será uma espécie de cédula em papel, a ser depositada em recipiente indevassável, assegurada a conferência pelo eleitor, mas sem qualquer contato manual.

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