Os ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao sistema eleitoral e as acusações infundadas contra as urnas eletrônicas durante uma reunião com embaixadores nesta segunda-feira podem ser enquadrados em uma série de infrações penais, que vão do abuso de poder político ao crime de responsabilidade, de acordo com especialistas ouvidos pelo GLOBO.
As investidas do titular do Palácio do Planalto já geraram implicações práticas no Judiciário. Diferentes partidos políticos acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta terça-feira para pedir punição ao chefe do Executivo.
Para o coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Luiz Fernando Pereira, a jurisprudência (precedente criado a partir de uma decisão judicial) iniciada pelo TSE com a cassação do mandato do deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União Brasil-PR) por propagação de fake news poderia servir também para enquadrar as declarações de Bolsonaro.
"O presidente da República convoca uma reunião oficial no palácio, usa seu poder de presidente para chamar embaixadores e propaga uma mentira de que há fraude nas eleições. Se dermos uma olhada na ação de cassação do Francischini, o que o presidente fez foi muito parecido", explica.
Especialista em direito eleitoral, Luiz Eduardo Peccinin afirma que Bolsonaro pode ter incorrido no crime de improbidade administrativa pelo uso do aparato público do palácio e de uma emissora pública de televisão para finalidades privadas. A reunião com os embaixadores foi realizada no Palácio Alvorada, uma instalação da presidência da República, e transmitida em tempo real pela TV Brasil.
Para o jurista, também há violação da Lei Eleitoral pelo uso de bens, serviços, servidores e meio de comunicação social da União para prática de propaganda pré-eleitoral, o que proibido a agentes públicos. Ele também aponta para a possibilidade do crime de abuso de poder político se reconhecida a gravidade das circunstâncias.
"Há um cardápio de crimes e ilegalidades. O que temos visto pelo presidente Bolsonaro é um conjunto de medidas para atacar a normalidade das eleições e a democracia jamais visto na história democrática do Brasil. Desde a PEC kamikaze, aprovada com confessada intenção de burlar a lei eleitoral, até as múltiplas tentativas de atacar a justiça eleitoral, estimular a violência e ameaçar um golpe caso perca as eleições — disse.
Segundo o advogado, as penas pela Justiça Eleitoral podem ir de multa à cassação do registro ou diploma, além de inelegibilidade por 8 anos. Pela lei de improbidade, multa, ressarcimento do dano ao erário causado e suspensão dos direitos políticos.
No pedido feito ao Supremo nesta terça-feira, partidos políticos de oposição pedem a abertura de inquéritos contra Bolsonaro e apontam para o cometimento de uma gama de infrações, como crime contra as instituições democráticas, previsto na Lei de Segurança Nacional, crime de incitação das Forças Armadas contra o TSE.
As legendas também falam na prática de crime eleitoral, propaganda eleitoral antecipada e abuso do poder político e econômica, além de improbidade administrativa.
Crime de responsabilidade
Na avaliação da advogada constitucionalista Vera Chemim, houve o cometimento de crimes de responsabilidade diante da tentativa de atacar a autonomia do Judiciário e da credibilidade da justiça eleitoral.
"O contexto em que ele se expressou com relação ao funcionamento das urnas eletrônicas e a forma como se dirigiu aos ministros do Supremo Tribunal Federal faz com que ele possa, sim, ser enquadrado em crime de responsabilidade, uma vez que ele está usando a estrutura do poder público para impedir, mesmo que indiretamente, o livre exercício do poder Judiciário", afirmou.
O criminalista Conrado Gontijo, criminalista, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), os ataques aos ministros dos tribunais superiores e ao sistema eleitoral entram para o que classifica de rol de crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro, o que deveria resultar na instauração imediata de processo de impeachment.
"Se por um lado as urnas eletrônicas são eficientes e funcionam com segurança, o processo de admissibilidade de pedidos de impeachment, concentrado nas mãos de Arthur Lira, tem funcionado apenas para blindar Bolsonaro", apontou.
O professor de Direito Constitucional Lênio Streck também aponta para a ocorrência de crimes de responsabilidade contra o sistema eleitoral e os direitos políticos.
"Além de propagar mais uma bateria de fake news, incorreu em novos crimes de responsabilidade contra o sistema eleitoral e os direitos políticos. Dessa vez, passou esse recibo perante a comunidade internacional", pontuou.
O presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB de São Paulo, Ricardo Vita Porto, concorda que a conduta do presidente pode ser enquadrada como crime de responsabilidade, além de abuso de poder.
"Manifestações antidemocráticas e ataques infundados à membros de outros poderes configuram abuso de poder e violação aos deveres inerentes ao cargo que, por atentarem contra a Constituição Federal, podem caracterizar crime de responsabilidade", pontuou.
Crime de responsabilidade é uma das condições necessárias à instauração de um processo de impeachment. No caso de Bolsonaro, porém, isso é praticamente impossível de acontecer. Tal medida depende de uma denúncia do procurador-geral da República, Augusto Aras, acusado por colegas de atuar para blindar o chefe do Executivo em diversas ocasiões.
Na sequência, a denúncia teria que ser avalizada pelo Congresso, onde o presidente tem maioria. Além disso, como se trata de ano eleitoral, na prática, Câmara e Senado terão pouquíssimas sessões até o fim do ano, insuficientes para concluir um processo de afastamento do mandatário da República.
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