Advogada e pastora evangélica, a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves , colecionou várias polêmicas neste início de mandato. Mas, também, transformou-se em um dos símbolos da ala ideológica do governo Bolsonaro. Ao assumir a pasta, chegou a afirmar que iria fazer valer a máxima de que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”.
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Apesar disso, nesta entrevista à ISTOÉ diz não ter nenhuma dificuldade na defesa de pautas que envolvem a comunidade LGBTI+. E também não vê obstáculos ao fato de ser assumidamente de direita, em um ministério que normalmente trata de assuntos considerados progressistas. “Qual é o primeiro direito humano? O direito à vida. Então sendo conservadora ou não, temos que lutar pelo direito à vida”, destaca a ministra.
Ela reconhece que nos seis primeiros meses de governo sofreu muitos ataques, mas nunca pensou em deixar o cargo. Para ela, no entanto, o momento mais difícil foi quando a acusaram de ter seqüestrado sua filha Lulu Kamayurá de uma comunidade indígena. “Teve um momento que me deixou muito triste. Foi quando divulgaram fatos em relação à minha filha e expuseram a vovozinha dela na imprensa”.
A senhora se envolveu em várias polêmicas, desde o início do governo, como a questão dos “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”. A senhora acha que foi mal interpretada nesses episódios?
Olha, eu não me envolvi em polêmicas como ministra. Fizeram polêmicas com falas minhas, retiradas de palestras, ou de cultos lá na igreja ou mesmo de palestras no meio acadêmico. Frases retiradas de um contexto e através disso criou-se uma polêmica. O que vi com isso? Vi maldade. Inclusive um componente de preconceito religioso. Isso ficou muito evidente. E vi também grupos que não queriam esta advogada, mãe, pastora e educadora como ministra.
Mas que grupos seriam esses?
O crime organizado, os corruptos. Eles sabiam que eu ia incomodar. Eles sabem que eu tenho uma história de luta no combate à corrupção, ao crime organizado. Então, muita gente não ficou confortável com minha vinda ao ministério. Esses grupos ligados ao crime orquestraram uma campanha contra mim. Além disso, temos uma esquerda muito ativista contra o governo Bolsonaro. Quando foi anunciado meu nome, eles pensaram: ‘então pronto, encontramos uma louca e vamos desqualificar a imagem dela, vamos ridicularizar a imagem dela’. Só que quando as pessoas começaram a entender que eram frases fora de contexto, e palavras de uma pastora, e não de uma ministra, essa tática caiu por água abaixo. A sociedade entendeu que havia uma perseguição a uma pessoa indicada para ser ministra.
A senhora chegou a pensar em deixar a pasta por causa disso?
Nunca pensei em deixar o ministério. Mas teve um momento em que eu me assustei muito. Meu coração ficou muito pesado. Foi quando indevidamente acabaram expondo a minha filha (Lulu Kamayurá, de origem indígena), quando fotos dela foram divulgadas, quando a mídia disse que eu a havia sequestrado da aldeia, quando contaram a história dela sem perguntar nada para ela, sem pedir licença. Quando expuseram a vovozinha dela, que para minha filha é um ser querido, abençoado. Aquela vovozinha é uma referência, os índios ficaram incomodados ao ver a foto da vovozinha na capa de uma revista. Eu também fiquei incomodada. Naquele momento, quando eu vi minha filha ser exposta, eu confesso que fiquei muito triste, mas não pensei em sair do ministério.
A senhora tem uma forte formação cristã e é uma mulher conservadora. Mas a pasta de Direitos Humanos sempre foi conhecida por ser progressista. É difícil conciliar a luta dos direitos humanos com essa visão conservadora?
Não tenho nenhuma dificuldade em conciliar à luta pelos Direitos Humanos com uma visão conservadora. Primeiro: qual é o primeiro direito humano? O direito à vida. Então sendo conservador ou não, temos que lutar pelo direito à vida. Não vejo nenhum conflito nisso. Acesso à educação é direito humano, acesso à moradia é direito humano, acesso à água é direito humano. Então, todas as pautas de direitos humanos não entram em conflito, de forma alguma, com o fato de eu ser religiosa ou conservadora. Pelo contrário. Jesus Cristo foi o maior defensor dos Direitos Humanos do planeta terra. Jesus Cristo veio para os excluídos. Veio restaurar a dignidade da mulher na sociedade. Jesus Cristo esteve com os abandonados, com os pobres, falou de igualdade, falou de direitos, então eu me inspiro nele. A luta pelos Direitos Humanos para mim é inspirada no maior de todos os mestres: Jesus Cristo.
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Qual é a sua avaliação destes seis primeiros meses no ministério?
Não foi um trabalho fácil. Houve várias dificuldades pelo fato de ser um ministério que está iniciando um trabalho, inclusive com atribuições de outras pastas. A minha primeira dificuldade foi a falta de estrutura financeira. Como é um ministério que se inicia, então não tem orçamento para este ministério. Mas mesmo encontrando essas dificuldades e obstáculos, o trabalho proposto foi realizado.
Quais são os projetos prioritários da pasta?
