O depoimento de Luiza Sousa Paes, ex-assessora de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) ao Ministério Público do Rio foi considerado pelos investigadores como uma "efetiva e espontânea colaboração, tendo resultado em esclarecimentos e revelações sobre a atuação da organização criminosa" no antigo gabinete do filho "01" do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), na Assembleia Legislativa do Rio. Luiza é uma das 17 pessoas denunciadas pelos procuradores ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio junto com Flávio e Fabrício Queiroz.
O MP a denunciou como integrante da organização criminosa e por 93 episódios de peculato, que é o uso ilegal do dinheiro público. No entanto, os procuradores pediram que ela, caso condenada, tenha redução de um a dois terços da pena.
Nesta semana, o jornal O Globo revelou o depoimento no qual Luiza contou aos procuradores que nunca atuou como funcionária do filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e também era obrigada a devolver mais de 90% do salário. Além disso, ela apresentou extratos bancários para comprovar que, entre 2011 e 2017, entregou por meio de depósitos e transferências cerca de R$ 160 mil para Fabrício Queiroz, ex-chefe da segurança de Flávio e apontado como operador do esquema de desvios de salários.
Na denúncia, o MP ressalta que ela apresentou "elementos de convicção que confirmam suas assertivas". Com isso, os procuradores pediram "em favor da denunciada Luiza Sousa Paes, a aplicação dos benefícios legais decorrentes da presente confissão, notadamente os mencionados no artigo 14 da Lei 9.807/99, desde que preenchidos seus requisitos, no que for aplicável, à época da sentença".
Esse artigo da lei, que regula a proteção a testemunhas e benefícios a réus colaboradores, afirma que o "indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços".
Luiza Sousa Paes foi nomeada assessora de Flávio Bolsonaro em 12 de agosto de 2011 e lá ficou até 11 de abril de 2012. Depois, foi nomeada em outros setores da Assembleia: na TV Alerj e no Departamento de Planos e Orçamento. Mesmo assim, durante todo esse período, Luiza relatou ao MP que teve de devolver a maior parte do que recebia como salário. O primeiro contracheque dela no período em que trabalhou no gabinete de Flávio tinha um valor bruto de R$ 4.966,45. Já o último, na TV Alerj, de R$ 5.264,44.
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Em depoimento, ela disse que ficava apenas com R$ 700. Além disso, tinha como obrigação devolver valores relativos a 13º, férias, vale-alimentação e até o valor recebido pela Receita Federal como restituição do imposto de renda. O valor do vale-alimentação, cerca de R$ 80 diários, era depositado diretamente nas contas dos funcionários da Alerj sem registro ou desconto no contracheque.
Luiza relatou ainda que conheceu outras pessoas que viviam situação semelhante à dela: nomeadas sem trabalhar. Citou as duas filhas mais velhas de Fabrício Queiroz, Nathália e Evelyn, e Sheila Vasconcellos, amiga da família do policial. Os dados financeiros das três, obtidos na investigação, já identificavam que elas devolveram para Queiroz R$ 878,4 mil.
A ex-assessora contou no depoimento como se dava o mecanismo. Ela diz que abriu uma conta na agência da Alerj e foi orientada a fazer todos os meses o saque do salário na boca do caixa, já que no caixa eletrônico há um limite para a retirada. Logo após pegar o dinheiro, ela já solicitava um depósito para a conta de Fabrício Queiroz – às vezes de forma anônima, outras não. O MP já tinha identificado um total de R$ 155 mil de depósitos dela para Queiroz a partir das quebras de sigilo bancário.
No depoimento ao MP, ela contou que se viu envolvida no esquema aos 19 anos, quando estava terminando a faculdade de Estatística. O pai dela, Fausto, era amigo de Fabrício Queiroz. As famílias chegaram a ser vizinhas de rua durante algum período em Oswaldo Cruz, na Zona Norte do Rio. Originalmente, segundo Luiza, quem queria um emprego era o pai dela. Luiza pediu posteriormente um estágio e Queiroz disse que iria ajudar.
Entre as revelações que Luiza também está um encontro com Frederick Wassef, ex-advogado do senador Flávio Bolsonaro, em um hotel na Barra da Tijuca em dezembro de 2018. A reunião ocorreu no mesmo dia em que ela tinha sido chamada para prestar esclarecimentos na investigação. Segundo Luiza, ela foi orientada por advogados próximos a Flávio a não atender a convocação do MP, na época.
Procurado, o advogado Caio Padilha, que atua na defesa de Luiza Souza Paes, disse que não poderia falar sobre o procedimento que está em sigilo e que ainda não foi notificado pelo TJ.