Roberto Setubal assina a carta ao lado de outros banqueiros como Pedro Moreira Salles e Candido Bracher
WORLD ECONOMIC FORUM/swiss-image.ch/Photo Monika Flueckiger
Roberto Setubal assina a carta ao lado de outros banqueiros como Pedro Moreira Salles e Candido Bracher

A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) divulga nesta terça-feira manifesto de juristas, empresários, artistas, advogados e entidades da sociedade civil em defesa da democracia. Com mais de 3 mil assinaturas, o documento é apresentado pelos organizadores como reação aos reiterados ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao sistema eleitoral e às instituições , embora não mencione diretamente o nome do presidente. O manifesto será lido no Largo de São Francisco, no dia 11 de agosto, em ato em defesa da democracia brasileira.

Banqueiros como Roberto Setubal, Pedro Moreira Salles, João Moreira Salles e Candido Bracher (os dois primeiros copresidentes do Itaú Unibanco; o terceiro, fundador; e o último, ex-presidente do banco), além do presidente do Credit Suisse no Brasil, José Olympio Pereira, estão entre os que assinaram o texto que critica a retórica de Bolsonaro. A informação é do diretor da faculdade, Celso Campilongo.

Também subscrevem o texto empresários como Guilherme Leal, Pedro Passos e Fabio Barbosa (da Natura), Horácio Lafer Piva (ex-presidente da Fiesp) e Walter Schalka (presidente da Suzano).

“Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional”, diz o texto.

Ao abordar o período eleitoral, o texto afirma: “ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”. A carta também defende as urnas eletrônicas, que classifica como "seguras e confiáveis", em contraposição aos ataques de Bolsonaro, sem provas, ao sistema eleitoral.

O documento ainda diz que os signatários vão “deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática”.

Intitulada de Carta aos Brasileiros, o texto é uma reedição do documento homônimo lido, em agosto de 1977, em pleno regime militar, pelo professor de direito Goffredo da Silva Telles Junior no mesmo Largo de São Francisco. À época, a carta denunciava o autoritarismo e a ilegitimidade da ditadura militar e o estado de exceção no qual o país se encontrava.

Entre os signatários da carta de 2022, estão ainda dez ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), entre os quais Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Carlos Ayres Britto e Eros Grau.

Assinam, também, os ex-ministros Pedro Malan (Fazenda), Celso Lafer (Fazenda e também Relações Exteriores), o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e o ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung. Entre os artistas, está Chico Buarque de Holanda..

manifesto foi organizado em várias frentes, de acordo com Campilongo, e teve a colaboração do advogado Floriano Peixoto Marques Neto, professor da USP, de membros da Comissão Arns e de outros juristas. Entre os advogados, assinam Miguel Reale Júnior, Alberto Toron, Lenio Streck, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Belisario dos Santos Junior e Rubens Naves.

"Faremos no dia 11 de agosto uma homenagem aos tribunais superiores, com participação de entidades da sociedade civil e da iniciativa privada. Convidamos a Fiesp, por exemplo, e diversos empresários, além de ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral. A carta também será lida ao público", informa Campilongo.

Manifesto dos empresários

Empresários ouvidos pelo GLOBO em condição de anonimato afirmam que o comando da Fiesp também tem articulado um outro texto, a ser divulgado nos próximos dias, em tom similar. O documento, impulsionado pelo presidente da entidade, Josué Gomes, já teve pelo menos duas versões.

Um dos impasses atuais acerca do texto, segundo uma pessoa familiarizada com o tema, se relaciona a uma menção à defesa da Constituição pela entidade. Além disso, alguns sindicatos empresariais que compõem a federação, como o Sindimaq (de máquinas), afirmam não ter tido acesso ao documento.

Gomes assumiu a Fiesp em janeiro após ser o único candidato a concorrer ao cargo, com o apoio do então presidente da instituição, o bolsonarista Paulo Skaf. O atual líder da Fiesp é filho de José Alencar, ex-vice-presidente nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva.

Leia na íntegra o documento organizado pelos advogados:

Carta aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito

"Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: “ Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas

potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!!!!"

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