Antonieta de Barros foi a primeira deputada negra do Brasil
Divulgação/Museu da Escola Catarinense
Antonieta de Barros foi a primeira deputada negra do Brasil


No dia 25 de julho de 1992, foi realizado o 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas e, a partir deste evento, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a data como o  Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

No Brasil, diversas mulheres negras lutaram pela liberdade e democracia, algumas almplamente conhecidas, e outras que vêm ganhando o reconhecimento das autoridades brasileiras. Esse é o caso de Antonieta de Barros (1901-1952), recentemente incluída no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria pelo governo Lula.

Natural de Florianópolis (SC), Antonieta foi criada pela sua mãe, Catarina de Barros, visto que Rodolfo de Barros, seu pai, morreu poucos anos após seu nascimento. Catarina trabalhou como lavadeira e sempre lutou pela educação das suas filhas.


Exemplo disso é que Antonieta foi alfabetizada aos cinco anos de idade e desde cedo nutriu o sonho de seguir carreira no campo educacional. Contudo, ter nascido apenas 13 anos após a abolição da escravatura no Brasil e ter crescido em uma cidade majoritariamente branca foram empecilhos na vida da catarinense. 

“Ela é filha de uma mãe que foi escravizada e nasceu apenas 13 anos após a abolição da escravidão no Brasil. Tudo isso em uma cidade de maioria branca, totalmente eurocêntrica e brancocêntrica. Ela se constitui como uma pessoa política desde a juventude”, afirma Jeruse Romão, pedagoga, mestre em Educação e autora do livro “Antonieta de Barros: Professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil”.

Após concluir os estudos no que hoje é o Ensino Fundamental, Barros ingressou na Escola Normal Catarinense, atual Instituto Estadual de Educação, e cursou o que é equivalente ao Ensino Médio , concluindo, assim, todo o ciclo básico da educação. 

Ainda na Escola Normal, Antonieta foi presidente do Grêmio das Normalistas, assim como diretora de uma revista na instituição de ensino, fatos esses que já demonstravam a sua projeção como organizadora de movimentos políticos. 

“Vemos uma mulher preta se colocando no mundo da organização política, no pré-movimento estudantil, e se projetando no mundo das letras, tudo isso muito jovem, tendo entre 17 e 18 anos de idade. Ela tinha domínio político desde a juventude e sempre sendo hostilizada, sofrendo machismo, racismo e preconceito de classe social”, pontua a pedagoga.

Jeruse lançou em 2021 a primeira versão da biografia de Antonieta de Barros
Reprodução/Instagram @romaojeruse
Jeruse lançou em 2021 a primeira versão da biografia de Antonieta de Barros


Criação de um curso particular

Antonieta terminou os estudos do ensino básico em 1921 e, um ano depois, inaugurou o Curso Particular Antonieta de Barros, voltado à alfabetização de jovens e adultos. A escola foi um sucesso em Florianópolis, se destacando nos classificados dos jornais e tendo as matrículas esgotadas diversas vezes. 

Ela também foi professora de português no Colégio Coração de Jesus, no Colégio Dias Velho e na Escola Normal Catarinense, tendo sido diretora destas duas últimas instituições de ensino. Sob o pseudônimo “Maria da Ilha”, também escreveu e publicou o livro “Farrapos de Ideias”, em 1937.

E a sua atuação profissional se expandiu cada vez mais. Isso porque Antonieta ganhou notoriedade na capital catarinense ao longo dos anos e junto com uma outra jornalista branca pautou os avanços do feminismo na imprensa do estado ao escrever diversos artigos relacionados ao tema.

Atuação como parlamentar

O seu reconhecimento enquanto docente, jornalista e ativista fez com que Antonieta passasse a se dedicar, oficialmente, à vida política. No ano de 1934 ela foi candidata em uma das primeiras eleições onde mulheres puderam participar, sendo eleita como suplente na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina pelo Partido Liberal Catarinense (PLC). 

Contudo, como o deputado eleito Leônidas Coelho não tomou posse, Barros assumiu o cargo no Parlamento catarinense, tornando-se a primeira mulher negra a ser deputada no estado e no Brasil. 

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Reprodução/Biografia Antonieta de Barros/Jeruse Romão

Antonieta de Barros dedicou grande parte da sua vida aos avanços da educação em Santa Catarina

“Ela rompeu barreiras de gênero, de raça e de classe social e, ao chegar no Parlamento em 1934, já era uma intelectual respeitadíssima, jornalista, empresária, dona de uma escola e totalmente prestigiada em Florianópolis”, ressalta Jeruse.

