Declaração de Monark pode ser considerada crime, dizem especialistas

Saiba de quais formas o agora ex-apresentador do podcast Flow pode ser responsabilizado

Foto: Reproducao: Youtube
Monark, do Flow Podcast

Alvo de diversas manifestações de repúdio após defender a criação de partidos nazistas no Brasil, o podcaster Monark pode ser enquadrado criminalmente. Quatro advogados criminalistas ouvidos pelo iG disseram que o artigo 20 da Lei do Crime Racial (7.716/89) pode ser aplicado no caso.

O trecho em questão indica como atos criminosos "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional", com pena de um a três anos de reclusão e multa.

"Não há dúvida de que a conduta é criminosa", frisa Ivan Sid Filler Calmanovici, secretário-geral da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo (OAB-SP) e membro da comunidade judaica. Ele cita os parágrafos primeiro e segundo do artigo, que dizem, respectivamente, que é proibido "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação", com pena de dois a cinco anos e multa, e que, "se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza", a pena prevista também é de dois a cinco anos e multa.

A declaração de Monark foi feita em conversa com os deputados Tábata Amaral (PSB-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP), com transmissão ao vivo no Youtube. O Flow Podcast é um dos programas com maior audiência tanto na plataforma de vídeo como em streamings de áudio, a exemplo do Spotify.

Assim como já fez em outras situações, Monark usou a liberdade de expressão para defender seu argumento. "A esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical, na minha opinião. As duas tinham que ter espaço, na minha opinião [...] Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei", disse o podcaster durante o episódio transmitido na segunda-feira (7).

A declaração foi imediatamente rebatida por Tabara, que frisou que essa liberdade termina onde a expressão de um indivíduo coloca em risco a vida de outro, como o nazismo fez com a população judaica.

Neste sentido, o posicionamento da parlamentar é semelhante ao dos especialistas entrevistados pelo portal. "Apesar de toda a importância do direito da liberdade de expressão, esse não é absoluto, não podendo ser usado para disseminar o discurso de ódio e ferir direitos tão importantes quanto esse, como a dignidade da pessoa humana", ressalta Raíssa Isac, criminalista sócia do escritório Bernardo Fenelon Advocacia.

Em meio a isso, a visibilidade que Monark possui pode ser vista como um agravante à questão, pois, como afirma o procurador Regional da República e professor de Processo Penal da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Vladimir Aras, uma fala tem poder de mobilização que pode levar a prática de atos violentos contra uma pessoa, uma comunidade ou grupos vulneráveis.

Outras formas de responsabilização

Embora concorde que Monark pode ser enquadrado no artigo 20 da Lei de Crimes Raciais, Aras acredita que esse seria um caminho complicado porque não vê como relacionar as declarações ao parágrafo primeiro, que aborda a fabricação, comercialização, distribuição ou venda de símbolos, e estima que restaria relacionar as falas à "cabeça do artigo 20", que proíbe a prática ou incitação de preconceito.

"Isso seria um debate jurídico bastante interessante porque a defesa da criação de um partido político nazista sob o pretexto de liberdade de expressão é, na verdade, uma fraude ideológica porque não pode haver liberdade de expressão para difusão de ideias que pretende eliminar pessoas. A ideologia nazista preconiza não só a exclusão de pessoas, é a destruição da pessoa com a implementação da ideologia nazista que foi introduzia exatamente por um partido com esse nome 100 anos atrás", analisa o procurador.

Aras lembra que o artigo 17 da Constituição do Brasil também não permite que siglas sustentem ideias que violem os direitos humanos.

Desse modo, o especialista aponta como mais prováveis uma reparação civil por ofensa à comunidade judaica e outras que foram vítimas do racismo e uma reparação social, que já está acontecendo. Aras se refere às manifestações de repúdio e o encerramento de contratos com patrocinadores , medidas que culminaram na demissão de Monark dos Estúdios Flow .

Ao longo desta terça-feira (8), entidades judaicas emitiram notas contra a postura do podcaster. Membro da comunidade, Calmonovici acredita que a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Federação Israelita podem entrar com pedido de instauração de inquérito policial na Delegacia de Crimes Raciais de São Paulo para que a conduta do podcaster seja apurada.

Apologia ao nazismo x Incitação ao antissemitismo

Por mais que apologia ao nazismo e incitação ao antissemitismo sejam ambos crimes previstos na Lei 7.716/89, o advogado criminalista João Paulo Boaventura, sócio do Boaventura Turbay Advogados, destaca que há diferenças entre as duas infrações.

"Enquanto fazer apologia significa enaltecer algo, incitar denota a conduta de incentivar, encorajar ou animar alguém a fazer alguma coisa. O podcaster Monark, em sua manifestação, acabou por incentivar, encorajar e animar um discurso antissemita já existente, o que basta para considerar criminosa a sua conduta", explica o criminalista.

Na avaliação dele, cabe ao Ministério Público solicitar judicialmente a imediata interdição da página ou ao menos a suspensão do episódio, ação já adotada pelos Estúdios Flow, e conduzir as medidas para apurar a responsabilidade penal de Monark. Já nesta noite, a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que vai investigar as declarações do podcaster e também do deputado Kim Kataguiri, que disse ter sido um erro a Alemanha ter criminalizado o partido nazista, grande responsável pelo Holocausto.

** Ailma Teixeira é repórter nas editorias Último Segundo e Saúde, com foco na cobertura de política e cidades. Trabalha de Salvador, na Bahia, cidade onde nasceu e se formou em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), em 2016. Em outras redações, já foi repórter de cultura e entretenimento. Atualmente, também participa do “Podmiga”, podcast sobre reality show, e pesquisa sobre podcasts jornalísticos no PósCom/Ufba.