O gosto por falcatruas está no temperamento, um dos componentes da personalidade – e, a certa altura da vida, o portador dessa não virtude não se emenda mais não. Que o diga o senador Fernando Collor de Mello. Lá está ele novamente sob os holofotes de um possível esquema de lavagem de dinheiro. A sua trajetória, entre o Palácio do Planalto (ou, melhor, a Casa da Dinda), e Alagoas obedece a uma trágica alegoria da história da república brasileira, nascida a fórceps e que se tornou uma colcha de retalhos de políticos endinheirados que até se arvoram em possuir o direito de resolver divergências ideológicas com armas nas mãos: o pai do ex-“caçador de marajás”, por exemplo, matou a tiros um colega no plenário – na verdade, errou o alvo e assassinou José Kairala, enquanto queria mesmo era matar Silvestre Péricles. De volta aos holofotes do presente, Collor agora é investigado pela Polícia Federal por participar de um esquema de arremate de imóveis em leilões públicos para lavagem de dinheiro, atividade que lhe teria rendido cerca de R$ 6 milhões.
Leia também: Joice Hasselmann diz que Eduardo Bolsonaro é 'menino que não consegue nada só'
Nos últimos tempos, o senador é mais visto cochichando pelos cantos do Congresso Nacional, menos na tribuna. Mas a rotina teve de mudar, Collor a utilizou para se defender dessa acusação, após o ministro do STF Edson Fachin ter autorizado o cumprimento de mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao senador – a operação, requerida pela ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge, desembarcou no STF porque parlamentares têm prerrogativa de foro especial. O ex-presidente, de acordo com a PF, teria participado do esquema em 2010, 2011, 2012 e 2016, valendo-se, é claro, de um “laranja” com a finalidade de escamotear a sua participação como beneficiário das operações. O “laranja” seria o seu assessor jurídico Tarso de Lima Sarmento, salário mensal de R$ 4,6 mil, mas, paradoxalmente, comprador de imóveis de R$ 2 milhões.
Confissão
Em seu depoimento à PF, Sarmento confessou que parte do dinheiro utilizado nas aquisições foi transferida pela CCB Engenharia, que tem contratos “vultosos” nas Alagoas em que Collor nasceu. Entre os dias 27 de setembro de 15 de outubro, o assessor teria recebido cerca de R$ 2 milhões para arrematar um único imóvel. A empreiteira, de acordo com as investigações, tem como sócios os seus pais e um cunhado. Para a PGR, quando ainda chefiada por Dodge, há elos que ligam a empreiteira a Sarmento, que tem registrado em seu CPF uma Range Rover – valor em torno de R$ 400 mil. O automóvel, no entanto, foi declarado ao Tribunal Superior Eleitoral pelo próprio senador, nas eleições de 2018. A polícia também localizou transações financeiras realizadas por Sarmento com um dos filhos de Collor, que emprestou ao assessor jurídico R$ 830 mil.
Leia também: Antes "irmãos", Eduardo Bolsonaro e Joice trocam farpas nas redes sociais
Além de lavagem de dinheiro, Collor dá um passeio pelo Código Penal: é investigado por corrupção ativa e passiva, peculato, falsificação e organização criminosa. Em 1992, a acusação de seu envolvimento em esquema de corrupção chefiado por seu ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias ganhou força em uma entrevista de ISTOÉ com o motorista Francisco Eriberto França – reportagem que levou ao impeachment do presidente. Mais: entrou na ciranda do hoje marajá um cheque-fantasma utilizado pelo ex-presidente na compra de um Fiat Elba. Em seu Facebook, Collor nomeou a trama autorizada por Fachin como uma “historieta criada pelo malicioso engenho mental de integrantes da PF e setores do MP (…) movidos por manifesta má-fé e espírito emulativo”. Fernando Collor, por óbvio, não fará o mesmo de décadas atrás: pedir para a população sair às ruas vestida de verde e amarelo contra a nova ofensiva do Judiciário. Hoje, ele é um arremedo do que um dia foi.
História que se repete
Na época, o povo optou pelo preto. Tanto ele quanto nós não sabíamos que a história brasileira tragicamente se repetiria (e não como farsa) com o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, dando o mesmo murro na mesma ponta de faca. A ganância do ex-mandatário o envolveu, também, em 2015, em suposto esquema de corrupção na Petrobras, quando teve apreendido na Casa da Dinda uma Ferrari, um Porsche e uma Lamborghini. Fernando Collor ganhou nome na política no partido da ditadura militar (ARENA), rompeu com tal regime de exceção quando percebeu a força popular da campanha pela eleição “Diretas Já” e se tornou o primeiro presidente a subir a rampa do Palácio do Planalto pelo voto popular. Foi esperança que logo esgarçou para os que acreditam em salvadores da Pátria. Como foi dito acima, a história tragicamente se replica.
Esquema PC
Fernando Collor sofreu impeachment sob acusação de corrupção comandada pelo então tesoureiro Paulo César Farias (foto). Foi assassinado a tiros em 1996, em Maceió, ao lado da namorada, Suzana Marcolino. Posteriormente, o ex-presidente foi absolvido no processo pelo Supremo Tribunal Federal.