Antônio Cristovão Neto, filho de Queiroga, ao lado do presidente Jair Bolsonaro
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Antônio Cristovão Neto, filho de Queiroga, ao lado do presidente Jair Bolsonaro

Após desistir de disputar uma cadeira no Congresso, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tem ajudado a impulsionar a pré-candidatura a deputado federal do seu filho Antônio Cristovão Neto, conhecido como Queiroguinha, em eventos da pasta em que anuncia a liberação de recursos para municípios da Paraíba, seu estado natal.

O jovem estudante de medicina de 23 anos, filiado ao PL, mesmo partido do presidente Jair Bolsonaro, esteve ao lado do pai em ao menos cinco cerimônias nos últimos três meses e sentou-se à mesa reservada a autoridades. Em uma sexta ocasião, em que o ministro não pôde comparecer, Queiroguinha foi anunciado até como representante do ministério e discursou ao público presente.

No último dia 25 de abril, cerca de dez prefeitos da Paraíba se reuniram em São Bento, a 387 quilômetros de João Pessoa, para encontrar o ministro e assinar um convênio com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão vinculado à pasta, que previa o repasse de R$ 5 milhões aos seus municípios.

Os governantes, no entanto, foram avisados de última hora que Queiroguinha representaria o pai na cerimônia. A substituição foi registrada nas redes sociais do anfitrião do encontro, o prefeito Jarques Lúcio (Cidadania). “Cristovão Queiroga representando o ministro da Saúde Marcelo Queiroga”, escreveu ele em uma postagem com foto do evento.

"Recebemos aqui toda a equipe ambiental da Funasa a nível nacional e recebemos também a visita de Queiroguinha, que veio representando o pai dele e o Ministério da Saúde. Queiroguinha fez uma fala representativa em relação ao ministro Marcelo Queiroga, que vinha. Ele (o filho) acabou vindo na comitiva da Funasa, mas não fez discurso político. Foi um discurso institucional, em nome do pai", conta Lúcio ao GLOBO.

O prefeito disse já ter sido professor de Queiroguinha, a quem chama de amigo, além de ter trabalhado com o pai, Marcelo Queiroga, em um hospital do estado.

Queiroguinha diz que foi convidado pelo prefeito e nega ter representado o Ministério da Saúde na ocasião.

"Ele me convidou para fazer uma visita à cidade, falou do evento e eu acompanhei. Eu não fui representando o meu pai. Eu fui convidado pelo prefeito", afirma.

Queiroguinha ainda diz não ver problemas em buscar apoio eleitoral durante cerimônias em que o pai anuncia a liberação de recursos federais.

"Estou buscando apoios, o que é natural, porque todo candidato tem direito de fazer isso. Na minha filosofia de trabalho, coisa errada não existe. Eu faço o que é certo."

O ministro da Saúde afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “respeita integralmente a lei eleitoral”. Questionado sobre o fato de o filho ter representado o ministério em um dos eventos, ele não respondeu.

Cotão da Saúde

Quatro dias depois da solenidade em São Bento, em 29 de abril, Queiroguinha foi levado pelo pai a mais um evento do Ministério da Saúde em Campina Grande — e que contou com a participação de cerca de 90 prefeitos. O filho do ministro novamente sentou-se à mesa de autoridades, enquanto Marcelo Queiroga discursava sobre os investimentos da pasta na região.

Durante o ano de 2021, Campina Grande foi a segunda cidade do país mais beneficiada com repasses de emendas de relator por meio do Fundo Nacional de Saúde (FNS), com R$ 64 milhões. O município está atrás apenas de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, que recebeu R$ 111 milhões e é reduto eleitoral de um cacique do PL. Os recursos, oriundos de indicação parlamentar, só são liberados após a publicação de portarias assinadas pelo ministro Marcelo Queiroga autorizando os pagamentos.

