Policiais ligados ao PT estão preocupados com recentes declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com alegadas dificuldades para incluir demandas da classe no programa de governo do partido. O temor é que a falta de diálogo com os agentes empurre as corporações ainda mais para o colo do bolsonarismo.
Durante a estadia de Lula em Porto Alegre, no fim de maio, um grupo inusitado se misturou à militância tradicional da esquerda, composta de professores, artistas e cooperativistas, para conversar com o presidenciável no hotel em que ele ficou hospedado por dois dias, no centro da capital.
Em contraste com as horas concedidas aos profissionais da educação e da cultura (inclusive com transmissão ao vivo), o petista recebeu representantes de sindicatos policiais e do setorial de segurança pública da legenda por cerca de 15 minutos. Ouviu deles um apelo: cuidado especial na comunicação para os policiais.
Declarações polêmicas
O pedido foi motivado por uma insatisfação da classe com comentários recentes de Lula. Num evento com mulheres em São Paulo, em 30 de abril, o petista afirmou que “Bolsonaro não gosta de gente, gosta é de policial” — afirmação pela qual ele depois se desculpou.
Já em Porto Alegre, em 1º de junho, um dia antes do encontro com os policiais, ele comentava o assassinato de Genivaldo de Jesus Santos por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) quando mencionou que a polícia, “quando chega, chega para atirar”.
O presidente Jair Bolsonaro (PL), por outro lado, encontra amplo apoio na categoria, que recebeu diversos acenos desde o início do atual governo. A proximidade do mandatário com as forças de segurança é tanta que durante o Sete de Setembro no ano passado, governadores temeram que membros Polícia Militar pudessem aderir, incentivados pelo presidente, aos atos que tinham bandeiras antidemocráticas.
O vereador do PT de Porto Alegre Leonel Radde, ex-policial civil, um dos presentes no encontro com Lula, diz temer que as corporações vivam episódios de insubordinação em um eventual novo governo petista. Esse cenário seria possível, no seu entendimento, se os agentes entenderem que Lula considera os profissionais de segurança como “subcidadãos”. Para ele, o caldo de radicalização derramado pelo presidente Jair Bolsonaro sobre as categorias policiais exacerba esse quadro.
Radde também se diz insatisfeito pelo modo como, segundo ele, o núcleo da Fundação Perseu Abramo (instituição vinculada ao PT), responsável por debater políticas de segurança pública, tem monopolizado as discussões e apartado o setorial do assunto. Sua preocupação é que o futuro plano de governo de Lula não converse com as pautas de base dos policiais e leve a políticas públicas impostas de cima para baixo.
"Quando eu levava propostas mais corporativas, me chamavam de “bolsonarista de esquerda”, falavam que eram a “cloroquina da segurança pública”, como se todo policial fosse de extrema-direita", diz Radde.
Reativado em 2021 após anos inoperante e composto por 17 coordenadores estaduais, sendo 15 delas ocupadas por policiais, o setorial é a principal ponte de acesso do PT com a categoria — a legenda tem outros 16 setoriais acerca de temas como economia, direitos humanos e moradia. O coordenador nacional, Abdael Ambruster, agente de segurança penitenciária, estima que cerca de 60% dos seis mil membros do setorial nacional trabalhem nas polícias.
Os policiais petistas dizem querer maior atenção às demandas corporativas, como políticas para reduzir a taxa de suicídio de agentes, a aprovação de uma lei orgânica para disciplinar as atividades dos policiais brasileiros, a carreira única e o ciclo completo para as Polícias.
O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), um dos responsáveis pelo núcleo da fundação voltado ao tema, rechaça a falta de diálogo e afirma haver policiais no grupo da Perseu Abramo. O programa de governo deve trabalhar macropolíticas, como melhorias nas carreiras e investimentos em formação, segundo ele:
"Estamos evitando trazer as temáticas de natureza corporativa para o plano. Na versão inicial das diretrizes para o programa de governo de Lula, tornada pública na última segunda-feira, o tema da segurança pública se concentrou em apenas um dos 90 parágrafos do documento. O partido defende um “conjunto consistente de políticas integradas para a redução da violência e da criminalidade, enfrentamento eficaz ao tráfico de drogas e armas, ao crime organizado e às milícias”.
Há também enfoque à principal parcela da população afetada pela violência policial: “especial atenção ao direito das mulheres e da juventude negra a uma vida livre de violência”.
Encontro com lideranças
O ex-policial militar Leandro Prior, coordenador do setorial em São Paulo, diz sentir uma “grande falta de comunicação” com a coordenação da pré-campanha petista com as demandas policiais. Ele cobra que declarações “mal colocadas” como as de Lula não se repitam, por entender que bolsonaristas estão prontos para repercuti-las.
"Foi justamente pela esquerda não tratar os policiais como servidores públicos e ouvi-los, como faz com outras categorias de trabalhadores, que permitiu que o discurso bolsonarista abraçasse as corporações", diz ele.
O setorial levou à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, um pedido para que Lula marque um encontro aberto com policiais, nos moldes da reunião feita com lideranças evangélicas em novembro. O ato, planejado para ser realizado em São Paulo, serviria como demonstração de valorização em relação a suas pautas.
Para policiais avessos às pautas de esquerda, o discurso de Lula implodiu pontes. Raquel Gallinati, presidente licenciada do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo e pré-candidata a deputada estadual pelo PL, classifica as declarações do ex-presidente como “inadmissíveis”:
"Se o principal expoente de uma determinada ideologia faz declarações desse tipo, é claro que os policiais vão ficar refratários a essa ideologia como um todo".
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