Com o aumento da tensão em torno do governo diante da possível abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado para apurar denúncias relacionadas ao Ministério da Educação (MEC), deputados aliados do governo tumultuaram uma audiência da Comissão de Educação na Câmara nesta terça-feira.
A sessão foi organizada para questionar o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Marcelo da Ponte, a respeito de irregularidades em um pregão para compra de carteiras e mesas escolares, conforme revelado pelo GLOBO, além de outras denúncias sobre mau uso de recursos do órgão.
Parlamentares governistas interromperam fala de colegas que questionavam Ponte a respeito da atuação de pastores como lobistas no Ministério da Educação (MEC) para facilitar acesso a repasses feitos pelo FNDE. O bate-boca foi visto como um tentativa do governo de impedir a realização da audiência. Na tarde desta terça-feira, o ministro da Educação, Victor Godoy, também será ouvido na Comissão de Educação.
O deputado Léo Motta (Republicanos-MG) interrompeu o presidente da comissão, Kim Kataguiri (União-SP) enquanto o deputado questionava Ponte sobre uma série de denúncias contra o órgão. Motta argumentou que Kataguiri estava fugindo do tema e "inquirindo" Ponte, causando desconforto no presidente da instituição. A partir daí, o deputado Hélio Lopes (PL-RJ) entrou na discussão e foi acusado por Kataguiri de agir com "deboche".
"Essa comissão está fazendo uma audiência pública séria, com questionamentos sérios, republicanos. Não vejo razão nenhuma para deboche por vossa excelência ou menosprezo com essa comissão", afirmou Kataguiri.
Em seguida, Lopes rebateu alterando o tom de voz:
"Respeito todo parlamentar aqui, não levanto a voz para ninguém. Nunca desrespeitei um cidadão aqui, pode ser quem serve café, para a esquerda dou bom dia, trato com maior respeito. Não aceito vossa excelência falar de mim assim. Que seja a última vez que o senhor fale que estou de deboche", disse, pedindo que Kataguiri voltasse atrás no termo utilizado.
Após a confusão, o deputado Hélio Lopes pediu desculpas ao colega, que solicitou que o termo "deboche" fosse retirado das notas taquigráficas. A discussões, no entanto, não pararam por aí.
O deputado Léo Motta voltou a interromper a fala de outros parlamentares. Durante as perguntas feitas pelo deputado Pedro Uczai (PT-SC), Motta acusou o parlamentar de atacar evangélicos ao usar genericamente o termo "pastores" para se referir a Arilton Moura e Gilmar Santos, presos pela polícia federal após denúncias sobre o MEC. Após a interrupção, houve novo bate-boca entre a tropa de choque do governo e a oposição.
Mais cedo, o presidente do FNDE chegou ao plenário da Comissão de Educação acompanhado do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Ao GLOBO, o parlamentar negou que a participação de Marcelo da Ponte aumente a tensão em torno do governo no que diz respeito aos escândalos no Ministério da Educação. Barros disse ainda que a participação de Ponte é uma oportunidade para que os que tenham dúvidas sobre o tema possam esclarecê-las e criticou a possível abertura de CPI no Senado.
"Eu acredito que (a presença dos ministros) facilita o a todos que tenham dúvidas, que queiram esclarecer na CPI, e podem perguntar agora. Não vejo problema nisso. A a instalação dessa CPI não tem nada a ver com esclarecer ou não esclarecer, é a maior oportunidade de criar um desgaste político para o governo. A oposição não quer saber se alguém fez coisa errada ou não. A CPI da pandemia provou isso.A acusação que fizeram a mim, por exemplo, já foi arquivada. Não tinha nenhum fundamento, mas foi repetida inúmeras vezes tentando criar um desgaste para o governo Então o o objetivo da CPI é eminentemente político", argumentou.
Como O GLOBO mostrou em junho, um edital do FNDE para compra de mobiliário escolar entrou na mira da Controladoria-geral da União (CGU). Relatório da CGU indicou suspeita de sobrepreço da ordem de R$ 1,59 bilhão na compra de carteiras e mesas escolares. Além disso, o órgão verificou que o edital previa a compra do dobro de material necessário. O pregão foi suspenso após o alerta da CGU.
Técnicos da CGU identificaram ainda falhas quanto à pesquisa de preços de mercado. Além disso, o FNDE recebeu apenas oito propostas de empresas interessadas no processo, o número é considerado baixo diante do valor do pregão. Uma das empresas candidatas não tinha funcionários e ela localizada em uma área residencial, o que despertou suspeita. A dona da firma é filha de um empresário dono de outra companhia que também estava no pregão, o que poderia configurar conluio.
Durante sua fala, o presidente do FNDE afirmou que o órgão já havia corrigido três principais pontos no pregão, como o número de itens, o preço e falhas formais. Questionado pelo presidente da Comissão de Educação, o deputado Kim Kataguiri (União-SP) questionou a respeito de outras possíveis irregularidades do pregão, como suposto conluio.
"Esses risco de empresas fakes, conluios, têm que ser afastado, investigado. Tem uma fase de apresentação dessas documentações, apuração. A CGU tem acompanhado de perto e é uma demanda da minha gestão", disse.
Depois, Ponte negou que tenha havido erro na estimativa feita pelo FNDE a respeito do número de carteiras e mesas escolares a serem adquiridas:
"Não houve erro, houve sugestão de recorte diferente por parte da CGU. A gente tinha feito recorte inicial de quatro anos de cadastro no PAR, a CGU sugeriu e acatamos recorte de dois anos", justificou.
Este não é o primeiro pregão do FNDE sob suspeita. Em abril o jornal "Estado de S. Paulo" mostrou que licitação do órgão para compra de ônibus escolares previa pagar R$ 732 milhões a mais na compra dos veículos. Diante do caso, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a suspensão da efetivação da compra. Em maio o tribunal permitiu a retomada da compra alegando que o FNDE havia atendido às recomendações dos órgãos de controle. Após o caso vir a público, os valores foram corrigidos. Na época, o FNDE afirmou que os preços tinham sido corrigidos antes da reportagem. No mesmo mês, a "Folha de S. Paulo" revelou que o FNDE destinou kits de robótica a escolas sem água, computador e internet. Os produtos foram adquiridos com preços inflados.
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