Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo foi alvo de uma série de acusações dos senadores sobre omissões e falhas do Itamaraty no enfrentamento da pandemia do coronavírus.
O ex-chanceler foi cobrado por declarações vistas como "anti-China", pela demora do Brasil em aderir ao consórcio internacional de vacinas Covax Facility, pela suposta falta de atuação do Itamaraty para conseguir mais apoio externo no fornecimento de oxigênio ao Amazonas e pela falta de resposta do Brasil à oferta inicial da Pfizer para vender 70 milhões de doses de imunizante contra covid-19.
O ex-ministro rebateu as críticas dizendo que sua gestão desde o início atuou para trazer vacinas ao Brasil e negou que declarações suas tenham afetado a relação com a potência asiática. Confira a seguir cinco momentos tensos em que o ex-chanceler foi pressionado pelos senadores - e suas respostas aos questionamentos.
1 . ' Comunavírus '
No momento em que o Brasil enfrenta novos atrasos na fabricação da vacina CoronaVac devido à falta de insumos fornecidos pela China, diversos parlamentares pressionaram Araújo sobre antigas declarações suas que teriam estremecido a relação do Brasil com a a potência asiática.
Ao ser questionado pelo relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), sobre o impacto de suas falas "antichinesas", o ex-chanceler refutou qualquer efeito nesse sentido.
"Eu não entendo nenhuma declaração que eu tenha feito em nenhum momento como antichinesa. Houve determinados momentos em que, como se sabe, por notas oficiais, nós nos queixamos de comportamentos da Embaixada da China ou do embaixador da China em Brasília, mas não houve nenhuma declaração que se possa qualificar como antichinesa. Enfim, não há nenhum impacto de algo que não existiu", disse Araújo.
A resposta causou irritação no presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que acusou o ex-chanceler de estar mentindo. Segundo ele, Araújo chamou o coronavírus de "comunavírus" em um artigo sobre a pandemia.
"O senhor disse para o relator que não teve nenhuma declaração (anti-China). Tem várias declarações. E eu posso ler aqui o seu artigo. Inclusive, você fez uma alusão, erroneamente, em relação a que a pandemia era para ressuscitar o comunismo, porque deixa as pessoas em casa, dependendo do Estado, e uma série de coisas. Quer dizer, na minha análise pessoal, vossa excelência está faltando com a verdade", rebateu Aziz.
"O senhor não acha que chamar 'comunavírus' não é uma coisa que indispõe a relação amigável que nós sempre tivemos, comercial, com a China? Se o senhor não acha isso, eu não sei o que mais achar", insistiu o senador.
O artigo citado por Aziz foi escrito por Araújo em abril do ano passado em seu blog Metapolítica 17. No texto, o então ministro analisava o livro Vírus , do filósofo Slavoj Zizek, que faz menções diretas à China.
Segundo o artigo de Araújo, o livro "entrega sem disfarce o jogo comunista-globalista de apropriação da pandemia para subverter completamente a democracia liberal e a economia de mercado, escravizar o ser humano e transformá-lo em um autômato desprovido de dimensão espiritual, facilmente controlável".
À CPI, Araújo se defendeu dizendo que o termo "comunavírus" não se referia ao coronavírus (vírus que foi identificado inicialmente na China, país governado pelo Partido Comunista Chinês).
"O artigo não é absolutamente contra a China. A leitura do artigo deixa isso claro. A China é mencionada apenas lateralmente num ponto do artigo, justamente onde eu comento a tese do texto do Slavoj Zizek, que diz que a China, segundo ele, não é o modelo de sociedade comunista que ele tem em mente", argumentou.
"Então, o artigo não é sobre a China, não vejo nada ali que seja ofensivo à China. O comunavírus, o artigo deixa claro, não é uma designação ofensiva ao coronavírus. É uma designação àquilo que o autor comentado chama de vírus ideológico", disse ainda.
2 . Desentendimento com embaixador chinês
Ainda sobre a relação complicada com a China durante sua gestão no Itamaraty, Araújo foi confrontado sobre um embate público com o embaixador chinês, Yang Wanming.
"Até bateu boca com o embaixador chinês", lembrou o presidente da CPI, ao insistir que o ex-chanceler atrapalhou a relação entre os dois países.
A discussão ocorreu em março de 2020, quando um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), comparou a postura da China na pandemia à atuação do governo russo para esconder a explosão de um reator nuclear em Chernobyl , em 1986.
"+1 vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas q salvaria inúmeras vidas A culpa é da China e liberdade seria a solução", postou o deputado em redes sociais na ocasião.
O embaixador chinês reagiu no Twitter cobrando retratação de Eduardo Bolsonaro e dizendo que "suas palavras são um insulto maléfico contra a China e o povo chinês". Além disso, compartilhou um post em solidariedade à China que dizia que "a família Bolsonaro é o grande veneno deste país".
Araújo saiu, então, em defesa da família presidencial por meio de uma nota oficial do Itamaraty que foi compartilhada em sua conta pessoal no Twitter. "É inaceitável que o embaixador da China endosse ou compartilhe postagem ofensiva ao chefe de Estado do Brasil e aos seus eleitores", publicou na ocasião.
"A reação do embaixador foi, assim, desproporcional e feriu a boa prática diplomática. Já comuniquei a insatisfação do governo brasileiro com seu comportamento. Temos expectativa de uma retratação por sua repostagem ofensiva ao Chefe de Estado", disse ainda.
