Nove perguntas e respostas para entender a condenação de Lula no caso do sítio
Sítio é do Lula? Quais foram as reformas? Quem pagou? Entenda a decisão que adicionou mais 12 anos e 11 meses ao tempo de prisão do ex-presidente
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu, nessa quarta-feira (6), sua segunda sentença condenatória na Operação Lava Jato . Desta vez, o petista foi condenado a cumprir 12 anos e 11 meses de prisão por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro envolvendo o sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP). Confira abaixo perguntas e respostas sobre a sentença proferida pela juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, a respeito do sítio de Atibaia.
Confira nota da defesa de Lula sobre condenação no caso do sítio de Atibaia aqui
1 - O que o Lula fez?
De acordo com o entendimento da juíza Hardt, o ex-presidente foi beneficiário de R$ 1,02 milhão em obras realizadas no sítio de Atibaia , frequentado por ele e sua família no interior paulista. As reformas foram realizadas em três momentos distintos, primeiramente às custas do pecuarista José Carlos Bumlai, depois por ação da Odebrecht e, por último, pelas mãos de empreiteiros da OAS.
Apesar de as três reformas somarem R$ 1,02 milhão, a sentença desta quarta-feira não alcança o valor de R$ 150,5 mil empregado por Bumlai porque Hardt considerou que não ficou comprovada "a participação ou ao menos a ciência inequívoca de Lula " em relação às obras custeadas pelo pecuarista, uma vez que elas foram pedido direto da ex-primeira-dama Marisa Letícia. Desse modo, a nova sentença diz respeito a um total de R$ 870 mil em vantagens indevidas a Lula (R$ 170 mil da OAS e R$ 700 mil da Odebrecht).
2 - Por que essas empresas pagaram vantagem indevida a Lula?
A força-tarefa de procuradores que atuam na Lava Jato convenceu a juíza de que a Odebrecht realizou as reformas em favor de Lula e sua família em razão de quatro contratos firmados entre a empresa e a Petrobras: dois para obras no Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) e dois na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
Em relação à OAS, o pagamento estava ligado ao chamado "caixa geral de propinas" devidas pela construtora ao Partido dos Trabalhadores (PT) em razão do contrato para ampliação do centro de pesquisas e desenvolvimento da Petrobras (Cenpes). Esse esquema, no entanto, já motivou condenação de Lula em outra ação penal, a do caso tríplex . Portanto, apesar de Hardt considerar o ex-presidente culpado nesse episódio de corrupção passiva, a pena para esse delito específico acabou não sendo levada em conta ao fim da nova sentença para evitar que Lula fosse punido duas vezes pelo mesmo crime.
O caso do dinheiro empregado por Bumlai é um pouco mais complexo. Amigo pessoal de Lula, o pecuarista tinha dívida com o banco Schahin por um empréstimo obtido em 2004. Anos mais tarde, em 2009, a Petrobras contratou a Schahin (por meio de processo que envolveu gestão fraudulenta e corrupção) para operar o navio-sonda Vitória 10.000 e a empresa quitou, de forma também fraudulenta, a dívida de Bumlai. Foi com esse alívio financeiro, e com o uso de empresas ligadas a si, que o pecuarista custeou as reformas pedidas pela Dona Marisa.
3 - Então, se as empresas pagaram Lula por conta de benefícios junto à Petrobras, significa que o ex-presidente sabia do petrolão?
Significa. Ao menos, é assim que entende a juíza Hardt. A magistrada escreveu em sua sentença que Lula era o "garantidor maior do esquema criminoso" acerca da Petrobras.
"Há como se concluir que o ex-presidente era o responsável pela indicação e manutenção dos diretores da Petrobras que foram fundamentais para sistematização do esquema criminoso", apontou Gabriela Hardt .
"[Lula] tinha ciência de que havia o pagamento sistemático de propinas destinadas ao partido do qual faz parte; tinha plena ciência de que parte desses valores foram usados em seu benefício pessoal. [...] Comprovado ainda que o réu Luiz Inácio Lula da Silva teve participação ativa neste esquema, tanto ao garantir o recebimento de valores para o caixa do partido ao qual vinculado, quanto recebendo parte deles em benefício próprio. Tais verbas foram recebidas indevidamente em razão da função pública por ele exercida, pouco importando pelo tipo penal se estas se deram após o final do exercício de seu mandato", escreveu.
