Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin
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Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin

A viagem que  Jair Bolsonaro fará à Rússia e à Hungria em fevereiro vai além da tentativa de tirar o presidente brasileiro do isolamento internacional. Preocupado com a eleição deste ano, Bolsonaro tentará reforçar sua imagem de líder conservador junto a seus apoiadores de direita e extrema direita.

Os líderes dos dois países a serem visitados são partidários da chamada “agenda de valores” defendida pelo governo brasileiro em fóruns internacionais e na ONU.

O bolsonarismo sempre esteve ligado ao ativismo internacional conservador. No ano passado, por exemplo, o presidente recebeu ativistas antivacina alemães e o Brasil sediou uma reunião do Comitê de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês) americano.

No evento, foram atacados o feminismo, o aborto e a chamada “ideologia de gênero”, que, na visão do grupo, estimularia as pessoas a se identificarem em dissonância com seu sexo de nascimento.

Internamente, porém, a condução da política externa é alvo de críticos da militância conservadora desde a saída do ex-ministro Ernesto Araújo do Itamaraty. No grupo considerado mais radical, a crítica é que o atual chanceler Carlos França tenta afastar o Brasil de nações cujos dirigentes têm pautas semelhantes.

Para aliados de Ernesto, a viagem de Bolsonaro à Rússia e à Hungria poderá ajudar a conter a insatisfação se for bem executada. Eles lembram que essas visitas foram agendadas na gestão do ex-chanceler, mas tiveram de ser canceladas devido à pandemia.

Numa live, Ernesto disse que a aproximação do presidente com o Centrão impediu o governo de fazer uma “política externa transformadora”. Na fala, o ex-chanceler criticou o ministro das Comunicações, Fábio Faria, dizendo que ele “entregou o 5G para a China” e que é preciso saber se os eleitores de Bolsonaro “topam isso”.

Faria, um dos nomes fortes do governo e do comitê de reeleição do presidente, entrou com um processo contra o ex-chanceler acusando-o de calúnia, injúria e difamação. Nas redes sociais, Ernesto reagiu dizendo que o ministro tem “a sanha de perseguir conservadores”.

Papel de Damares

A agenda de costumes está hoje sob o comando da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Ainda não está confirmado se ela fará parte da comitiva que acompanhará o presidente, mas é dada como certa sua participação, em março, na próxima sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra.

Em 2019, Damares esteve na Cúpula Demográfica de Budapeste, evento no qual o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, costuma promover suas medidas de incentivo à natalidade e apregoar os supostos riscos que a imigração representaria para a identidade cristã do país.

"A esquerda ocidental está tentando relativizar a noção de família, e seus instrumentos são a ideologia de gênero e o lobby LGBT+, que está atacando nossas crianças", disse ele na cúpula do ano passado.

Orbán, que chegou ao poder em 2010, adotou no ano seguinte uma Constituição que define o casamento como “a união entre um homem e uma mulher”, e em 2020 proibiu a adoção de crianças por casais gays.

A Polônia, onde o partido governista Lei e Justiça (PiS) tem pauta semelhante, também poderá entrar no roteiro da viagem, segundo deixou escapar o próprio presidente brasileiro na semana passada. Mas a Rússia é a grande aposta para consolidar esse projeto.

Em novembro de 2021, o governo de Vladimir Putin aderiu ao Consenso de Genebra, atitude celebrada pelo governo brasileiro. O grupo é formado por 36 países que se posicionam em fóruns internacionais contra resoluções e programas relacionados à saúde reprodutiva e aos direitos sexuais, alegando que eles abririam caminho para a descriminalização ou a legalização do aborto.

Foi criado em outubro de 2020 por iniciativa do então presidente americano Donald Trump, mas o atual ocupante da Casa Branca, Joe Biden, retirou os EUA.

Putin promoveu uma reforma constitucional em 2020 que proibiu o casamento homossexual. Em outubro do ano passado, em discurso no Clube de Discussão Valdai, um centro de estudos próximo ao governo russo, ele defendeu o que chamou de “conservadorismo saudável”.

Disse que é “verdadeiramente monstruoso” quando “as crianças são ensinadas desde cedo que um menino pode facilmente se tornar uma menina e vice-versa”.

"Ou seja, os professores realmente impõem a eles uma escolha que todos nós supostamente temos. Fazem isso enquanto deixam os pais fora do processo, forçando a criança a tomar decisões que podem afetar toda a sua vida", disse.

Segundo Raissa Belintani, da organização Conectas Direitos Humanos, que é credenciada na ONU, desde o fim do mandato de Trump, o Brasil passou a liderar a aliança antiaborto no Consenso de Genebra e em outras iniciativas. O governo brasileiro já apoiou, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, iniciativas da Rússia em resoluções sobre direitos das mulheres.

"Essa aproximação também pode influenciar as políticas nacionais, sobretudo na seara legislativa, em que propostas regressivas têm surgido em maior número, com apoio da base governista", disse ela.


‘Aquecer o eleitorado’

Para Débora Diniz. professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Bolsonaro ficou acuado com o trânsito internacional demonstrado pelo ex-presidente Lula, seu principal adversário na eleição deste ano, e recorre aos aliados que pode ter.

"Existe um ativismo fanático internacional com uma agenda conservadora que tem como foco questões de gênero e aborto. Bolsonaro usa isso para aquecer seu eleitorado, que está em baixa e ainda é afetado pela polêmica em torno da vacinação infantil contra a Covid. O uso de temas relacionados a sexualidade e gênero é uma das táticas do bolsonarismo nos três anos de governo."

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