Em resposta aos senadores, Araújo negou em seu depoimento ter discutido com o embaixador Wanming.
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"Eu nunca tive discussões via Twitter com o Embaixador da China. Eu fiz duas notas do Itamaraty: uma em março e uma em novembro. Notas oficiais do Itamaraty, não foram discussões minhas com o embaixador da China. Justamente apontando comportamento inadequado dentro da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas por parte do Embaixador da China. Isso não foi um bate-boca com o embaixador da China", disse o ex-chanceler.
3. Covax Facility
Araújo também foi cobrado sobra e demora do Brasil em ter aderido ao consórcio internacional de vacinas Covax Facility, iniciativa liderada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), instituição constantemente criticada pelo ex-chanceler.
Embora as negociações entre outras nações tenham começado em abril, o Brasil só manifestou interesse em julho, tendo assinado o acordo em 24 de setembro.
O país também optou pela cota mínima, para obter vacinas para imunizar 10% da população brasileira (a cota máxima era de 50% da população).
Com isso, o Brasil terá direito a 42,5 milhões de doses (levando-se em conta que a imunização com a maioria das vacinas depende de duas doses), das quais cerca de 4 milhões foram entregues no início de maio.
O ex-ministro refutou que o momento de adesão ao consórcio tenha prejudicado o Brasil e atribuiu o tempo que o país levou para aderir à necessidade do governo "de terminar a análise de diferentes aspectos desse contrato, que tem várias complexidades".
"Covax está em dificuldade de entregar tanto para os países que pediram 10%, 20% quanto 50%", argumentou ainda.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), rebateu a fala do ministro, sustentando que, se o Brasil tivesse optado pela conta máxima, já teria recebido mais vacinas, já que a entrega é feita proporcionalmente ao contratado.
"As informações que temos são de que os países que fizeram a opção de receber 50%, e não 10%, hoje, estão recebendo mais do que está recebendo o Brasil", ressaltou.
Araújo, então, atribuiu a responsabilidade dessa decisão ao Ministério da Saúde.
"Essa decisão (de optar pela cota mínima do consórcio) não foi minha, não foi do Ministério das Relações Exteriores. Foi uma decisão do Ministério da Saúde, dentro da sua estratégia de vacinação", disse ainda.
4. Cobrança sobre oxigênio da Venezuela para o Amazonas
Araújo foi também cobrado sobre a falta de atuação do Itamaraty para trazer mais oxigênio da Venezuela ao Amazonas em janeiro, quando a falta do gás provocou a morte de centenas de pessoas que estavam internadas com covid-19 no Estado.
O governo venezuelano disponibilizou uma doação de oxigênio ao Amazonas que foi transportada por rodovia ao Brasil. Os senadores amazonenses Omar Aziz e Eduardo Braga e o representante do Amapá Randolfe Rodrigues criticaram a falta de empenho da chancelaria brasileira em viabilizar uma quantidade maior de oxigênio da Venezuela, seja por doação ou compra.
Também reclamaram do governo brasileiro não ter estabelecido contato com o governo de Nicolás Maduro para transportar gás de forma mais rápida, por via aérea. Para Rodrigues, essa posição do Itamaraty refletiu uma atuação ideológica de Araújo e do presidente Jair Bolsonaro em relação ao país vizinho.
Pressionado pelo senador da Rede, Araújo reconheceu que não fez contato com o governo da Venezuela, nem agradeceu a doação de oxigênio.
"O Itamaraty não age de maneira autônoma em temas de saúde. O Itamaraty não tem condições de avaliar o momento necessário a proceder a essa ou aquela ação do sistema de saúde, no caso o suprimento de oxigênio", disse ainda, em resposta ao senador Eduardo Braga.
O ex-chanceler disse também que o Itamaraty fez contato com o governo dos Estados Unidos para doação de oxigênio que seria transportado por um avião americano. Segundo ele, a operação não foi concluída porque o governo do Amazonas não informou as especificações da carga de oxigênio necessária.
Ao ouvir o ex-ministro, Eduardo Braga disse que a omissão do governo do Amazonas era algo "criminoso", mas frisou que o Ministério da Saúde também teria responsabilidade de fornecer essas informações e viabilizar a vinda de oxigênio dos Estados Unidos.
"É mais criminoso ainda: havia o avião e não foi usado para salvar vidas", ressaltou o senador.
5. Carta da Pfizer ignorada pelo governo
O ex-chanceler também foi pressionado sobre a falta de ação do Itamaraty quanto à oferta da farmacêutica Pfizer para venda de 70 milhões de doses de vacinas ao Brasil.
A proposta foi feita em agosto por meio de carta da empresa a Bolsonaro, com cópia para o vice-presidente Hamilton Mourão, o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster, e os ministros Braga Netto (Casa Civil), Eduardo Pazuello (Saúde) e Paulo Guedes (Economia).
Ernesto reconheceu que foi comunicado por Forster da oferta, mas disse que não fez qualquer contato com Bolsonaro sobre o assunto "porque presumia que o presidente da República já soubesse (da oferta)".
"O meu entendimento é de que a embaixada em Washington recebeu uma cópia; o embaixador não era destinatário. Mas, enfim, tive conhecimento do tema, e o telegrama de Washington também esclarecia que a própria embaixada em Washington já havia antecipado também para a Assessoria Internacional do Ministério da Saúde (sobre a oferta)", afirmou Araújo.
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