Como o ministério tem oito secretarias nacionais, todas elas são prioritárias. Eu não posso priorizar a secretaria da infância, em detrimento da do Idoso. A pasta da Juventude, em detrimento da pasta da Pessoa com Deficiência. Mas o foco geral desse ministério é o combate à violência. A violência contra a criança, violência contra a mulher, violência contra o idoso, violência contra a pessoa portadora de deficiência. Essa é a espinha dorsal.
Há alguma ação emergencial que o presidente tenha lhe solicitado?
A ação emergencial solicitada pelo presidente, e que está em curso, é exatamente a proteção da infância. O presidente tem o coração voltado para a infância e ele pretende que seja estruturado o maior pacto pela infância no Brasil. Um pacto para ações prioritárias de proteção à infância. Em uma outra ponta, ele também quer que sejam priorizadas ações de proteção aos idosos. Ele quer, ao longo de 4 anos, políticas públicas estruturantes para pessoas da melhor idade.
A senhora abriu a caixa preta das indenizações concedidas durante a era PT. O que viu de mais escandaloso?
O maior escândalo que eu vi com relação à Comissão da Anistia foi o descaso na apreciação dos requerimentos. Estamos em 2019 e vou apreciar requerimentos ainda de 2009. Isso é inadmissível. É uma falta de respeito com as pessoas que entraram com os seus requerimentos. Afinal de contas, não se demora quase dez anos para se analisar um pedido de indenização. É um absurdo. Por conta disso, tenho uma fila com mais de 9 mil requerimentos que vou ter de analisar. Nós temos que entender que essas pessoas são normalmente idosas, elas não podem esperar muito tempo. Imagino a situação de várias pessoas que estavam passando dificuldades e tendo uma indenização para receber. Encontramos também muita corrupção? Encontramos, mas o pior foi o descaso com a vida humana.
E outros processos de concessão de anistia?
Com relação à Comissão da Anistia, tomei a decisão de analisar, avaliar, rever todos os processos dos ex-cabos da FAB (hoje o Brasil paga R$ 7,4 bilhões de indenizações a ex-combatentes que nem sempre têm direito ao benefício). São em torno de 2,5 mil ex-cabos da FAB, alguns já estão recebendo indenização. Mas eu resolvi reanalisar todos os processos. Acredito que devemos detalhar esses procedimentos em breve.
Qual o seu maior objetivo no Ministério dos Direitos Humanos? Há algo que, se a senhora conseguir entregar, vai dar-se por satisfeita?
Acho que é cedo para falar em dar por terminado o trabalho no ministério. Eu ainda vou dar muito trabalho para esse ministério (risos). Mas acho que meu grande objetivo é trabalhar pela proteção à vida como um todo. Eu acho que esse é um norte, é um caminho, essa é a nossa proposta. Mas digo para vocês que se a gente conseguir diminuir o índice de violência contra a criança no Brasil, se a gente conseguir fortalecer a rede de proteção à infância, eu acho que me dou muito por satisfeita. A infância nunca foi tão atacada no Brasil e os dados do Disque 100 mostram isso.
Em relação à política LGBTI+, como a senhora tenta conciliar a sua visão cristã e conservadora com a garantia de direitos para essas comunidades?
Parto da seguinte premissa: nenhum direito será violado com relação à comunidade LGTBI+, mas nós estamos focando nosso trabalho hoje na maior necessidade dessa comunidade. Qual é a necessidade? O combate à violência. Então, da mesma forma que estamos combatendo a violência contra a criança, contra a mulher, contra idoso, contra pessoas portadoras de deficiência, nós também estamos combatendo a violência contra a comunidade LGBTI. Não vejo nenhum problema em trabalhar esta pauta e nós temos que erradicar a violência contra a comunidade LGBTI+, contra a mulher, contra a criança. E este ministério se propõe à isso.
Soubemos que a senhora relatou um certo cansaço pelo ritmo de trabalho, correto?
Eu tenho relatado que ando muito cansada. Não saio do gabinete nenhum dia antes das 22h. Isso é minha rotina. Trabalho das 9h às 22h, quando estou em Brasília. Almoço sentada no gabinete e muitas vezes eu almoço despachando e atendendo pessoas. Você pode perguntar aos servidores ou às próprias visitas. Às vezes eu peço desculpas ao visitante, pego meu prato e almoço no gabinete junto com a visita. Tem sido assim, muito trabalho. Ficou um ministério muito grande, nós temos muitas demandas, mas além do trabalho intenso dentro do ministério, tem as viagens pelo Brasil inteiro e as pautas internacionais. Eu confesso que estou muito cansada, dormindo quatro horas por noite, mas isso não me desanima.
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A saída de vários ministros no início do governo abalou a senhora de alguma forma, trouxe algum medo na linha “a próxima pode ser eu”?
A saída dos outros ministros não me abalou. Me deixou triste, porque tenho carinho pelos colegas. E ninguém pode se apegar ao cargo. Não entendo essas saídas como algo absurdo. É um momento de ajuste, de a gente deixar a equipe organizada. Muita gente que veio acabou não dando certo. Eu mesma ainda tenho feito mudanças no ministério. Os seis primeiros meses são de ajustes. Então não vejo as mudanças de ministros como absurdas. Também não tive nenhum receio de deixar o ministério. Só quero cumprir bem minha missão.