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Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto
Renato Costa / FramePhoto / Agência O Globo
Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto

Direita, volver! Esse comando, que até recentemente era ouvido em alto e bom som no cenário político nacional em apoio a Bolsonaro, agora só é verbalizado, timidamente, nos nichos da extrema-direita que ainda apoiam o presidente. Muitos segmentos alinhados com a direita civilizada, que defendem teses do liberalismo econômico, estão rompendo com o bolsonarismo, ávido por manter acirrado o debate radicalizado e sectarista.  

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Militantes do Movimento Brasil Livre (MBL) e do Vem pra Rua, de partidos de centro-direita como o Novo, e representantes de categorias até então alinhadas com o presidente, sobretudo artistas, policiais e defensores da Lava Jato, estão desembarcando da canoa de Bolsonaro.

“O presidente quer ter a hegemonia na direita, da mesma forma como Lula queria ter na esquerda, sufocando as lideranças abaixo dele”, resumiu o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos líderes da nova direita na Câmara e que acaba de abandonar o governo.

As razões da deserção são distintas, mas o pano de fundo é a insistência do presidente em esticar a corda nas discussões ideológicas em detrimento de ações práticas de governabilidade. “Bolsonaro precisa entender que a campanha acabou”, entoa João Amoêdo, presidente do Novo, um dos partidos que vinha apoiando o governo com maior intensidade, mas que nos últimos tempos deu uma arrefecida.

“Os ruídos constantes provocados por esse discurso radical do presidente atrapalham até o andamento das reformas”, completou Amoêdo. Até o deputado Marcel van Hatten (Novo-RS), que chegou a ser uma espécie de líder informal de Bolsonaro na Câmara, andou com as relações estremecidas com o governo.

O choque se deu por contra de o governo ter encaminhado para a Câmara na semana passada o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) com a previsão de gastos da ordem de R$ 2,5 bilhões para as campanhas eleitorais do ano que vem.

Como se sabe, o Novo dispensa o uso de recursos públicos em suas campanhas e o partido ficou indignado com a proposta, pois ela elevaria os gastos do Fundão eleitoral, hoje em R$ 1,87 bilhão, de forma exponencial. Hatten chiou e percebeu que havia um erro nas contas do ministro Paulo Guedes.

“A verdade sobre o aumento do Fundão: como eu tinha antecipado, houve de fato um erro nos cálculos e o Novo havia informado isso ao Ministério da Economia. A revisão do valor provocará uma economia de R$ 671 milhões”, disse Hatten no Twitter.

Até Kim Kataguiri aplaudiu. O aumento do Fundão havia sido um dos motivos que levaram o MBL de Kim a se afastar de vez de Bolsonaro. “Não tem dinheiro para bolsas de estudo, mas tem para gastar em propaganda eleitoral?”, questionou Kim.

O apoio de Bolsonaro aos parlamentares que aprovaram a Lei de Abuso de Autoridade também revoltou as categorias de policiais e defensores da Lava Jato, como o procurador da República, Deltan Dallagnol, que apoiaram Bolsonaro no início, por entenderem que o novo governo manteria em alta o combate à corrupção.

A nova lei, porém, fere de morte os lavajistas e policiais, que podem ser punidos com prisão caso cometam deslizes em investigações contra corruptos. Apesar de garantir que vai vetar artigos importantes da lei, Bolsonaro descontentou categorias que sempre sustentaram seu governo. Além disso, pegou mal a intervenção de Bolsonaro em órgãos de combate à corrupção, como a PF, Receita e Coaf, que ele extinguiu, alojando-o no Banco Central. “Bolsonaro atacou essas instituições para blindar o filho Flávio de investigações no Rio”, resumiu Kataguiri.

Dallagnol, que chegou a ser cotado para a vaga de procurador-geral da República e fez várias declarações de apoio a Bolsonaro no início do governo, foi um dos que decidiram abandonar de vez o barco bolsonarista. Depois que o presidente interferiu na PF, Receita e Coaf, Dallagnol afirmou que o presidente estava “se distanciando do discurso de combate à corrupção”. O filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), percebendo a mudança de lado do procurador da Lava Jato, acusou o golpe. “Deltan é ligado a ONGs e partidos de esquerda”, bateu o filho do presidente. Como se vê, o racha é irreversível.

Artistas desapegam

Mas é na classe artística que Bolsonaro sofreu baixas consideráveis. Um dos primeiros a bater em retirada foi o cantor Lobão. Ele apoiou a eleição de Bolsonaro e gerou muita controvérsia nas redes sociais, pois os artistas sempre foram comprometidos com a esquerda. Recentemente, no entanto, surpreendeu ao dizer que o presidente “não tem capacidade intelectual e emocional para gerir o Brasil”. E acrescentou: “Esse cara não me representa”.

Depois de Lobão, outros expoentes da televisão se voltaram contra o “mito”. O humorista Marcelo Madureira chegou a ser expulso de um ato a favor de Bolsonaro realizado no Rio no último dia 25 de agosto. No alto de um caminhão de som do Vem pra Rua, Madureira usou o microfone para criticar a Lei de Abuso de Autoridade.

“Não tem como justificar a aliança de Bolsonaro com Gilmar Mendes para acabar com a Lava Jato ”. Foi a gota d’água para que os bolsomínions passassem a vaiar o ator, que teve de deixar o palanque às pressas. “Não tenho medo de vaias. Votei no Bolsonaro e vou criticar todas as vezes que for necessário”. Fim da aliança.

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Foi mais ou menos o que aconteceu com a atriz Maitê Proença, que recentemente foi a um ato de artistas contra a política do presidente para a Amazônia. Ao lado de Caetano Veloso, Maitê desancou Bolsonaro, encerrando o afeto dos bolsonaristas para com ela, que esteve cotada para um ministério do novo governo. Pelo andar da carruagem, Bolsonaro vai acabar ficando só com os radicais. Talvez seja isso que ele queira, de olho numa nova polarização com o PT em 2022. Que a história não se repita como tragédia. A farsa nós já vivenciamos com o PT e o seu extremo oposto.

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