Com nada de novo sob o sol, o presidente lançou mão de seu cacoete verbal boomerang e anunciou na quarta-feria 21 a manutenção do assinalamento de Eduardo Bolsonaro à embaixada do Brasil nos EUA. Os brasileiros, na terça-feira, dormiram com a notícia contrária — a do recuo do Bolsonaro pai. No dia seguinte acordaram com a boomerangada na cabeça. O capitão reformado, espertamente, segurou a ansiedade e decidiu aguardar uma aritmética mais favorável no número de senadores simpáticos ao pleito a favor de Eduardo para requisitar a inclusão de sua indicação na pauta da Casa, a quem cabe constitucionalmente fechar a questão e bater o martelo na nomeação.
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A pergunta é: qual será o momento de olhar para o relógio da nossa República, na qual os ponteiros (desculpem, Poderes) nunca se entendem, e saber se é a hora conveniente? Francamente, fosse lá relógio de badaladas como o do último Baile da Ilha Fiscal, fácil seria ouvir a chegada do regime republicano. Mas o relógio político de pulso exige um olhar bem mais astuto.
Bolsonaro, nesse instante, traz no olhar ambiciosos olhos nepotistas. Se não fosse o cenário minguado de votos de senadores favoráveis à indicação de Zero Três à Washington, a bola já teria sido chutada para o gol — e o impedimento, devido à imoralidade do nepotismo, negado. Dada essa eventual impugnação pelos parlamentares, o recuo antes do amanhecer era uma iminência.
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É a madrugada boa conselheira e às vezes articuladora dos políticos e, assim, o progenitor admitiu a possibilidade de abrir mão da nomeação do filho a fim de evitar submetê-lo ao “fracasso”. Se a votação fosse hoje ao plenário, Eduardo não teria o quórum suficiente de quarenta e um votos – dos oitenta e um parlamentares, somente quinze se posicionariam favoráveis. Conta feita, tem-se na verdade uma resposta do Congresso à insistência do clã em se embrenhar nas engrenagens estatais — nova política? Vai nessa, o fenômento ocorre cá na Terra de Vera Cruz desde o nascimento da República.
Por ora, então, segue assim: o futuro de Eduardo, no reino encantado de Donald Trump, pode entortar e não passar do sonho de uma noite de verão (com a licença de William Shakespeare, atualmente noite de inverno). Na avaliação de um grupo de consultores técnicos do Senado, baseada em súmula do STF, a indicação, se virar nomeação, se caracteriza, sim, como nepotismo. Mais: na Câmara dos Deputados, a aprovação de uma proposta desse tipo pode se tornar crime de improbidade administrativa. Diante disso, se barrado pelos congressistas, Eduardo terá de se contentar em exercer as suas prendas de fritar hambúrgueres na Barra da Tijuca ou na Praça dos Três Poderes.
Eduardo ainda não sabe para qual lado do muro será empurrado. Seu futuro na embaixada brasileira nos EUA pode durar um anoitecer
É ruim, hein…
Com o seu destempero habitual, o presidente criticou o parecer consultivo dos técnicos (viu neles viés ideológico, claro) e atirou: “Se não for meu filho, vai ser o de alguém, porra” (no final da frase, foi chulo, claro). O documento trouxe coisas com as quais, pelo menos publicamente (só publicamente, claro), Bolsonaro não pode concordar: os exemplos de países onde chefes de Estado colocaram parentes em embaixadas configuram regimes monárquicos e republicanos considerados não democráticos, como Arábia Saudita, Chade e Uzbequistão.
Longe disso, o Brasil deve ocupar a embaixada de Washington, uma das mais importantes do mundo, com diplomatas de experiência significativa e amadurecimento exigidos pelo cargo. “Se não for um funcionário de carreira, tem de ser uma personalidade excepcional”, diz o diplomata e embaixador do Brasil nos EUA no início da década de 1990, Rubens Ricupero. Tal talento, sem a carreira, possui o Brasil dois grandiosos exemplos. Oswaldo Aranha, expressivo articulador da Revolução de 1930, ministro da Justiça de Getúlio Vargas e voz fundamental na ONU, no pós-guerra, para a formação do Estado de Israel. Walter Moreira Salles, interlocutor dos principais bancos internacionais, angariou a admiração do presidente Juscelino Kubitschek pela atuação como bom conciliador.
De volta aos dias atuais, Eduardo parece não ter esse perfil. Há, no entanto, outro débito: o de ser excessivamente próximo ao governo estrangeiro. É saudável à diplomacia uma distância entre o embaixador e o chefe de Estado do país no qual ele vai funcionar, pois isso confere à relação a lucidez necessária para manter interesses e limites definidos. Eduardo, ao contrário, é deliberadamente um admirador de Trump. Assim, pelo fato de sê-lo, a sua indicação deveria não ser aprovada pelos senadores. No campo da diplomacia, para Eduardo falta um quê.
O Senado à espera de zero três
Os EUA já aceitaram o protocolo de agrément solicitado pelo Itamaraty, tradicional pedido encaminhado ao país estrangeiro pelo governo na intenção de nomear o seu embaixador. Agora, a decisão está nas mãos do Senado, cujo rito envolve a sabatina do candidato, a votação secreta na Comissão de Relações Exteriores e, em seguida, no plenário. Na última etapa, o deputado precisa de quarenta e um votos dos oitenta e um senadores.
Aviso aos navegantes: na sabatina, não lhe perguntem em inglês nada fora do feijão com arroz. Bife até vale. Eduardo atropela o idioma de Trump pois, afinal, alguém pode aprender bem o inglês e nas horas vagas fritar hambúrguer, mas ninguém consegue aprender bem o inglês nas horas vagas e dedicar a maior parte do tempo a fritar hambúrgueres.