Fux vota para anular ação contra Bolsonaro no STF

Em voto preliminar, o ministro diz que o Supremo não tem competência para julgar o processo, que deveria ir para o plenário ou primeira instância

Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF)
Foto: Reprodução/Youtube
Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF)

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (10) pela anulação da ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)  e outros sete réus sobre a suposta tentativa de golpe de Estado. Para o magistrado, a Corte não tem competência para julgar o caso, que deveria ir para o plenário ou primeira instância.


Ele abriu divergência em relação ao relator, Alexandre de Moraes, e ao ministro  Flávio Dino,  em vários pontos. Ambos se posicionaram favoráveis à condenação. O julgamento segue com os votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

Veja, a seguir, os principais pontos do voto de Fux.

Papel do Supremo

Fux iniciou sua manifestação destacando que cabe ao STF proteger a Constituição, mas sem assumir papel político.

"Não compete ao Supremo Tribunal Federal realizar um juízo político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente. Ao revés, compete a este tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal", afirmou.

O ministro defendeu que o juiz deve atuar com “distanciamento” e imparcialidade no processo penal, "não apenas por não dispor de competência investigativa ou acusatória, como também por seu necessário dever de imparcialidade", disse.

Para ele, o papel da magistratura exige "firmeza para condenar quando houver certeza e, o mais importante, humildade para absolver quando houver dúvida".

Corte não é competente para julgar o caso, diz Fux

Fux defendeu a anulação do processo por incompetência do STF, sob o argumento de que os réus não têm prerrogativa de foro e, portanto, não poderiam ser julgados pela Corte.

"Não estamos diante de autoridades com foro especial, mas de pessoas comuns, sem esse tipo de prerrogativa", declarou, em referência ao fim do foro privilegiado.  "Estamos diante de uma incompetência absoluta", disse.

Para o ministro, a ação deveria tramitar no plenário, como ocorreu em processos anteriores, ou então ser levada à primeira instância.

Cerceamento de defesa

Fux também acolheu a alegação de cerceamento de defesa, em que os advogados afirmaram que não tiveram tempo hábil para analisar o volume de provas reunidas.

Segundo ele, houve um "tsunami de dados"  - cerca de 70 terabytes de informações, com bilhões de páginas - disponibilizados apenas em abril, já após o recebimento da denúncia.

O ministro ressaltou que o material foi entregue sem classificação adequada, o que dificultou o trabalho das defesas e até mesmo o seu, o que reforça o pedido de anulação do processo.

Delação de Cid

Fux divergiu das defesas em relação à delação premiada de Mauro Cid. Ele considerou que o acordo foi firmado dentro da legalidade e deve ser mantido, com a preservação dos benefícios concedidos ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. "Me parece desproporcional a anulação dessa delação", afirmou.

Organização criminosa

O ministro Luiz Fux começou a analisar o mérito do processo, e começou pela acusação de organização criminosa. Ele explicou que, pela lei, o crime só existe quando há uma estrutura com divisão de tarefas para cometer várias infrações, e não apenas um plano isolado.

Ele observou que o relator e a PGR consideraram o suposto plano golpista e a reunião de Bolsonaro com os aliados como uma organização criminosa, e discordou. Segundo o ministro, esses fatos não preenchem os requisitos para o crime.

Para o magistrado, o crime de organização criminosa é improcedente, pois as alegações da denúncia não reforçam que havia arma de fogo na atuação dos réus. Sendo assim, ele votou por absolver Bolsonaro e aliados desse crime específico.

"Não há qualquer descrição na denúncia de que os réus tenham empregado arma de fogo em qualquer momento. O fato de ter militares entre os denunciados ou as pessoas detentoras por lei do direito ao porte de arma de fogo não atrai por si só a incidência da majorante conforme pacífica doutrina do tema que antes eu mencionei",  disse o magistrado.


Dano qualificado e dano ao patrimônio

Após analisar a organização criminosa, Fux passou a avaliar as acusações de dano qualificado e dano ao patrimônio. Ele explicou que, pelo princípio da subsidiariedade, um crime só se considera se não houver outro mais grave que o englobe. No caso, os réus tinham como objetivo a abolição do Estado Democrático de Direito e o golpe de Estado, crimes mais graves que o dano.

Para Fux, o processo não comprova a responsabilidade dos réus pelas ações dos manifestantes do 8 de janeiro. Ele questionou a imputação do crime de dano qualificado.

Fux analisa o crime de golpe de Estado

Após um intervalo de aproximadamente uma hora, Fux retomou seu voto, no âmbito da acusação de tentativa de golpe de Estado. Antes de entrar no mérito, fez uma reflexão sobre o conceito de democracia e sua evolução ao longo do tempo.

O ministro afirmou que o Estado Democrático de Direito é um conceito multifacetado, que não pode ser entendido de forma binária, como se existisse plenamente ou não.

Para ele, trata-se de uma construção contínua, que depende não apenas da formalidade das instituições, mas também da qualidade prática de sua implementação.