Ato na Avenida Paulista pedindo a descriminalização social e penal do aborto
Rovena Rosana/Agência Brasil - 28.09.2023
Ato na Avenida Paulista pedindo a descriminalização social e penal do aborto

Uma pesquisa realizada pela Quaest revelou que a sociedade brasileira mantém uma postura majoritariamente conservadora em relação à legalização do aborto. O levantamento mostra que  72% dos entrevistados se manifestaram contrários à legalização , e apenas 25% se mostraram a favor.

Embora a maioria dos entrevistados seja contrária à legalização, 84% acreditam que as mulheres que realizam abortos não devem ser presas.

Essa postura antipunitivista evidencia a complexidade do tema para a sociedade brasileira, revelando que ser contra à legalização não necessariamente significa apoiar a punição das mulheres envolvidas.

“O Brasil não está maduro para essa discussão no sentido de legalizar o aborto. O país possui uma forte tradição cultural, religiosa e legalista que valoriza a proteção da vida desde a concepção. Nossa Constituição pauta pela proteção à vida como garantia fundamental e cláusula pétrea, o que já contrariaria a discussão de inclusão de direito ao aborto na Constituição Federal Brasileira”, explica a advogada Carla Conejo ao iG .

Julgamento do tema no STF

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, defende a descriminalização do aborto . Segundo o magistrado, a interrupção da gravidez deve ser evitada e o Estado deve fornecer educação sexual, contraceptivos e apoio às mulheres que desejam ter filhos. 

“Não se trata de defender o aborto: trata-se de enfrentar esse problema de uma forma mais inteligente do que a criminalização, porque prender a mulher não serve para nada”, disse Barroso durante uma aula magna proferida na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO).

A relatora do caso no STF, a ex-ministra Rosa Weber, votou no ano passado sobre o tema antes de sua aposentadoria, se declarando a favor da descriminalização do aborto . Para a ela, a pena determinada pelos artigos 124 e 126 do Código Penal não estão de acordo com a Constituição, pois a punição prevista “versa questão de direitos, do direito à vida e sua correlação com o direito à saúde e os direitos das mulheres”, visto que não existe consenso sobre quando a vida humana se inicia.

A pauta ainda não voltou a ser julgada pelos ministros da Corte Suprema. Apesar de Barroso defender a descriminalização, ele não deve colocar o assunto em evidência durante o ano de eleições municipais.

O que diz a Constituição Brasileira sobre o aborto?

Não há nada mencionando explicitamente o aborto na Constituição de 1988. A questão é regulada pela legislação infraconstitucional. O assunto pode ser encontrado principalmente no Código Penal brasileiro, que criminaliza o aborto, exceto em casos de estupro, risco de vida para a gestante e anencefalia fetal, segundo a decisão do Supremo Tribunal Federal.

De acordo com o Senado, “o Código Penal Brasileiro pune o aborto provocado na forma do auto-aborto ou com consentimento da gestante em seu artigo 124; o aborto praticado por terceiro sem o consentimento da gestante, no artigo 125; o aborto praticado com o consentimento da gestante no artigo 126; sendo que o artigo 127 descreve a forma qualificada do mencionado delito”.

“A jurisprudência brasileira em relação ao aborto tem sido predominantemente conservadora, refletindo o entendimento de que a proteção da vida humana é um princípio fundamental, garantido pela nossa Constituição Federal Brasileira. Embora, existam casos em que o aborto é permitido por lei, como em situações de estupro ou risco à vida da mulher, todavia, o sistema jurídico brasileiro tende a reforçar a proteção da vida desde a concepção”, diz a advogada.

E acrescenta: “Os tribunais brasileiros também têm considerado cada vez mais os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. No entanto, o tema continua sendo complexo e controverso, com desafios persistentes no acesso aos direitos reprodutivos das mulheres”.

O aborto no mundo


Mapa da legalização do aborto no mundo
Centro Para Direitos Reprodutivos/Reprodução
Mapa da legalização do aborto no mundo


Recentemente, a França aprovou que o direito ao aborto seja incluso na Constituição.  Isso fez com que o país se tornasse o primeiro no mundo a prever a liberdade de interrupção da gravidez na Carta Magna. A decisão foi aprovada em uma sessão conjunta das duas Casas legislativas, a Assembleia Nacional e o Senado.

“A França, reconhece o direito das mulheres de fazerem as escolhas reprodutivas do seu corpo, um passo a mais em direção à autonomia e igualdade de gênero”, afirma Carla Conejo. 

Para a advogada, o país “incluiu o aborto na constituição com o intuito de impedir, dificultar ou até mesmo blindar futuras discussões sobre o tema”.


Veja outros países que reconhecem o direito ao aborto em suas legislações:

  • Canadá

  • Estados Unidos

  • Alemanha

  • África do Sul

  • Uruguai

  • Argentina

  • Colômbia

  • Índia

  • Nepal

  • Espanha

  • Portugal

De acordo com a ONG Centro para Direitos Reprodutivos, 77 países permitem realizar o aborto, mas com limitações por questões sociais ou econômicas. Em outros 47, a interrupção da gravidez só é permitida para preservar a saúde da mulher.

Em 43 nações, o aborto só é concedido quando há risco de morte. E, por fim, em outros 22 países, ele é totalmente proibido, sem exceções.

Os Estados Unidos e o México são os únicos países que a regulamentação do aborto é variável, por depende de estado para estado. Em alguns, a pauta é permitida. Em outros, é proibida, além de haver regras diferentes entre eles.

O Chile teve o aborto descriminalizado em 2021, garantindo que nem o profissional de saúde, nem a mulher sejam presos caso realizem, mas a pauta ainda não foi regulamentada.

Em setembro de 2022, o Chile propôs uma mudança constitucional incluindo o direito ao aborto, mas foi rejeitado pelos chilenos em um referendo. A interrupção é regulamentada apenas em casos de estupro, risco de vida para a mãe ou quando o feto não tem capacidade de sobreviver fora do útero, como no Brasil.

Na Colômbia, a Corte Constitucional decidiu em 2022 pela descriminalização do aborto até a 24ª semana de gestação após julgar duas ações.

Na Espanha, o Tribunal Constitucional decidiu, em 2023, legalizar integralmente o aborto realizado até a 14ª semana de gestação, limite ampliado até a 22ª em casos de risco à vida da gestante e de fetos com condições de saúde incompatíveis com a vida. 

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