Dois anos depois de deixar o PSL, partido pelo qual foi eleito, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se filiará nesta terça-feira ao PL em evento "discreto" na sede do partido, a pedido de Bolsonaro. A assinatura do ato de filiação é o passo final de um longo processo trilhado pelo presidente desde o final de 2019, marcado por idas e vindas do atual mandatário, mas que terminará com a oficialização do seu casamento com um dos principais partidos do Centrão, grupo de siglas conhecido mais pelo fisiologismo político do que pela consistência ideológica.
A filiação é, na prática, um acordo de conveniência entre o presidente, que busca uma estrutura partidária capaz de sustentar sua campanha à reeleição, e o PL, que vê no bolsonarismo uma forma de aumentar sua bancada no Congresso Nacional (com ou sem reeleição). Mas essa é apenas uma dimensão do acordo.
Por trás de sua oficialização nesta nesta terça-feira, Bolsonaro e PL ainda precisarão destravar uma série de obstáculos para fazer com que a aliança seja bem-sucedida para ambos os lados. Entre os desafios, estão o rompimento de alianças do PL nos estados e a dificuldade do presidente em conciliar seu discurso com a presença em um partidos praticamente onipresente nos escândalos de corrupção nas últimas décadas.
Exemplo das dificuldades que Bolsonaro e PL enfrentarão foram as diversas mudanças de ideia do presidente nos dois anos que separaram sua saída litigiosa do PSL, após um racha com o comando do partido, e a oficialização do acordo com a legenda de Valdemar Costa Neto.
A dificuldade em definir o partido acompanhou Bolsonaro em praticamente toda sua carreira política: o PL será o nono partido de Bolsonaro desde 1989, quando foi eleito vereador no Rio de Janeiro. Mesmo antes da eleição de 2018, Bolsonaro chegou a definir sua entrada no Patriota, cancelada de última hora.
Após sair do PSL, o presidente queria um partido para chamar de seu, referência ao seu desejo de se filiar em uma sigla em que pudesse realizar todas as mudanças que desejasse, sem limitação. Nos últimos dois anos, o presidente chegou a se aproximar de outras legendas, sobretudo siglas nanicas, como PRTB, PMB e o Patriota.
Desde o começo, Bolsonaro não escondia que queria entrar em um partido em que pudesse realizar todas as mudanças que desejasse. O presidente até chegou próximo do acordo com este último, mas uma confusão interna na sigla inviabilizou a chegada do presidente. A estratégia do presidente, então, foi redirecionada, de partidos pequenos para partidos do Centrão.Bolsonaro abdicou de influência interna para ter mais estrutura nas eleições.
No início de novembro, a escolha se afunilou entre o PP, partido do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o PL, comandado pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto. Bolsonaro optou pelo segundo, em parte para evitar que seu novo partido se aliasse ao ex-presidente Lula, seu principal adversário nas eleições.
Como virou rotineiro no governo, mesmo decisões confirmadas não eram garantidas. O evento de filiação desta terça-feira é o segundo marcado pelo PL: inicialmente, a filiação estava prevista para o dia 22, mas foi cancelada de forma abrupta após “intensa troca de mensagens” entre Valdemar Costa Neto e o presidente.
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O entrave eram os acordos estaduais do PL. A situação só foi resolvida na semana passada, após nova reunião entre Valdemar e o presidente. Na ocasião, Valdemar prometeu romper acordos já firmados e evitar alianças locais com partidos de esquerda.
A oficialização da filiação, entretanto, não significa que esses problemas já foram resolvidos. Para definir de vez a chegada de Bolsonaro ao PL, Valdemar Costa Neto deu a sua palavra ao presidente de que quebraria dois acordos que já tinha fechado para as eleições estaduais: não apoiará Rodrigo Garcia, candidato do governador João Doria à sua sucessão em São Paulo, e nem o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, na sua campanha ao governo da Bahia.
Bolsonaro deseja lançar dois de seus principais auxiliares nesse estado: na Bahia, o ministro da Cidadania, João Roma não esconde seu desejo de disputar o cargo. Em São Paulo, o presidente encomendou a missão ao ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas.
O ministro, entretanto, é reticente em razão da dificuldade da campanha - além de Garcia, o ex-governador Geraldo Alckmin, que já cumpriu quatro mandatos no Palácio dos Bandeirantes, pode ser candidato.
Em São Paulo, a mudança de postura do PL tem caminhado sem tantos percalços, mas a situação será mais complicada na Bahia e em outros estados do Nordeste. A região é o principal reduto eleitoral do ex-presidente Lula e lideranças do partido admitem nos bastidores que será difícil evitar que os candidatos do partido não apoiem o petista.
Outro desafio de Bolsonaro é em relação ao seu discurso. Eleito como um “outsider”, com a promessa de romper o toma-lá-dá-cá, o presidente optou pela filiação a um dos principais partidos do Centrão. Durante a campanha de 2018, auxiliares do presidente, como o general Augusto Heleno, chegaram a fazer troça do grupo do partido, adaptando a música “Se gritar ‘pega, ladrão’, não fica um, meu irmão” para “Se gritar ‘pega, centrão’”.
A filiação de Bolsonaro ao PL gerou reação de seus apoiadores, que lamentaram o acordo com o partido de Valdemar Costa Neto. Integrantes da oposição também relembraram um vídeo em que o presidente comenta sobre Valdemar, condenado pelo Supremo Tribunal Federal no escândalo do Mensalão.
Em 2018, ao comentar sobre conversas com o PL, Bolsonaro disse que sua interlocução era com o então senador Magno Malta e não com Valdemar.
"A que ponto chegarão? Primeiro, a imprensa mente ao publicar que estive com Valdemar da Costa na semana passada. Agora diz que aceno para corruptos e condenados. É a velha imprensa de sempre, não sabem fazer outra coisa a não ser mentir e mentir", escreveu o presidente em maio de 2018.