Desde a manhã de quarta-feira (28) até esta quinta-feira (29), foram cumpridos cinco mandados de prisão e nove de busca e apreensão
REPRODUÇÃO/POLÍCIA FEDERAL
Desde a manhã de quarta-feira (28) até esta quinta-feira (29), foram cumpridos cinco mandados de prisão e nove de busca e apreensão

Polícia Federal (PF) deflagrou, nesta quinta-feira (29), mais uma fase da Operação Sisamnes , que investiga grupo envolvido em homicídios sob encomenda, compra de sentenças no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e possível espionagem de autoridades brasileiras. Em 24 horas, desde a manhã de quarta-feira (28), foram cumpridos cinco mandados de prisão e nove de busca e apreensão.

O objetivo das 7ª e 8ª fases da operação, deflagradas nesta semana, é aprofundar a investigação em relação aos crimes de corrupção judiciária e lavagem de dinheiro, além de apurar os  possíveis mandantes e eventuais coautores do homicídio de advogado em 2023, em Cuiabá, capital de Mato Grosso.

Na manhã desta quinta-feira, agentes da polícia miraram o esquema envolvendo o pagamento milionário de propinas, em troca de decisões judiciais proferidas por um magistrado vinculado ao Tribunal de Justiça do Estado do Estado de  Mato Grosso .

Segundo as investigações, um esquema de lavagem de dinheiro foi montado para dissimular os pagamentos pelas sentenças. Diante das suspeitas, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Cristiano Zanin, determinou o afastamento do juiz Ivan Lúcio Amarante , da 2ª Vara da Comarca de Vila Rica (MT) e o cumprimento de três mandados de busca e apreensão.

Além disso, foi autorizado o sequestro de bens e valores no montante aproximado de R$ 30 milhões e a apreensão do passaporte do magistrado.  

Saques e depósitos em espécie

As investigações começaram após o assassinato  do advogado Roberto Zampieri , morto a tiros em frente ao próprio escritório em Cuiabá, em 2023. Após o ocorrido, a polícia descobriu, no celular da vítima, mensagens que levaram à suspeita de compra de sentenças no Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) e, posteriormente, no STJ

Essas mensagens também indicaram a existência de um esquema de lavagem de dinheiro para camuflar as movimentações financeiras originadas pelo pagamento das sentenças.

Pelo menos quatro modalidades de lavagem foram identificadas, entre elas, os saques e depósitos de dinheiro em espécie, uso de contas bancárias de passagem, emissão de boletos sem lastro real e operações de câmbio paralelo por meio de doleiros.

Com isso, as investigações que eram conduzidas pela Polícia Civil do Mato Grosso (PCMT), deram origem à Operação Sisamnes, pela PF.

Venda de sentenças

No celular do advogado foram identificadas mais de 700 mensagens trocadas com o desembargador Sebastião de Moraes Filho , do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). O conteúdo das conversas inclui orientações de Zampieri sobre como o magistrado deveria proceder em processos julgados pela comarca.

Além disso, a polícia encontrou evidências de que o desembargador teria recebido duas barras de ouro do advogado , como forma de pagamento pelas sentenças.

Diante das provas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) , em agosto de 2024, afastou Sebastião do cargo e iniciou um processo de investigação por desvio de conduta. Na mesma data, o também desembargador João Ferreira Filho foi igualmente afastado de suas funções, por suspeita de envolvimento no esquema. 

Duas servidoras do TJMT foram alvo de sanções. Em dezembro de 2024, o ministro Zanin determinou o afastamento de Maria de Lourdes Guimarães Filha , esposa de João Ferreira Filho, e Alice Terezinha Artuso , diante das evidências de que elas teriam intermediado o suposto recebimento de valores ilícitos oriundos de Zampieri.

Dados levantados pela PF revelam indícios de que ao menos uma delas recebeu R$ 1,8 milhão de uma empresa que tinha o advogado como sócio.

Ainda segundo as investigações conduzidas pela PF, também foram detectadas sucessivas operações imobiliárias promovidas pelos dois desembargadores e as servidoras afastadas, com aparente propósito de dissimular a origem ilícita do dinheiro utilizado para financiar a compra de imóveis residenciais e de veículos.

O esquema, de acordo com a PF, se espalhou para outros locais do Brasil e levou a compras de sentenças no STJ. O  grupo criminoso envolve a participação de advogados, lobistas, empresários, assessores, chefes de gabinete e magistrados de estados como Tocantins, Mato Grosso e Distrito Federal. 

Além das sentenças, eram negociados valores referentes à venda de informações sigilosas, incluindo detalhes de operações policiais. Nesse sentido, foi identificada uma rede clandestina de monitoramento, comércio e repasse dessas informações sobre o andamento de investigações sensíveis supervisionadas pelo STJ. 

Em decorrência disso, duas pessoas foram presas no DF após a polícia identificar o vazamento de informações relativas à Operação Sisamnes. Todos esses investigados são suspeitos de crimes como organização criminosa , corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, mercado de câmbio clandestino, evasão de divisas, exploração de prestígio e violação de sigilo funcional .

Homicídios encomendados

O assassinato do advogado Rodrigo Zampieri expôs a atuação de um grupo de extermínio. As investigações apontam que o  crime foi encomendado pelo fazendeiro Aníbal Manoel Laurindo , preso pela Polícia Federal na última quarta-feira.

De acordo com a apuração, Aníbal teria contratado a organização criminosa após perder na Justiça propriedades avaliadas em cerca de R$ 100 milhões, localizadas em Paranatinga, a 411 km de Cuiabá.