4 - E, afinal, o sítio é de Lula?
Não. O sítio Santa Bárbara pertence a Fernando Bittar, empresário e filho de Jacó Bittar, amigo da família Lula da Silva. Mas essa não é a questão central da ação penal. A própria magistrada de Curitiba destacou que o processo "não passa pela discussão sobre a propriedade formal do sítio, pois a denúncia narra 'reforma e decoração de instalações e benfeitorias' que teriam sido realizadas em benefício de Luiz Inácio Lula da Silva e família".
O efetivo usufruto da família do ex-presidente foi atestado por diversos fatores. Análise nos aparelhos do Sem Parar de veículos utilizados pela segurança pessoal do ex-presidente constataram 546 deslocamentos pelas rodovias que levam ao imóvel. Isso apenas no período de 2011 a 2016 - média de uma viagem a cada 4 dias (números contestados pela defesa de Lula).
Também foram encontrados diversos objetos pessoais de Lula e sua família no sítio , como uma agenda em nome do petista e "apetrechos de pesca" gravados com o nome de Marisa Letícia.
Além disso, também foram localizados diversos e-mails enviados pelo zelador do sítio, conhecido como "Maradona", a pessoas ligadas ao ex-presidente. Dentre essas mensagens, havia uma que mencionava a instalação de câmera de vigilância na "porta principal da residência do Fábio", numa referência a Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente conhecido como Lulinha.
O ex-presidente e Fernando Bittar confirmaram que Lula e Dona Marisa chegaram a discutir a compra do imóvel , mas Jacó Bittar não quis vendê-lo.
"Sendo proprietário ou não do imóvel, é fato incontroverso que foram efetuadas reformas e comprados objetos para atender interesses de Luiz Inácio Lula da Silva e de sua família. Em razão de algumas destas reformas, em especial em razão dos significativos valores gastos nelas, e das empresas que as realizaram, foi imputado ao ex-presidente crimes de corrupção e
lavagem de dinheiro", pontuou a juíza Hardt.
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5 - Quais foram as tais reformas realizadas no sítio?
A primeira rodada de obras no sítio envolveu a criação de espaço para armazenamento do acervo patrimonial do ex-presidente e outras "benfeitorias". Os serviços foram realizados em 2010 e foram "coordenados" por Bumlai, que desembolsou R$ 150,5 mil naquele momento.
"Restou comprovado apenas que José Carlos Bumlai realizou reformas no sítio de Atibaia,
atendendo a pedido da falecida primeira-dama, e em benefício da família do presidente. Para tanto, utilizou meios de ocultação e dissimulação no intuito de desvinculá-lo das obras, efetuando os pagamentos por meio de uma empresa inativa e emitindo notas fiscais em nome do arquiteto responsável, buscando não deixar rastros dos valores ilícitos empregados", escreveu Hardt.
No fim de 2010, a Odebrecht foi chamada para concluir as obras de Bumlai. A empresa providenciou a construção de um anexo à sede, com quatro suítes; reparos em vazamento na piscina; a construção de uma sauna; a construção de um campo de futebol; a construção de uma guarita; a realização de acabamento na sede; a construção de uma adega e de um quarto de empregada; e a conclusão de uma casa para acomodação de seguranças. Essas reformas foram finalizadas entre fevereiro e março de 2011.
A Lava Jato apurou que a Odebrecht efetuou todos os pagamentos referentes à reforma em dinheiro vivo, "no intuito de não deixar rastros de quem era o pagador". Os serviços custaram R$ 700 mil. A juíza de Curitiba foi convencida de que Lula "teve ciência" das obras realizadas pela construtora, uma vez que o petista foi informado sobre o cronograma e até mesmo chegou a visitar o sítio quando ainda faltavam alguns acabamentos no imóvel.
Por último, já em 2014, a OAS foi acionada por Lula e Marisa, que "tinham interesse em melhorar a cozinha do sítio de Atibaia". Eles procuraram Léo Pinheiro, dono da construtora, o qual "teria se prontificado a realizar a reforma, abatendo o valor gasto dos acertos de propinas que tal empreiteira mantinha com o Partido dos Trabalhadores".
Foi contratada a empresa Kitchens para atender ao projeto para cozinha, que custou total de R$ 170 mil. Segundo a Lava Jato, Lula acompanhou o arquiteto responsável pela reforma, Paulo Gordilho , e chegou a recebê-lo em sua casa, em São Bernardo do Campo, para discutir detalhes do projeto.
