A Polícia Federal obteve indícios de que um empresário alvo da CPI da Covid, Marcos Tolentino, tentou comprar o silêncio e orientar depoimentos de uma testemunha, Fernando Boletti. Ele foi ouvido no inquérito aberto para investigar as suspeitas de irregularidades durante a negociação para a venda da vacina indiana Covaxin ao Ministério da Saúde no ano passado.
O próprio Boletti relatou à PF que Tolentino fez depósitos em sua conta para que ele ficasse em silêncio. Ao todo, foram pagos R$ 30 mil, em repasses semanais, de acordo com os extratos bancários anexados à investigação. Ao depor, porém, Boletti contou o que sabia à polícia e entregou provas sobre o caso.
Tolentino é apontado pela PF como sócio oculto do FIB Bank, instituição financeira que atuou como uma espécie de fiadora da venda do imunizante para o ministério. A partir do relato de Boletti, o Ministério Público Federal denunciou o empresário pelo crime de falso testemunho, com pena prevista de 3 a 4 anos de prisão.
De acordo com a investigação, Boletti era filho de um laranja usado por Tolentino no FIB Bank, isto é, o pai da testemunha constava em documentos como dono do negócio, embora fosse Tolentino quem desse as cartas na instituição financeira.
"Os pagamentos estão provados pela movimentação bancária apresentada por Fernando Boletti de Lima", escreveu o MPF na denúncia.
A testemunha relatou à PF que, após a morte de seu pai, Tolentino passou a lhe pressionar e lhe oferecer dinheiro. A primeira investida, de acordo com o inquérito, ocorreu quando Boletti foi notificado sobre uma ação de improbidade administrativa movida contra seu pai, em 2020. Um funcionário de Tolentino, diante do próprio empresário, disse que "em momento algum Boletti poderia falar ou apresentar os documentos" porque "isso iria ocasionar grandes problemas", escreveu a PF em seu relatório.
Mais adiante, quando a CPI da Covid começou a avançar em direção aos negócios de Tolentino, no ano passado, Boletti conversou com um advogado ligado ao empresário e foi orientado a não dar informações sobre o FIB Bank, caso fosse convocado a prestar esclarecimentos numa das frentes de investigação que miravam a instituição financeira. A partir de então, de acordo com a PF, o empresário ordenou que fossem feitos pagamentos à conta corrente de Boletti.
Além das informações prestadas pela testemunha, a PF teve acesso a mensagens de áudio que Tolentino enviou a Boletti. Numa delas, ele diz que estava “ajustando os depoimentos na Polícia Federal de todos”. Essa comunicação ocorreu no dia 25 de novembro de 2021, quando os principais personagens ligados ao empresário ainda não haviam sido ouvidos. Na sequência, de acordo com a PF, vários deles foram pegos em contradições em suas oitivas.
Para a PF, as fragilidades desses depoimentos, somadas ao relato de Boletti e às mensagens de áudio enviadas pelo empresário revelam que ele agiu para atrapalhar a investigação. “Há provas de que ele tentou comprar o silêncio de uma testemunha[...] e que ele orientou outros investigados a mentir à Polícia Federal”, diz o relatório da PF sobre a atuação de Tolentino.
Diante dos indícios de compra de silêncio de testemunhas, a PF chegou a pedir a prisão preventiva de Tolentino. Também pediu a de outro empresário, Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos, empresa que intermediou a negociação com o Ministério da Saúde para a compra da Covaxin.
O GLOBO revelou na sexta-feira que, além de Tolentino, o MPF denunciou dez pessoas envolvidas nas negociações da Covaxin. Apresentada sob sigilo, a denúncia está paralisada por uma decisão liminar da desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) Maria do Carmo.
O Ministério Público Federal se manifestou a favor da prisão de Tolentino, mas apontou não haver elementos para justificar a de Maximiano. Como a investigação foi suspensa pela liminar da desembargadora, contudo, não houve apreciação da Justiça sobre os pedidos de prisão. Em seu relatório final, a PF classificou Maximiano e Tolentino de "criminosos contumazes" e citou a prática de diversos crimes ocorridos mesmo durante a investigação da CPI da Covid. A PF também solicitou os bloqueios das contas e sequestros de todos os bens dos alvos da investigação, mas o pedido não foi apreciado por causa da paralisação do processo.
Relembre o caso
A Covaxin foi o imunizante mais caro negociado pelo governo brasileiro, com preço unitário de R$ 80,70. O contrato foi assinado em tempo recorde, 97 dias, mas, diante das suspeitas, acabou sendo rescindido pelo ministério. A Polícia Federal abriu um inquérito para investigar o caso 30 de junho do ano passado. Em 28 de outubro, foi deflagrada busca e apreensão contra os suspeitos de envolvimento no caso. O inquérito foi finalizado em 7 de março e enviado ao Ministério Público Federal, que apresentou denúncia dois meses depois.
O FIB Bank entrou na mira dos investigadores por ter concedido uma carta-fiança à Precisa, empresa que intermediou a negociação para a compra da Covaxin. Esse documento é um instrumento por meio do qual um banco se compromete a ser o fiador de uma empresa em determinada negociação, uma da exigência da legislação a empresas interessadas em vender vacina ao governo brasileiro.
No caso em questão, o FIB Bank afiançava o valor de R$ 80,7 milhões, o equivalente a 5% do R$ 1,6 bilhão do total do contrato, mas não tinha autorização do Banco Central para oferecer esse tipo de garantia. A Precisa pagou R$ 350 mil pela carta.
Acusados negam irregularidades
Procurado , Tolentino negou ter cometido irregularidades, afirmou que nunca foi sócio do FIB Bank e disse não ter tomado conhecimento das acusações. “Diante dos documentos colacionados aos autos e dos depoimentos prestados, que demonstram a impossibilidade da minha participação nos atos investigados e diante do segredo de Justiça que envolve a investigação, somente posso informar que inquérito policial está suspenso por força de decisão judicial”, afirmou em nota.
Tolentino ainda afirmou desconhecer o pedido de prisão e disse que é "inexistente qualquer elemento fático ou processual que a justificasse". "Ao longo de todo o processamento do inquérito, pude juntar vasta documentação comprobatória da inexistência de qualquer ilícito ou indício de autoria que me afete", disse em nota.
A defesa de Maximiano também negou a participação dele em qualquer ilegalidade e classificou como "absurdo" o pedido de prisão contra o empresário. "Não houve qualquer irregularidade na negociação das vacinas, que sempre seguiu critérios de interesse público e obedeceu às regras de governança. O pedido de prisão é tão absurdo e sem elementos concretos que o Ministério Público foi contra a medida. É importante destacar que não houve qualquer desembolso por parte do governo e, portanto, nenhum dano ao erário. Por fim, em relação ao processo, há citações a pessoa com foro, de forma que o caso não poderia ter tramitado em primeira instância", afirmaram, em nota, os advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.
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