
Na quarta-feira (26), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que o ex-presidente Jair Bolsonaro(PL-RJ) e outros sete acusados serão réus no processo que investiga a tentativa de golpe de Estado ocorrida em janeiro de 2023.
A denúncia foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República e, após um extenso julgamento, todos os envolvidos foram formalmente acusados de crimes relacionados à subversão da ordem constitucional.
O julgamento entrou na fase de instrução, na qual serão coletadas provas e ouvidos depoimentos, dando início ao aprofundamento da investigação.
A denúncia traz à tona uma série de ações que indicam uma tentativa coordenada de violar o Estado Democrático de Direito, envolvendo figuras-chave do governo Bolsonaro e aliados.
Entre os acusados estão nomes como o ex-presidente Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, e outros militares de alta patente, incluindo o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno.
A acusação afirma que eles estavam envolvidos em uma trama que visava subverter os resultados das eleições de 2022 e manter o ex-presidente no poder.
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, foi enfático em seu voto, destacando que havia evidências suficientes para que a denúncia fosse aceita.
Ele argumentou que Bolsonaro estava ciente das ações criminosas e que a "minuta do golpe", que detalhava planos para a subversão da ordem constitucional, foi discutida por membros do governo.
Os ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Luiz Fux também votaram a favor do recebimento da denúncia, cada um destacando diferentes aspectos da tentativa de golpe, como a gravidade dos atos e a necessidade de garantir que os acusados tenham o direito de se defender.
O julgamento foi marcado por intensos discursos, com ministros condenando a ideia de que os atos de janeiro de 2023 pudessem ser minimizados.
A ministra Cármen Lúcia, por exemplo, lembrou que tentativas de golpe de Estado não acontecem de forma repentina, mas são planejadas ao longo do tempo, e destacou a importância de tratar os eventos de 8 de janeiro como uma ameaça concreta à democracia.
Com a decisão, o caso entra em uma nova fase jurídica, que buscará aprofundar as investigações sobre o papel de cada acusado na tentativa de golpe.
Voto do relator

No julgamento, Alexandre de Moraes fez uma série de declarações sobre o caso envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros acusados de tentativa de golpe de Estado.
O ministro iniciou o voto afirmando que "há indícios razoáveis de autoria e justa causa total para o recebimento da denúncia".
Moraes explicou que a denúncia da Procuradoria Geral da República apresenta elementos suficientes para o recebimento, sem que isso implique em culpa dos denunciados.
Ele ainda reforçou que "todo esse embasamento probatório, com indícios fortes de autoria foi produzido pela PF de forma autônoma e independente em relação à colaboração premiada."
Em um momento crucial, Moraes desmentiu a alegação do advogado de Braga Netto, que afirmou que o general não havia sido ouvido pela Polícia Federal.
O ministro esclareceu que "o general foi intimado em 22/2/2024, compareceu à PF, mas escolheu exercer seu direito ao silêncio durante o depoimento."
Sobre o envolvimento de Bolsonaro, Moraes destacou que "não há nenhuma dúvida que o denunciado Jair Bolsonaro conhecia, manuseava e discutia a minuta do golpe."
O ministro também afirmou que o ex-presidente tinha conhecimento das ações criminosas, inclusive após a derrota nas eleições, evidenciado pela minuta de golpe que discutia a ruptura democrática, afirmando que "isso não há dúvida."
Moraes também abordou a acusação que descrevia Bolsonaro como coordenador do golpe, ressaltando que o ex-presidente "coordenava membros do governo federal para construir uma narrativa ilegal contra as instituições."
Ele lembrou ainda o discurso de setembro de 2021, quando Bolsonaro afirmou não cumprir mais as decisões judiciais.
Outro ponto importante foi quando Moraes citou a tentativa de questionamento das eleições de 2018, mencionando que a Abin, sob a liderança de Alexandre Ramagem, não tinha a função de monitorar urnas eletrônicas, destacando que "a Abin não pode interferir em nada."
Além disso, Moraes refutou as alegações de excessos por parte do STF, citando o caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, condenada por ele a 14 anos de prisão, para rebater a narrativa de que o STF age com arbitrariedade.
Com essas e outras observações, Moraes deixou claro que há indícios sólidos de envolvimento de Bolsonaro e outros membros do governo em tentativas de golpe e atentados à democracia, com a denúncia detalhando um plano coordenado para minar a ordem democrática do país.
Voto de Flávio Dino

Durante o julgamento, o ministro Flávio Dino fez declarações contundentes sobre a tentativa de golpe de Estado e o envolvimento do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Flávio Dino acompanhou o voto do relator, Alexandre de Moraes, e também se posicionou a favor do recebimento da denúncia, afirmando que é necessário que Bolsonaro e outros sete acusados se tornem réus pelo crime de tentativa de golpe.
"Golpe de estado é coisa séria", disse o ministro, destacando a gravidade da situação e desmentindo a ideia de que a tentativa de golpe não tenha tido consequências significativas.
"É falsa a ideia de que um golpe de estado ou uma tentativa de golpe não resultou em mortes naquele dia, é uma infração penal menor ou sem significância. Isso é uma desonra a memória nacional, uma agressão contra as famílias que viveram dias de trevas no Brasil."
Em um momento de crítica mais enfática, Dino ironizou Jair Bolsonaro, comentando sobre a relação de militares com as armas.
Ele se referiu a declarações do ex-presidente sobre dormir com uma arma ao seu lado, dizendo que "alguns [militares] são mais apaixonados por suas armas do que por seus cônjuges", e completou, afirmando que esses indivíduos "dormem com as armas embaixo do travesseiro, na mesa de cabeceira."
Voto do Fux