6 - Quais as provas usadas contra Lula?
A sentença da juíza Gabriela Hardt se baseia em e-mails , recibos, planilhas, relatórios e, especialmente, em depoimentos prestados por réus, testemunhas e delatores – mesmo que no âmbito de outras ações penais.
Uma das provas usadas contra Lula são os recibos referentes à compra de materiais usados na reforma realizada pela Odebrecht no sítio. Essas notas foram encontradas no apartamento do ex-presidente no ABC Paulista durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão.
Ao comentar o suposto crime de corrupção, Hardt ponderou: "Os delitos de corrupção não são cometidos publicamente, busca-se não deixar rastros e dificilmente é possível a comprovação por testemunhos que não os de pessoas diretamente a eles vinculados. Portanto, à palavra dos envolvidos tem que se dar alguma credibilidade, em especial quando se constatam vários depoimentos no mesmo sentido, corroborados, mesmo que parcialmente, por outros elementos probatórios".
Mais à frente, a magistrada complementou: "Não há, de fato, prova de qual foi exatamente o valor pago a título de propina ao Partido dos Trabalhadores nos quatro contratos citados na denúncia que foi empregado diretamente no pagamento de campanhas ou de despesas pessoais de dirigentes do partido, entre eles Luiz Inácio Lula da Silva. Contudo, esse rastreamento específico não seria possível, pois, além do dinheiro ser um bem fungível, seria dificultado pela forma adotada pelo grupo Odebrecht para realizar 'pagamentos não contabilizados'".
7- Quem mais foi condenado?
Além do ex-presidente, outras nove pessoas foram condenadas nessa ação da Lava Jato. São elas:
- Léo Pinheiro, condenado a 1 ano e 7 meses de prisão por lavagem de dinheiro;
- José Carlos Bumlai, condenado a 3 anos e 9 meses de prisão por lavagem de dinheiro;
- Emílio Odebrecht, condenado a 3 anos e 3 meses de prisão por lavagem de dinheiro;
- Alexandrino de Salles Ramos Alencar, 4 anos de prisão por lavagem de dinheiro;
- Carlos Armando Guedes Paschoal, condenado a 2 anos de prisão por lavagem de dinheiro;
- Emyr Diniz Costa Junior, condenado a 3 anos de prisão por lavagem de dinheiro;
- Roberto Teixeira, condenado a 2 anos de prisão por lavagem de dinheiro;
- Fernando Bittar, condenado a 3 anos de prisão por lavagem de dinheiro;
- Paulo Roberto Valente Gordilho, condenado a 3 anos de prisão por lavagem de dinheiro.
8 - O que vai acontecer com o sítio?
O sítio Santa Bárbara, embora tenha sido comprado regularmente pela família Bittar, teve o sequestro determinado pela juíza de Curitiba, que disse "não vislumbrar como realizar o decreto de confisco somente das benfeitorias" – essas sim realizadas de modo ilícito.
Após a alienação do imóvel, serão devolvidos R$ 500 mil aos proprietários (valor equivalente ao pago pelo terreno, em 2010). A magistrada fixou também multa em valor superior a R$ 85,4 milhões para reparação de danos.
9- E o que acontece agora com Lula?
As defesas de Lula e de outros réus já informaram que irão recorrer da sentença . Isso poderá ser feito primeiramente à própria 13ª Vara Federal de Curitiba, por meio de embargos. Após o envio à segunda instância, o caso ficará sob responsabilidade do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), em Porto Alegre.
O cumprimento da pena imposta a Lula ficará a encargo da juíza Carolina Lebbos, da Vara de Execuções Penais de Curitiba. É essa magistrada que já cuida do cumprimento da sentença imposta ao ex-presidente no caso tríplex, que rendeu condenação ao petista de 12 anos e 1 mês de cadeia, também por corrupção e lavagem.
Preso desde abril do ano passado na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Lula ainda aguarda mais uma sentença na Lava Jato, em ação sobre a compra de um terreno para o Instituto Lula pela Odebrecht e o aluguel de um apartamento em São Bernardo do Campo (em esquema semelhante ao do sítio de Atibaia
). O ex-presidente também responde a um processo na Justiça Federal em São Paulo, e mais quatro na Justiça Federal em Brasília. Lula nega todas as acusações.