A Câmara dos Deputados atua em três frentes para aprovar alterações importantes nas regras eleitorais, que já estariam válidas para as eleições do ano que vem. Além da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso — cada vez mais desidratada pela articulação de lideranças partidárias que se posicionaram contra a alteração —, também tramitam na Casa o novo Código de Processo Eleitoral e a PEC que trata da implementação do distritão.
Apresentado pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP), a proposta pretende substituir o sistema proporcional, em que há o quociente eleitoral, que valoriza os votos de todos os candidatos, fortalecendo os partidos, por um sistema majoritário de escolha.
No novo sistema apresentado pela parlamentar, as eleições 2022 utilizariam o distritão, modelo que prevê a eleição apenas dos candidatos mais votados nos estados, sem levar em conta os votos dados aos partidos como acontece no sistema proporcional. Na avaliação de José Álvaro Moisés, cientista político da USP, o projeto é uma “antirreforma” e não vai agregar valor ao funcionamento do sistema democrático brasileiro.
"Essa proposta tem o estrito objetivo de facilitar a eleição de quem já está no Congresso Nacional e já tem visibilidade. É uma proposta de restrição ao sistema partidário, que torna o processo inteiramente individual e vai contra ao que define o regime democrático representativo".
Em uma mudança no texto, na noite de quarta-feira, a relatora buscou amenizar o modelo, em busca de mais apoio político. Na nova versão, haverá uma cláusula de “habilitação”, o que exigiria um quociente mínimo de votos para que o partido possa ter acesso às cadeiras no Poder Legislativo. A condição será alcançar “25% do quociente eleitoral da eleição” nos estados. O valor do quociente é calculado dividindo-se o número de votos válidos dos partidos pela quantidade de vagas disponíveis.
"Não é por acaso que esse sistema proposto (distritão) é adotado em pouquíssimos países que não têm o sistema democrático desenvolvido, como o Iraque. É uma proposição que desestrutura todo o processo e pode confundir ainda mais os eleitores. A sociedade é formada por muitos grupos minoritários que precisam buscar mecanismos proporcionais para estarem presentes no Congresso, essa proposta vai na direção oposta ao pluralismo", afirma Moisés.
Em outra frente, o novo Código Eleitoral liderado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI) foi redigido para limitar a ação do TSE sobre diversas questões no processo eleitoral. O texto de 372 páginas e 902 artigos, que condensa todas as leis eleitorais em um único código, trata de diversos assuntos, da organização das siglas até crimes eleitorais, como o caixa dois.
Além de não trazer previsão de alocação de recursos para candidaturas de negros e mulheres, o projeto também levanta preocupações de especialistas sobre a transparência na prestação de contas partidárias e a capacidade de auditoria da Justiça Eleitoral. Isso porque a proposta acaba com o Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA), e substitui pelo formato de declaração de gastos através de Escrituração Contábil Digital (ECD), da Receita Federal.
"O sistema da Receita não é pensado para auditoria de contas, mas sim como um registro de movimentação contábil. Essa mudança traria um prejuízo enorme no aspecto da transparência e integridade, a sociedade volta a ficar no escuro, sem conseguir acompanhar de maneira objetiva como os partidos estão utilizando os recursos que recebem", diz Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária.
Um dos pontos críticos da atual versão, identificado pela Transparência Partidária e pela campanha Freio na Reforma, é o que permite a aplicação do fundo partidário, criado para custear as siglas, “em outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação da executiva” do partido.
O novo código cria também um teto de R$ 30 mil para as multas a partidos por desaprovação de suas contas. Na legislação atual, há a previsão de que a penalidade será de até 20% do valor apontado como irregular. O parâmetro pode chegar à casa dos milhões.
"A limitação da atuação do TSE é mais uma tentativa de amarrar as mãos da Justiça Eleitoral no que diz respeito a auditoria e controle, e isso é muito preocupante. Todos os avanços que tivemos nos últimos anos em termos de transparência e integridade têm partido da Justiça Eleitoral, que busca trazer alguma racionalidade para todo o processo. Por outro lado, o parlamento flexibiliza cada vez mais as obrigações e suaviza as sanções aplicáveis, e é o que esse projeto pretende consolidar", finaliza Issa.
Entenda as principais mudanças:
Restrições a pesquisas eleitorais
Limita o prazo para a divulgação de levantamentos até a antevéspera do pleito. Ou seja, impedem publicação na véspera das eleições, como é hoje. Institutos de pesquisa terão que informar ainda o percentual de acerto das pesquisas realizadas nas últimas cinco eleições.
Relaxamento da fiscalização
Permite o uso do fundo partidário para qualquer tipo de despesa, como propagandas políticas, transporte aéreo e na compra de bens móveis e imóveis. Terceiriza a fiscalização das contas de partidos. Permite que as legendas contratem empresas privadas de auditoria, que irão encaminhar um relatório à Justiça. Anteriormente, a verba deve ser usada para custeio de atividades e propaganda partidárias, incluindo fundações das siglas.
Fim de reserva para negros
Acaba com regra estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral que determinava alocação de recursos para candidaturas de negros e mulheres. Este ponto também contraria uma decisão prévia do Supremo Tribunal Federal que garantia a reserva de verba e de tempo de propaganda de forma proporcional entre candidatos brancos e negros.
Limites à atuação do TSE
Permite que o Congresso casse decisões do TSE, caso haja o entendimento de que regras estão em desacordo com o código.
Dia da eleição
Deixam de ser crime práticas vedadas em dia de eleição, como o uso de alto-falantes, existência de comícios, carreatas, bocas de urna e ainda o transporte irregular de eleitores. Se antes eram crime eleitoral, passarão a ser infrações da área civil.
Multas reduzidas
Estabelece um teto de R$ 30 mil para multas decorrentes da desaprovação de contas. Hoje, há possibilidade de cobrança na casa dos milhões, a depender do valor apontado como irregular.
Caixa dois
Ganha tipificação própria, mas permitindo acordo de réu confesso com MP. Hoje, é enquadrado como “falsidade ideológica”, com até cinco anos de reclusão.