A primeira criança recolhida pela deputada federal Flordelis dos Santos (PSD) em 1993, na Central do Brasil, nunca foi adotada. A menina Rayane dos Santos Oliveira, levada para a casa da parlamentar com poucos dias de vida, ficou sob os cuidados de Simone dos Santos, filha biológica de Flordelis, e foi registrada como sua filha sem passar pelo aval de um juiz.
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O Jornal Extra apurou que não há nenhum processo na Justiça sobre a adoção da jovem. Ainda que desejasse adotar Rayane, a filha de Flordelis seria impedida por lei. Isso porque o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a diferença de idade entre quem adota e quem está sendo adotado precisa ser de, no mínimo, 16 anos. A diferença entre Simone e Rayane é de apenas 13 anos. Procurada pelo EXTRA, a assessoria de imprensa de Flordelis se recusou a dar uma resposta sobre o fato de Rayane não ser adotada.
Registrar o filho de outra pessoa como seu é crime previsto no Código Penal. A pena para o delito é de dois a seis anos. Flordelis foi eleita deputada federal no ano passado, com quase 200 mil votos, tendo como uma das bandeiras a desburocratização da adoção no Brasil. Em maio de 2019, a parlamentar liderou um seminário sobre o tema na Câmara dos Deputados.
A história de Rayane é frequentemente contada por Flordelis. Em sua biografia, a parlamentar relata que a jovem foi a primeira criança acolhida por ela, na Central do Brasil, em 1993. Flordelis conta que encontrou Rayane, que tinha poucos dias de vida, abandonada num lixão no local, pois a mãe não tinha condições de criá-la. Na época, a deputada morava no Jacarezinho e Anderson do Carmo , que tinha 16 anos, já frequentava sua casa. Segundo a biografia, o pastor e Flordelis, então com 32 anos, começaram a namorar nesse período.
Flordelis relata que levou Rayane para sua casa junto com a mãe biológica dela, identificada como Léa. A mulher acabou ficando apenas duas semanas na residência e voltou para a rua, deixando Rayane na casa. A menina ficou sob os cuidados da filha biológica de Flordelis, Simone, com 13 anos à época. A história de Rayane era frequentemente contada também por Flordelis e seu marido, o pastor Anderson do Carmo, em suas pregações.
Ao ser questionada sobre a situação de Rayane, Flordelis limitou-se a enviar pela sua assessoria de imprensa uma declaração contando a história da menina e de Simone . No texto, a deputada não esclarece como Rayane foi registrada por Simone sem um processo formal de adoção. O Extra questionou a assessoria sobre a falta de posicionamento em relação às questões jurídicas do caso, mas obteve o retorno de que a resposta se limitaria ao relato de Flordelis.
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Rayane foi registrada como filha de Simone e de André Luiz de Oliveira, filho afetivo de Flordelis. André e Simone foram casados, mas se separaram há cerca de 10 anos. Pela previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente, André Luiz também não poderia sequer adotar Rayane, pois a diferença de idade entre eles é de 15 anos.
Outro caso na família de Flordelis no qual pairam dúvidas sobre a paternidade é de Daniel dos Santos Souza, de 21 anos. O rapaz sempre foi apresentado pela parlamentar e por Anderson como filho biológico do casal. Em seu depoimento à polícia, a mãe de Anderson, Maria Edna do Carmo , afirmou que o pastor não tinha nenhum filho biológico. Segundo Edna, Daniel é adotado. Não há, no entanto, nenhum processo de adoção do rapaz e ele foi registrado como se fosse filho de Flordelis e Anderson.
Na última terça-feira, Rayane teve o celular apreendido por agentes da Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo, responsável pelas investigações da morte do pastor Anderson do Carmo, morto a tiros no dia 16 de junho deste ano. O aparelho foi encontrado no apartamento funcional de Flordelis, em Brasília, onde Rayane mora com o marido.
Rayane é um dos alvos da segunda fase das investigações do pastor Anderson do Carmo. A DH concluiu a primeira etapa, no dia 14 de agosto, e indiciou dois filhos de Flordelis pelo crime. A polícia resolveu abrir um novo inquérito para continuar apurando a participação de outras pessoas no assassinato.
Por meio de sua assessoria, a deputada Flordelis enviou a seguinte nota: "A história da Rayane é verdadeira. Ela foi encontrada em terreno baldio faltavam dias para Simone completar 14 anos.
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Simone passou realmente a me ajudar a cuidar dela em fevereiro de 1994, quando outros bebês chegaram porque Rayane tinha crises convulsivas e precisava de uma atenção especial. Simone já estava super agarrada a menina, então ela era a pessoa que cuidava especialmente da Rayane. O registro da Rayane foi bem depois. Não sei precisar o ano, porque foram tantos processos e eu estava lutando com todas as minhas forças para não perder as crianças e adolescentes e já tinha me apegado a cada uma delas, tendo que provar que tinha condições de ficar com todos porque já éramos uma família. Mas Simone, como todos, só parou com os estudos porque fugi como está contado no livro. Virei fugitiva para não perder meus filhos.
Depois, Simone voltou a estudar e apenas parou a faculdade de enfermagem porque ficou doente, com melanoma, que deu metástase, e não conseguiu concluir. Hoje, além de lutar para que a doença não volte, está com síndrome do pânico e crise de ansiedade pelos traumas que os tratamentos lhe causaram".