Durante esta semana, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e os demais membros do poder executivo estadunidense receberam um dossiê que recomendava o afastamento entre a gestão Biden-Harris e o governo do presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido). De acordo com a BBC News Brasil, o documento de 31 páginas pede o congelamento de acordos econômicos, negociações e alianças políticas com o Brasil enquanto Bolsonaro estiver na Presidência .
O dossiê aponta a aliança entre o ex-presidente Donald Trump e o atual presidente brasileiro como nocivo ao papel de Washington na manutenção e na promoção dos valores democráticos pelo mundo. De acordo com Daniel Brindis, diretor do Greenpeace nos EUA e um dos autores do dossiê, a intenção do texto também é “preparar o governo (Biden) para o fluxo de desinformação vindo do governo Bolsonaro.”
O documento foi escrito por professores de dez universidades (9 delas nos EUA) e de diretores de ONGs internacionais como a Amazon Watch. A iniciativa é da U.S. Network for Democracy in Brazil, uma rede criada por acadêmicos e ativistas brasileiros no exterior há dois anos que hoje conta com 1500 membros.
O texto também circula por membros do Conselho de Assessores Econômicos (CEA, na sigla em inglês) do gabinete-executivo de Biden e pelo ministério do Interior - cuja nova chefe, Debra Haaland, também é crítica contumaz de Bolsonaro.
A emissão da carta foi feita no momento em que a Casa Branca assume postura de defensora ambiental no cenário internacional com a nova presidência. A BBC News Brasil apurou que os gabinetes de pelo menos dois parlamentares próximos ao gabinete de Biden — a deputada Susan Wild, do comitê de Relações Internacionais, e Raul Grijalva, presidente do comitê de Recursos Naturais — revisaram o documento antes do envio.
"O governo Biden-Harris não deve, de forma nenhuma, buscar um acordo de livre-comércio com o Brasil", reforça o dossiê, organizado em eixos:
- democracia e estado democrático de direito;
- direitos indígenas, mudanças climáticas e desmatamento;
- economia política;
- base de Alcântara e apoio militar dos EUA;
- direitos humanos;
- violência policial;
- saúde pública;
- coronavírus;
- liberdade religiosa e trabalho
Meio-ambiente
O presidente americano e sua vice, Kamala Harris, já criticaram abertamente
a gestão Bolsonaro e deram destaque especial à crise das queimadas na Amazônia.
Ainda na campanha, Biden disse que "começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões para a Amazônia , para o Brasil não queimar mais a Amazônia".
O texto recomenda que o governo americano não cumpra a promessa de investir esse dinheiro no governo brasileiro. A alegação é que seria “jogar dinheiro no problema”, a não ser que o país mude radicalmente sua postura com a pauta ambiental .
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"Os EUA têm obrigação moral e interesse prático em se opor a uma série de iniciativas da atual presidência do Brasil", diz o texto. "A recente 'relação especial' entre os dois países por meio da ampliação de relações comerciais e ajuda militar possibilitou violações dos direitos humanos e ambientais e protegeu Bolsonaro de consequências internacionais."
Comércio
O dossiê defende que Biden retire o apoio atual dos EUA à adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ( OCDE
) e questione a participação do Brasil no G7 e G20 enquanto Bolsonaro for presidente.
O Brasil foi o último país do G20 a parabenizar e reconhecer a vitória de Biden enquanto o presidente Bolsonaro endossava as acusações de Trump de que houve fraude no pleito . Trump não apresentou provas e nenhum dos seus pedidos de anulação da eleição foram aceitos pelas cortes americanas.
O dossiê recomenda que Biden restrinja importações de madeira, soja e carne do Brasil, "a menos que se possa confirmar que as importações não estão vinculadas ao desmatamento ou abusos dos direitos humanos"
Outro ponto de destaque foram as populações minorizadas no Brasil, como indígenas e quilombolas. O dossiê defende que os EUA revertam a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas assinado pelos governos Trump e Bolsonaro, em 2019.
O acordo permite a exploração comercial da Base Espacial de Alcântara , no Maranhão. Isso significaria a expulsão de comunidades tradicionais que habitam a região há mais de 200 anos.
O Brasil diz pretender "tornar o Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão, competitivo mundialmente e um grande atrativo de recursos para o Brasil no setor espacial". O Presidente Bolsonaro afirma que a região estimulará o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e poderá gerar investimentos de até R$ 1,5 bilhão na economia nacional.
Política interna
A divulgação integral dos documentos secretos sobre a ditadura no Brasil, das quais os EUA fizeram parte, estão na lista de exigências do documento. O texto também pede que o Departamento de Justiça responda a questionamentos sobre a suposta participação dos EUA na operação Lava Jato.
Há um segmento do texto que recomenda que os EUA se posicionem contra a violência policial no Brasil, os assassinatos de ativistas e trabalhadores rurais no país e a ataques contra religiões de matriz africana.
Além disso, também menciona a extinção do Ministério do Trabalho e que "políticas de desmantelamento de direitos dos trabalhadores, financiamento sindical, negociações coletivas e sistemas de fiscalização do trabalho" são temas a serem revertidos antes da discussão de qualquer acordo de livre-comércio com o Brasil.