Nas últimas semanas, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que fixa em oito anos o período de um ministro no Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a ser discutida no Congresso Nacional. Na manhã de quarta-feira (5), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou PEC por unanimidade . O texto irá ao plenário da Casa nas próximas semanas.
Para juristas, a moção é vista como uma atuação política da Casa, ao invés de um aperfeiçoamento institucional. Já o Legislativo diz que a PEC pretende dar rotatividade aos membros da Corte.
Para os contrários à proposta pautada pela CCJ, a urgência do Senado em votar a PEC seria uma retaliação ao Supremo por ter votado, nas últimas semanas, pautas que incomoradam os congressistas. São elas a descriminalização do aborto, o marco temporal e a liberação do porte da maconha.
“O está acontecendo é um problema que, no direito, nós chamamos de blacklash , que seria uma forma de represália dos poderes eleitos sobre determinada atuação da Suprema Corte”, diz Eduardo Lasmar Prado Lopes, mestre em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e advogado do escritório Martins Cardozo Advogados.
“Isso é preocupante, porque em última medida significa diminuir a independência do Poder Judiciário”, completou o jurista.
No modelo atual, os magistrados ficam na Corte até os 75 anos, idade definida pela Constituição para determinar a aposentadoria compulsória.
Para a jurista e mestre em Direito Penal, Jacqueline Valles, “a proposta desrespeita o artigo 60 da Constituição Federal, que estabelece no Inciso III a separação e independência entre os poderes, que é cláusula pétrea e não pode ser modificada nem mesmo por meio de uma PEC”.
Valles explica que qualquer mudança dentro do regime interno do STF cabe ao Poder Judiciário. "Quando o Poder Legislativo tenta limitar as ações do STF sobre regimentos internos, está invadindo a seara da distribuição de competência do Poder Judiciário”, reforça a criminalista.
Da mesma forma, não cabe ao Judiciário alterar as normas do Legislativo. “A separação entre os Poderes é um dos pilares da democracia. Esse princípio constitucional estabelece a competência de cada um dos poderes e confere a eles a responsabilidade sobre a autogestão”, explica Jacqueline.
O que diz o Congresso?
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado Federal , declarou ser favorável à proposta de que os ministros da Corte tenham mandatos com prazos fixos . O parlamentar defende que a proposta é “boa para o país”.
“Considero que é uma tese interessante para o país. Muitos países adotam essa metodologia, muitos ministros do Supremo já defenderam isso. Há matéria legislativa nesse sentido aqui no Senado e acho que é um tema sobre o qual deveríamos nos debruçar e evoluir, não simplesmente aprovar de qualquer jeito. É bom para o Poder Judiciário, para a Suprema Corte, para o país”, disse Pacheco.
Já o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) discorda de Pacheco. Em declaração dada ao g1 , Lira afirmou que não há efeito prático na medida que possa melhorar a relação entre os magistrados e o Congresso.
Em recado ao Judiciário durante abertura de evento na quarta-feira (4), o deputado afirmou que "[a Constituição] estabelece as balizas que delimitam o campo de ação de cada um dos Poderes do Estado [...] É importante que nós saibamos manter, cada Poder desta nação, nos seus limites constitucionais, e eu tenho absoluta certeza que o Parlamento os obedece, os cultiva e os respeita".
O que diz o STF?
O primeiro ministro a ser pronunciar sobre a proposta de mandato fixo foi Gilmar Mendes. O magistrado questionou o motivo de ideias 'supostamente reformistas' se dirigirem somente ao Supremo .
“Após vivenciarmos uma tentativa de golpe de Estado, por que os pensamentos supostamente reformistas se dirigem apenas ao Supremo?”, questionou o ministro. Mendes afirmou que essa proposta “se fará acompanhar do loteamento das vagas, em proveito de certos órgãos”.
“É comovente ver o esforço retórico feito para justificar a empreitada: sonham com as Cortes Constitucionais da Europa (contexto parlamentarista), entretanto o mais provável é que acordem com mais uma agência reguladora desvirtuada. Talvez seja esse o objetivo”, disse o ministro.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) , ministro Luís Roberto Barroso também comentou sobre a PEC , dizendo que compreende as movimentações do Congresso Nacional contra a Corte, mas discordando de possíveis mudanças no Judiciário.
“Acho que o Congresso é o local próprio para o debate público, vejo com grande naturalidade a discussão de temas de interesse nacional. Eu compreendo, e compreender não significa concordar”, disse Barroso.
E completou: “Vejo com naturalidade, mas participamos do debate também. O Supremo, uma das instituições que talvez seja uma das que mais serviu ao Brasil na preservação da democracia, não está na hora de ser mexido”.
Decisões monocráticas
Segundo o texto aprovado na quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, decisões individuais não poderão ser tomadas em caso de leis e atos normativos do Congresso Nacional e da Presidência da República, além de não poder impedir a tramitação de projetos que afetem políticas públicas, como a descriminalização da maconha.
A proposta ainda estipula o prazo de seis meses para devolução de processos ao plenário em caso de pedido de vista. Entretanto, já existe uma norma na Suprema Corte que determina a volta do inquérito a julgamento em até 90 dias.
“O Supremo está tentando defender uma postura institucional, mas acho que existe ali uma tensão muito forte entre os dois poderes para ver quem é que vai conseguir a última palavra no fim das contas”, diz Eduardo Lasmar.
Relação entre Legislativo e Judiciário
De acordo com Magno Karl, cientista político e diretor-executivo do Livres, há uma série de episódios políticos que vem desgastando a relação entre os poderes Legislativo e Judiciário, como o escândalo do Mensalão, a Operação Lava-Jato e as decisões sobre políticas públicas — como a descriminalização do aborto e da maconha.
"É uma situação política que em algum momento necessitará de uma amenização, alguém precisará colocar água na fervura porque são dois poderes da República que não podem viver em confronto dessa forma", diz o cientista político.
O Legislativo tem sido questionado por pautar medidas que supostamente estariam se sobrepondo ao poder do Supremo Tribunal Federal. Karl explica que os senadores e deputados têm autonomia para decidir quando determinado tema deve ser votado. Entretanto, a questão dos mandatos com prazo fixo e as decisões monocráticas "precisam ser discutidas profundamente e ter as consequências analisadas", afirma o especialista.
"Não acho que sem a permanência da aposentadoria o Supremo Tribunal Federal perderá a sua independência, mas precisamos ter essa discussão com calma, analisando os diferentes pontos para que essa decisão acaba não acabe por minar institucionalmente o STF, de uma forma que nem a sociedade brasileira e nem os legisladores acabem se arrependendo no futuro", explica Magno Karl.