Zampieri representou judicialmente o fazendeiro que reivindicava a posse das terras. Além disso, Aníbal desconfiava da relação próxima entre Zampieri e o desembargador responsável pelo caso, que deu sentença favorável ao cliente do advogado. A partir dessas evidências, a polícia identificou o envolvimento do grupo criminoso na morte encomendada. 

De acordo com o delegado da PCMT, que conduziu as investigações do assinato, a esposa de Aníbal também teria envolvimento no crime, já que foram identificadas duas transferências feitas por ela para o coronel da reserva do Exército Brasileiro, Etevaldo Luiz Caçadini de Vargas , apontado como o intermediário do homicídio .

Vargas é militar, formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1977, na mesma turma do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) . Ele também atuou como subsecretário de Integração de Segurança Pública no governo de Minas Gerais em 2019, durante o primeiro mandato do governador Romeu Zema (Novo). 

O militar está preso desde 2024, pelo envolvimento na morte de Zampieri. As suspeitas são de que Vargas seja o líder do grupo de matadores de aluguel que se autodenomina Comando de Caça Comunistas, Corruptos e Criminosos (Comando C4) . De acordo com as investigações, a organização criminosa é especializada em homicídios por encomenda e espionagem ilegal, formada, principalmente, por militares. 

Além disso, Vargas é investigado por incitar militares a desobedecerem à hierarquia e agirem contra as instituições democráticas, por meio de vídeos publicados nas redes sociais. Ele também é alvo de inquérito no STF relacionado aos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 .

O Comando C4

Outros supostos integrantes do grupo de extermínio foram presos pela PF na quarta-feira. O instrutor de tiro Hedilerson Fialho Martins Barbosa , um dos intermediadores da organização e dono da arma usada para matar Zampieri; o atirador Antônio Gomes da Silva , apontado como o executor do advogado; e o sargento do Exército Gilberto Louzada da Silva , que também atuava como instrutor de tiro. 

As investigações da PF indicam ainda que o grupo mantinha uma tabela de preços para serviços de espionagem e execuções, com valores que variavam conforme o alvo, incluindo autoridades como ministros do STF e senadores. Suas atuações abrangiam estados como São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso, onde os mandados de prisões e busca e apreensão foram cumpridos. 

A suspeita é de que o grupo tenha atuado na execução de outras pessoas, além do advogado Zampieri, já que, de acordo com a polícia, os celulares dos investigados estariam repletos de evidências sobre as supostas “missões”. 

Grupo surgiu em 1964

O Comando C4 tem raízes na ditadura militar . A atuação do grupo remete às ações do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), organização paramilitar de extrema direita que esteve ativa nas décadas de 1960 e 1970, durante os anos mais duros do regime autoritário.

O CCC surgiu em 1964, ano do golpe que depôs o presidente João Goulart, e se consolidou como um braço informal da repressão. Formado por estudantes conservadores, policiais do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e militares com treinamento do Exército, o grupo promovia ataques a artistas, professores, religiosos e qualquer um considerado “inimigo do regime”.

Um dos episódios mais conhecidos foi a invasão do Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, durante a apresentação da peça Roda Viva, de Chico Buarque, em 1968. A produção foi interrompida após os atores serem brutalmente agredidos.

Outro caso emblemático atribuído ao CCC foi o assassinato do padre Antônio Henrique Pereira Neto, em Recife, em 1969. Assessor direto de Dom Helder Câmara, o religioso foi sequestrado, torturado e morto após passar a ser monitorado por suas ações junto à juventude católica. Documentos da Comissão Nacional da Verdade revelam que o crime teve motivação política e envolveu integrantes do grupo e agentes da Polícia Civil.

Cinco décadas depois, o país se depara com a reaparição de um grupo que adota práticas semelhantes, sob a retórica anticomunista. Segundo a Polícia Federal, o Comando C4 atuava como uma milícia privada, supostamente liderada pelo militar Etevaldo Luiz Caçadini de Vargas, que se autodenomina patriota. Em vídeos nas redes sociais, ele fazia apelos por “insurgência militar” e chegou a incentivar a ruptura institucional após as eleições de 2022.

Espionagem de autoridades

As investigações da PF apontam que o Comando C4 não se limitava ao assassinato encomendado de civis, mas também de autoridades brasileiras. Documentos e anotações encontradas durante as buscas e apreensões efetuadas na última quarta-feira continham uma tabela de preços para os serviços oferecidos pelo grupo, que indicavam a cobrança de R$ 250 mil para assassinar ministros. 

Além disso, as evidências mencionam ministros do STF e senadores da República. Nessas anotações, o senador Rodrigo Pacheco (PSD), ex-presidente do Senado e do Congresso Nacional, foi citado como “figura de interesse”. 

Sobre isso, Pacheco disse ser “estarrecedor” os indícios revelados pela PF. “Externo meu repúdio em razão da gravidade que representa à democracia a intimidação a autoridades no Brasil, com a descoberta de um grupo criminoso, conforme investigação da Polícia Federal, que espiona, ameaça e constrange, como se o país fosse uma terra sem leis. Que as autoridades competentes façam prevalecer a lei, a ordem e a competente investigação sobre esse fato estarrecedor trazido à luz”, disse o parlamentar em nota. 

Também por meio de nota, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, lembrou que a apuração envolvendo o grupo criminoso é sigilosa. O magistrado reforçou que as investigações estão em fase inicial e, por isso, “não é hora, ainda, de formular conclusões". 

O Portal iG tentou contato com as defesas dos suspeitos citados nesta matéria, mas não obteve sucesso. O espaço segue aberto para manifestações das partes. 

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