Auditor do Tribunal de Contas da União (TCU), Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques comparou dados equivocados ao elaborar uma espécie de “estudo paralelo” que questiona o número de mortes pela Covid-19 no país no ano passado e foi citado pelo presidente Jair Bolsonaro .
A avaliação é do professor de epidemiologia da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Lotufo
, que, a pedido do GLOBO, analisou um documento em que o auditor explica como fez a conta e concluiu que as mortes provocadas pela pandemia da Covid-19 no país estariam supostamente superestimadas.
O médico aponta que a conta do auditor utilizou uma base de dados inapropriada. A fonte escolhida por Costa foi o Portal da Transparência do Registro Civil, mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais e que não leva em conta dados demográficos (como o nascimento de pessoas) e epidemiológicos (como a redução de outras causas de morte durante o isolamento social). Quem dispõe dessas informações e é referência para especialistas no assunto é o Sistema de Informação de Mortalidade, do Ministério da Saúde.
No estudo paralelo, o auditor calculou a variação média de mortes no país entre 2016 e 2019 e chegou à porcentagem de 8,8%. Em seguida, aplicou esse percentual ao número de óbitos registrados em 2019 e concluiu que o total de mortes em 2020 seria de 1.379.827, se o ritmo de crescimento dos anos anteriores fosse mantido. Ainda segundo Marques, esse número seria equivalente a 80 mil óbitos a menos que os 1.459.272 registrados oficialmente. Para o auditor, isso é um indício de que a pandemia causou efetivamente cerca de 80 mil óbitos em 2020. Segundo o Ministério da Saúde, no entanto, houve 194.949 mortes por Covid em 2020.
Lotufo observa que a metodologia está errada. Ele lembra que desde 2016, período levado em consideração pelo auditor, a média móvel de mortes no país era de 1%. E que, após a pandemia, houve um salto de 8% em 2020 nos óbitos, em relação ao ano anterior.
"O aumento vegetativo das mortes pode ocorrer por duas razões, aumento da população e também o acúmulo de pessoas mais idosas", explica Lotufo, que acrescenta: "Em 2020 há um salto nas mortes típico de momentos de catástrofes, como ocorre em períodos da história como de guerra e de fome".
Para Lotufo, o raciocínio de Marques revela desconhecimento das regras universais de Classificação de Doenças que são atualizadas anualmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ex-presidente da Anvisa, o sanitarista Gonzalo Vecina também disse que a conta do auditor utiliza uma metodologia equivocada.
"Ele (Marques) comparou número absoluto de mortes, enquanto o correto seria analisar a taxa de mortalidade ano a ano. Além disso, fez uma média das porcentagens excluindo 2020, que é o ano em que há o salto maior de mortes. É má matemática", conclui.
Vecina lembra que, na verdade, o país vive o contrário: subnotificação de mortes na pandemia, já que muitos dos casos foram diagnosticados erroneamente como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e não como Covid-19.