Como revelou O GLOBO, o FNS tem sido utilizado pelo governo de Jair Bolsonaro para atender a caciques do Centrão, ignorando critérios técnicos. Fonte de recursos para bancar compra de ambulâncias, atendimentos médicos e construção de hospitais, o fundo distribuiu no ano passado R$ 7,4 bilhões via emenda de relator, a base do orçamento secreto. Dessa forma, dinheiro do SUS que deveria ser distribuído levando em conta as necessidades da rede de saúde de cada cidade foi usado para contemplar interesses políticos.

Os municípios visitados pelo clã Queiroga foram contemplados com mais de R$ 141,9 milhões de recursos públicos para o sistema de saúde de municípios paraibanos. Além da Funasa, o dinheiro foi repassado por meio do Fundo Nacional da Saúde (FNS).

O evento mais recente ocorreu na terça-feira passada, quando Queiroga esteve no Hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa, para participar de cerimônia em que recebeu uma medalha. Mais uma vez sentado no espaço reservado às autoridades, o filho do ministro posou para fotos com políticos locais e postou nas redes sociais. O hospital pertence a uma fundação privada e recebeu, ao longo de 2021, R$ 28,2 milhões em recursos federais.

A peregrinação do filho do ministro tem surtido efeito. O prefeito de Vista Serrana, Sergio de Levi (MDB), que participou de um evento ao lado de Queiroguinha, disse ter garantido seu apoio ao pré-candidato a deputado federal. A cidade de Levi recebeu R$ 332 mil do orçamento secreto via FNS em 2021.

"Ele me procurou, e eu declarei apoio a ele. Vamos apoiar o Queiroguinha. O meu grupo aqui vota onde eu pedir. A gente faz política assim, fazendo por todo mundo para, na hora que precisar, a gente estar junto", afirmou o prefeito ao GLOBO.

Livre acesso

Outra prefeita a recepcionar Queiroguinha foi Anna Lorena Nóbrega (PL), de Monteiro. Em 2021, o município recebeu R$ 1,9 milhão do FNS via emenda de relator, valor que ela atribui pelo acesso livre que tem com o ministro:

"Chego em Brasília, mando uma mensagem, e ele me atende imediatamente. A gente conversa, ele coloca a área técnica para nos orientar. Isso é muito bacana."

A maior parte dos municípios da Paraíba, no entanto, não teve a mesma sorte que as prefeituras aliadas de Queiroga. Dentre eles, está a cidade de Matinhas, que recebeu R$ 50 mil do FNS via emenda de relator. O prefeito Benedito Braz da Silva (Cidadania) disse que o dinheiro empenhado no ano passado foi insuficiente para comprar medicamento para os postos de saúde.

"Sempre falta remédio, e a gente não contrata médico porque a verba que vem não é suficiente para pagar. Tudo o que vem aqui é pouco."

Especialistas alertam que, se for comprovado o uso da máquina pública para alavancar a pré-campanha do filho do ministro da Saúde, pode ser caracterizada a prática de abuso de poder político.

"A relação de parentesco, a ausência de nexo entre a pessoa beneficiada e o ministério deixam uma visão um pouco mais clara de que há uma intenção de beneficiar o filho, sobretudo quando ele é apresentado do lado do pai na circunscrição na qual ele será votado. A figura mais presente para esse tipo de conduta seria o abuso do poder político, no qual a estrutura do poder público está sendo utilizada para favorecer um terceiro — analisa o advogado eleitoral Antônio Ribeiro Júnior, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político."

Professor de Direito Administrativo na Universidade de São Paulo (USP), Vitor Rhein Schirato classifica a ação do ministro como “completamente ilegal”.

"O ministro não pode ser substituído por um filho sem cargo. Se ele tiver que ser substituído por alguém, tem que ser alguém da hierarquia da pasta. Segundo: isso pode configurar campanha política antecipada, além de improbidade administrativa porque está utilizando recursos públicos em benefício próprio."

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