O ex-advogado-geral da União André Mendonça, que teve sua indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovada pelo Senado na quarta-feira , vai ser o relator de 992 processos que estavam no gabinete de Marco Aurélio Mello, ministro que se aposentou em julho.
Entre outros casos, Mendonça vai ser o responsável por dois inquéritos que têm o presidente da Câmara, Arthur Lira , como alvo. Ele também vai ser o relator de algumas ações que questionam atos do governo do presidente Jair Bolsonaro , que o indicou para o STF, como o combate a queimadas, a reforma agrária e o licenciamento de agrotóxicos.
O relator é o ministro responsável por tocar um processo no tribunal. Muitas decisões são tomadas em conjunto, em julgamentos no plenário e nas turmas da Corte, mas o relator pode também decidir individualmente muitos casos. Além disso, é ele quem dita o ritmo do processo, podendo dar mais celeridade ao seu andamento ou, ao contrário, retardando-o.
Marco Aurélio era o relator de dois inquéritos que andam em conjunto e foram abertos quando Arthur Lira ainda não presidia a Câmara. Em outubro de 2019, a Primeira Turma do STF aceitou a denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo crime de corrupção passiva, e rejeitou a parte que o acusava de lavagem de dinheiro.
De acordo com a denúncia, um assessor parlamentar, pego com R$ 106 mil no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, disse que o dinheiro era de Lira. Para a PGR, o valor seria para comprar o apoio político do deputado, que era líder do PP, a favor da manutenção do presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) no cargo.
A defesa de Lira recorreu contra a decisão para enterrar a denúncia. A maioria da Primeira Turma, inclusive Marco Aurélio, votou para negar o pedido. Nesse caso, quando a análise for retomada, André Mendonça não vai poder votar. No entanto, quando o inquérito finalmente virar uma ação penal, momento em que Lira passa à condição de réu, caberá ao novo ministro do STF tocar o processo.
Há ainda uma série de ações no STF que questionam as medidas adotadas pelo governo federal para conter queimadas no Pantanal e na Amazônia e pedem a adoção de providências. Apresentadas por PT e Rede Sustentabilidade, elas estavam com Marco Aurélio e agora ficarão com Mendonça.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) também reclamou da demora do Congresso em aprovar uma lei para regulamentar a preservação e utilização dos recursos do Pantanal, pedindo que, enquanto isso não ocorre, seja aplicada a lei da Mata Atlântica.
Também relacionado a meio ambiente, o novo ministro vai herdar um pedido do Partido Verde para suspender o registro de alguns agrotóxicos. Há ainda uma ação de PSOL e PT questionando um acordo judicial firmado com a Vale em razão do rompimento da barragem de Brumadinho (MG), ocorrida em janeiro de 2019, matando centenas de pessoas e provocando danos ambientais.
No STF, tramitam algumas ações que questionam o bloqueio de internautas a perfis de Bolsonaro nas redes sociais. Uma delas estava com Marco Aurélio. Ele já votou no plenário virtual — em que os ministros não se reúnem, mas colocam seu voto no sistema eletrônico da Corte — para proibir o presidente da República de impedir o acesso. Mas um pedido de destaque do ministro Nunes Marques transferiu o caso para o julgamento presencial.
Em geral, quando o antecessor já votou, o novo ministro que passou a ocupar aquela vaga não vota mais, mas como houve a mudança de plenário virtual para plenário físico, André Mendonça terá a oportunidade de se manifestar nesse caso.
Algo parecido ocorreu na ação em que o PSOL questiona leis dos municípios pernambucanos de Petrolina e Garanhuns que proíbem a chamada "ideologia de gênero" — termo em geral usado por pessoas contrárias ao ensino de questões relacionadas à diversidade sexual — nas escolas. Marco Aurélio, que era o relator, votou no plenário virtual, mas um destaque de Nunes Marques o retirou desse ambiente.
Marco Aurélio foi relator de uma ação do PSB contra algumas punições previstas a condenados por improbidade. Em outubro deste ano, quando ele já estava aposentado, o ministro Gilmar Mendes usou uma regra do regimento interno para dar uma decisão suspendendo dois pontos da norma e restringido a aplicação da pena de suspensão dos direitos políticos, que agora poderá ser adotada apenas nos casos mais graves. Quando André Mendonça tomar posse, o processo ficará com ele.
André Mendonça também será o relator de uma ação do PSOL reclamando da omissão do Congresso em regulamentar o imposto sobre grandes fortunas.Também na área tributária, ele herdará ações que questionam regras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), uma espécie de tribunal administrativo, ao qual os contribuintes recorrem contra multas aplicadas pela Receita. Também vai cuidar de uma ação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) que tenta ampliar a receita dos royalties do petróleo.
Mendonça ainda vai ficar responsável por uma ação da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) contra uma emenda constitucional de 2004 que proíbe qualquer atividade político-partidária a integrantes do Ministério Público. Até então era possível se licenciar do cargo, sem deixar em definitivo a instituição, para concorrer a um cargo eletivo.
Em junho, pouco antes de se aposentar, Marco Aurélio deu uma decisão individual negando o prosseguimento de uma ação apresentara por uma série de partidos de esquerda e entidades da sociedade civil para que o Incra retomasse alguns processos de reforma agrária.
O ministro entendeu que o STF não deveria substituir o Executivo para implementar "política neste ou naquele sentido". Houve recurso, que ainda não foi analisado e agora ficará no gabinete de Mendonça.
Marco Aurélio foi ainda o relator das ações que levaram o STF a estabelecer que a sentença deve ser executada após o trânsito em julgado, quando não é mais possível recorrer da decisão, revertendo decisão anterior que permitia a prisão após condenação em segunda instância.
O partido Patriota apresentou um recurso que ainda não foi analisado. Esse caso também ficará sob a batuta de Mendonça, mas, a depender do que ele disse na sabatina pela qual passou no Senado, a decisão não será mudada. Ele destacou a importância de não alterar toda a hora o teor das decisões da Corte.
"Importa dizer que sou adepto do princípio da segurança jurídica. Assim, entendo que a questão [prisão após condenação em segunda instância] está submetida ao Congresso Nacional, cabendo a este deliberar sobre o tema, devendo o Supremo Tribunal Federal revisitar o assunto apenas após eventual pronunciamento modificativo por parte do Poder Legislativo sobre a matéria e caso o Judiciário seja provocado a fazê-lo", disse Mendonça.