Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro não economizou na retórica. Seja nas redes sociais, seja em discursos, muitas das frases do presidente já entraram para a história da política brasileira. Até agora, segundo um levantamento feito pelo GLOBO, foram 18 mil palavras proferidas em seus discursos e outras 26 mil na sua rede social preferida, o Twitter. Um rastro que revela muito sobre sua Presidência até aqui, mas também sobre sua estratégia política.
Durante o governo, Bolsonaro já escreveu mais vezes nas suas redes sociais a palavra "militar" do que "democracia". Em seus discursos, falou "exército" 362 vezes e "paz", 120. Entre a internet e o Palácio do Planalto, a referência ao termo "maioria" é muito mais comum do que "minoria" (dez vezes mais, tanto nas cerimônias de governo quanto pelo Twitter). "Homem", por exemplo, aparece duas vezes mais do que "mulher". E mesmo a referência ao sexo feminino geralmente não é sozinha, mas em expressões como "o homem e a mulher". Tanto nos discursos como na rede social, a palavra mais citada é "Brasil".
Segundo o professor de Linguística da Universidade Federal de São Carlos, Oto Vale, o retrato do discurso de Bolsonaro não está apenas no que ele diz e com que frequência, mas como ele diz e em que contexto.
"Essa escolha de palavras não é aleatória. Mas a partir das coisas com frequência menor, podemos ver também quais escolhas ele faz. Quando vai falar de fome, por exemplo, que é um problema brasileiro enorme, ele fala não por causa da pandemia, mas por causa do lockdown, ou da Venezuela", afirma Vale.
Uma de suas tradições desde o início do governo, Bolsonaro fala quase diariamente com apoiadores no Palácio da Alvorada, conversa que costuma ser gravada e editada por um canal simpático ao presidente. Lá, ele afia o discurso e testa novas narrativas. Em meio a ameaças feitas contra o Supremo, Bolsonaro, por exemplo, apresentava sua posição como uma defesa da liberdade — palavra das mais utilizadas pelo presidente, 454 vezes.
"E essa noção de liberdade que temos visto é muito curiosa. Na reunião ministerial de abril de 2020, tinha uma coisa que o ex-ministro (Abraham) Weintraub falava que era que o que a gente quer é liberdade, liberdade, liberdade. O que a gente observa nos momentos em que o Bolsonaro fala é de uma liberdade que está sendo cerceada", diz.