As críticas ao governo Jair Bolsonaro feitas pelo arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes, no feriado de 12 de outubro, ecoam uma desaprovação ao presidente que vem crescendo entre fiéis e bispos da Igreja Católica. A rejeição ao mandatário entre o grupo hoje é de 56%, segundo o Datafolha, 14 pontos percentuais a mais do que o registrado em janeiro. Para estudiosos do catolicismo, a política armamentista e o descaso com as vítimas da pandemia ajudam a explicar a reprovação a Bolsonaro neste segmento da sociedade.
Durante a missa em homenagem à padroeira, em Aparecida, na última terça-feira, Brandes afirmou que “para ser pátria amada não pode ser pátria armada” nem com “mentira e fake news”. Embora não tenha citado Bolsonaro, Brandes fez referência a “Pátria amada”, o slogan do governo, e à defesa do armamento civil, pauta do presidente. O projeto armamentista de Bolsonaro é um dos pontos que mais incomoda o eleitorado católico, segundo a socióloga Maria José Rosado, professora na PUC-SP e fundadora do grupo Católicas pelo Direito de Decidir.
"As religiões têm na questão da não violência um elemento muito forte da sua narrativa e da sua proposta prática de ação. E, de repente, você vê um presidente da República colocando, sobre os ombros, uma criança com uma arma na mão. Isso impacta", diz ela.
Segundo o Datafolha, a reprovação dos católicos a Bolsonaro é numericamente maior que a taxa da população geral, mas acompanha a mesma curva de crescimento. Em janeiro, 42% dos católicos achavam o governo péssimo ou ruim. Na última pesquisa, divulgada em 16 de setembro, esse índice chegou a 56%. Na população geral, o crescimento foi de 40% para 53%.
Não é só reflexo da política armamentista de Bolsonaro, conhecida desde que ele era deputado. A gravidade da pandemia e a crise econômica também podem ter contribuído para a queda de popularidade, diz Maria José.
Ana Carolina Evangelista, diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião, diz ser difícil atribuir motivos específicos à queda no apoio entre católicos e lembra que a desaprovação é crescente até entre evangélicos — a aprovação neste segmento caiu de 40% para 29% de janeiro a setembro.
"Assim como a gente não pode considerar o segmento das mulheres, dos jovens ou dos professores como um bloco generalizado, não podemos fazer isso com os religiosos. Essa perda de apoio não está mais conectada a dogmas religiosos do que a outras crises pelas quais passamos, como desemprego, fome, insegurança", diz Ana Carolina.
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O eleitorado adepto do cristianismo é caro a Bolsonaro. Ele geralmente diz ser um “presidente cristão”, usa o nome de Deus em slogan, cita frequentemente um versículo bíblico como bordão (“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”) e prega a nomeação de um ministro “terrivelmente evangélico” no Supremo Tribunal Federal (STF).
Embate na igreja
Além de demonstrar um respaldo entre os fiéis, a declaração pública de Brandes em Aparecida revela que a opinião crítica ao governo federal tem eco tanto em sua diocese quanto na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), segundo Maria José. Apesar disso, ela reforça, a opinião não é unânime entre os católicos:
"(A crítica) explicita um embate existente na Igreja Católica entre progressistas e conservadores. Não diria que a CNBB é majoritariamente progressista, mas a fala do arcebispo indica haver recepção para esse tipo de opinião na Igreja".
Em maio de 2020, padres conservadores ligados rádios e TVs católicas participaram de videoconferência com Bolsonaro para pedir investimento do governo federal nas emissoras por meio de propagandas do governo federal. Em troca, indicaram que poderiam apresentar ações do governo na pandemia do novo coronavírus. A CNBB repudiou o encontro.
A divergência interna se acentuou dois meses depois, quando foi publicada uma carta assinada por 152 arcebispos em que os religiosos afirmaram que o governo federal demonstrava “omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres”, além de “incapacidade para enfrentar crises”. Dias depois, mais de mil padres apoiaram os bispos.