O seu primeiro mandato foi de 1935 a 1937, quando teve início o Estado Novo e os parlamentos de todo o país ficaram fechados até 1945. Com a redemocratização, ela foi novamente eleita como suplente do PLC na Alesc e em 1947 tomou mais uma vez posse como parlamentar após José Boabaid se afastar do cargo. Seu segundo mandato durou até 1951.

Assim como ao longo da sua vida, o principal foco de Barros enquanto deputada foi a área da educação. Exemplo disso é que ela apresentou a Lei Nº 145, de 12 de outubro de 1948, que criou o Dia do Professor no dia 15 de outubro em Santa Catarina. A lei foi homologada pelo então governador José Boabaid e, em 1963, passou a ser reconhecida nacionalmente após o decreto federal assinado pelo presidente João Goulart. 

Passado e presente no Parlamento

Mesmo 88 após a primeira deputada negra do país tomar posse, alguns desafios ainda são semelhantes para as atuais mulheres negras que exercem cargos no Parlamento. É o que afirma a deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS), eleita no pleito de 2022. 

“No século passado, Antonieta de Barros adentrou na política após a abolição da escravatura, um período muito adverso para nós, negras e negros. Embora um século tenha se passado, os reflexos dessas amarras da escravidão ainda estão permeados na política nacional”, afirma a parlamentar. 

“O ambiente político segue hostil para as mulheres negras e LGBTs. Por exemplo, eu sou a primeira mulher negra e LGBT eleita na história do RS. Olha quanto tempo isso levou para acontecer”, complementa.

Daiana foi eleita deputada federal pelo Rio Grande do Sul
Reprodução/Instagram @daianasantospoa
Daiana foi eleita deputada federal pelo Rio Grande do Sul


A deputada ressalta ainda que, apesar dos avanços, é necessário que os partidos invistam mais nos projetos e candidaturas de mulheres negras e as coloquem como protagonistas das legendas. 

A título de exemplo, dos 513 deputados federais eleitos em 2022, apenas 9 foram mulheres negras. Esse número representou uma redução de 38% em relação ao mandato de 2018 a 2022, quando 14 parlamentares federais negras estiveram no Congresso Nacional.

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Daiana também reforça a importância de nomes históricos como o de Antonieta para a construção de uma base para que políticas negras possam cada vez mais fazer parte dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário.

“As mulheres negras sempre estiveram presentes na vida política do país. Desde Dandara no Quilombo dos Palmares, passando por Maria Felipa na Independência da Bahia, Benedita da Silva como governadora do estado do Rio de Janeiro. E agora, eu e minhas colegas de bancada negra na Câmara Federal”, destaca.

“Quando dizem que nossos passos vêm de longe, é sobre isso, sobre a representatividade e a importância da luta de todas essas mulheres."

Legado de Antonieta

De acordo com Jeruse Romão, um dos maiores legados de Antonieta foi a sua coragem para decidir entrar para a política em um ambiente racista, machista e elitista. Outra importante contribuição da deputada foi apresentar a necessidade da criação de políticas públicas. 

“O segundo legado dela é a compreensão da necessidade de políticas públicas. Ela vai emplacando medidas para mulheres, para os jovens, para os educadores e para o funcionalismo público. Antonieta defende que a educação é direito de todos e dever do estado, e o magistério foi um dos pontos centrais da sua luta”, diz a biógrafa.

Daiana Santos, que também é educadora social e sanitarista, acrescenta a importância de Barros ter se posicionado frente a políticos racistas e com atitudes ainda escravocratas na época em que ascendeu no Legislativo catarinense. 

“A luta pelos direitos das mulheres negras e periféricas sempre esteve pautada em minha Mandata, seja atuando como vereadora de Porto Alegre ou como deputada federal pelo Rio Grande do Sul. E, para que eu esteja aqui diante de um espaço que ainda é majoritariamente branco, cis-hetero e distante da periferia, mulheres como Antonieta foram fundamentais para que isso acontecesse ”, pontua a parlamentar do Rio Grande do Sul.

Antonieta de Barros segue viva em cada uma das mulheres negras que lutam contra um sistema racista, heteronormativo e machista. Segue viva tanto naquelas mulheres que fazem trabalho de base nas suas comunidades, como naquelas que já exercem cargos em algum dos Três Poderes. Antonieta segue inspirando o nascimento de novas heroínas da pátria.

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