Em meio à crise no PSDB em torno da pré-candidatura de João Doria à Presidência, as alas antagônicas no partido usarão a reunião da Executiva Nacional nesta terça-feira para medir forças. O encontro foi marcado para discutir a carta na qual o ex-governador de São Paulo cobra respeito às prévias e ameaça recorrer à Justiça caso não seja o candidato a presidente. A reunião da cúpula tucana também deve deliberar se aceita ou não os parâmetros de pesquisas quantitativa e qualitativa para decidir, até quinta-feira, uma candidatura única em aliança com MDB e Cidadania, o que é desfavorável a Doria, vencedor das primárias.
Desde que tornaram-se rivais, em 2019, pela primeira vez os grupos do deputado Aécio Neves (MG) e de Doria têm convergência interna: ambos querem que o PSDB tenha protagonismo na chapa e “não fique na aba” do MDB da senadora Simone Tebet, que também está na disputa pela candidatura presidencial. Embora o pretexto da reunião seja discutir os argumentos jurídicos de Doria, o clima nos bastidores indica que o paulista deve ser o alvo do presidente do PSDB, Bruno Araújo, e de seus aliados.
Nas últimas semanas, Araújo entrou em rota de colisão com o ex-governador por afirmar que o pacto dos partidos de centro estava acima das prévias, o que abriria uma brecha para anular a pré-candidatura de Doria. Desde então, as sinalizações da direção nacional da legenda caminham para um pacto de centro, com Tebet despontando como favorita.
“Jogo de faz de conta”
Araújo deve argumentar na reunião que a não aceitação da pesquisa significará a “morte da candidatura de terceira via”. Os dados do estudo foram coletados no último fim de semana e processados ontem.
Por considerar o grupo de Doria minoritário na Executiva, Araújo se preocupa mais com as movimentações internas de Aécio do que com as do ex-governador. Como ex-presidente do PSDB, o mineiro faz parte da Executiva e tem feito questão de participar de todas as reuniões da cúpula. Não deve ser diferente hoje. Ao GLOBO, Aécio declarou que vai defender hoje a candidatura própria, atacando o critério das pesquisas.
"É um jogo de faz conta. Um assunto como esse só pode ser escolhido por convenção, não é a Executiva que tem que deliberar. E se a gente decidir apoiar a Tebet e ela não for aprovada na convenção do MDB? Como é que fica?", criticou Aécio. "Não estamos sendo honestos com nós mesmos. Lamento que o PSDB tenha desistido de liderar uma candidatura de terceira via real, que seria a do (ex-governador do RS) Eduardo Leite, para construir uma não candidatura (do Doria). A ideia (da direção do PSDB) nunca foi fortalecê-lo, mas apenas tirá-lo do governo de São Paulo. Isso ficou claro agora".
Integrantes do PSDB já fazem leituras sobre as articulações e últimas declarações de Aécio. Tucanos experientes avaliam que ele pode querer ressuscitar a candidatura de Leite ou até mesmo atuar para que a sigla não tenha mais candidato e invista a maior parte dos seus esforços em ampliar a bancada no Congresso. Para aliados de Araújo, o mineiro não busca aproximação com Doria. Pelo contrário, eles consideram que o deputado passou a defender a candidatura própria do PSDB porque acha mais fácil se livrar depois de Doria do que de Tebet, caso ela seja indicada como a candidata da terceira via.
Bruno Araújo, por sua vez, tem evitado polarizar com deputado mineiro e tem feito circular nos bastidores que os ruídos se restringem a um embate interno sobre quem assumirá o comando da sigla no ano que vem — Aécio ou o atual governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (SP), que concorrerá à reeleição e cujos aliados já começaram a fazer sinalizações para minar a candidatura de Doria. Garcia tem procurado se descolar do antecessor, já que, segundo o Datafolha, 66% dos eleitores não votariam num candidato apoiado pelo paulista.
Em coletiva ontem, Araújo respondeu às acusações de Aécio de que ele estaria atuando como “advogado de Garcia”:
"Obviamente, não é nenhum demérito ser advogado de um dos políticos mais preparados do Brasil, com formação pública, respeitado, governador".
“Equívocos sucessivos”
Aécio, por sua vez, criticou ontem a forma como Araújo conduziu a construção da terceira via:
"Nós chegamos até aqui por equívocos sucessivos. A direção do partido abdicou da sua responsabilidade de liderar a terceira via para atender ao interesse da candidatura de São Paulo, que considero até legítima".
Aécio Neves também citou o “silêncio” de Garcia sobre o PSDB ter ou não candidatura própria:
"Eu estou aguardando, não estou vendo ele na campanha do Doria".
O histórico de Doria nas decisões tomadas pela Executiva do PSDB não é favorável. Ele saiu derrotado quando tentou expulsar Aécio do partido, em 2019, e na definição das regras das prévias, no ano passado. Nas duas deliberações, perdeu por ampla maioria.
Integrante da Executiva, Pimenta da Veiga, que já presidiu o PSDB e foi ministro no governo Fernando Henrique, afirmou que o partido hoje está “muito distante” do que foi quando ajudou a fundar a sigla, em 1988, e que todos os lados estão cometendo “muitos erros”:
"Naquela época, o desprendimento era tão grande que ninguém queria ser presidente do partido. Tanto que tivemos cinco presidentes se revezando no começo, eu era um deles".
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