Luiz Fux, ao iniciar seu voto, cumprimentou seus colegas e elogiou o ministro Alexandre de Moraes pela apresentação dos vídeos do 8 de janeiro. "A indiferença é a pior das sensações. É um castigo", declarou, destacando a importância da democracia e relembrando momentos da pandemia, quando presidia o STF.
Ele mencionou situações de manifestações na Praça dos Três Poderes, com milhares de pessoas, em que nada ocorreu, mas enfatizou: "não se pode, de forma alguma, dizer que não aconteceu nada".
Fux afirmou ter "absoluta certeza de que, se fosse em tempos pretéritos, jamais se caracterizaria a tentativa como crime consumado" e destacou que, em outras épocas, seria possível questionar a constitucionalidade da tentativa de golpe.
No entanto, observou que, "está cumprindo o princípio da legalidade", defendendo que os crimes contra o Estado Democrático de Direito devem ser considerados de acordo com a legislação atual.
Fux reconheceu que "é possível que haja tentativa de golpe", considerando-a um "atentado contra a democracia".
O ministro também se referiu ao caso da cabeleireira Débora, que pichou a estátua da Justiça no 8 de janeiro. Ele falou sobre a "humildade judicial" e explicou que havia pedido vistas do processo, pois considerou que a condenação de 14 anos era "exacerbada".
Fux se mostrou mais ameno do que seus colegas ao afirmar que vê os "atos preparatórios do crime consumado de tentar", mas indicou que, apesar de sua posição mais suave, concordaria com a aceitação da denúncia da Procuradoria-Geral da República.
O ministro, no primeiro dia de julgamento, foi o único que defendeu que a análise da denúncia da PGR deveria ser julgada pelo plenário do STF e não pela Primeira Turma.
Voto da Cármen Lúcia

A ministra iniciou seu voto destacando que o golpe "não teve êxito, se não não estaríamos aqui".
Ela explicou que o essencial é analisar os eventos que ocorreram "do dia 8 pra trás", para entender a máquina que tentou "desmontar a democracia", destacando que "isso é fato".
Para a ministra, a gravidade dos atos praticados foi clara, e os “atos, providências, medidas criminosas foram deflagradas e culminaram na festa da Selma”.
Cármen Lúcia ainda pontuou que o Estado-juiz cumpriu o dever de "receber e permitir que isso seja investigado e esclarecido", a fim de evitar que o Brasil passasse por mais uma tentativa de golpe de Estado sem que nada fosse feito.
Ela afirmou com convicção que a denúncia "não é inepta" e que "os indícios de materialidade estão presentes", confirmando que, ao menos, há "conhecimento e alguma participação".
A ministra também argumentou que "cada um responde, na vida, pelos seus atos", o que justifica a "individualização" das responsabilidades no processo.
Para ela, é fundamental que as pessoas sejam responsabilizadas por suas ações, sem qualquer generalização ou omissão.
Cármen Lúcia também citou o livro da historiadora Heloisa Starling, que, segundo a ministra, mostra "como não se faz um golpe em um dia".
Ela ressaltou que "o golpe não acaba em uma semana, nem um mês", e que a reflexão sobre o contexto histórico é importante para compreender a complexidade do processo.
A ministra ainda revelou que, em determinado momento, pediu a antecipação da diplomação do presidente, destacando que a decisão para o dia 12 foi tomada porque havia algo que "não entendia muito bem" e que, de fato, as pessoas "não entendiam muito bem".
Por fim, Cármen Lúcia reforçou a confiança e a segurança do processo eleitoral brasileiro, afirmando: "ditadura mata, ditadura vive da morte, não apenas da sociedade, da democracia, mas de seres humanos de carne e osso".
Voto do Zanin

O presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, foi rápido em seu voto. Ele iniciou destacando que a denúncia "longe de ser amparada exclusivamente em uma delação premiada, o que se tem aqui são diversos documentos, vídeos, materiais que dão amparo aquilo que foi apresentado pela acusação".
Ele ressaltou a robustez das provas que sustentam a acusação, enfatizando que a base para a denúncia vai além de uma única testemunha ou delação.
Zanin também declarou que "não adianta dizer que a pessoa não estava no dia 8 de janeiro se ela participou de uma série de atos que culminaram" nos atos antidemocráticos.
Ele pontuou que o caso evidenciou que a responsabilidade de cada indivíduo pode ser estabelecida por sua participação em ações que contribuíram para o desfecho dos eventos, independentemente de sua presença específica no dia 8 de janeiro.