Fragmentação partidária do Congresso Nacional eleito em 2018 será desafio para governabilidade do próximo presidente
Mario Roberto Duran Ortiz Mariordo/Wikipedia
Fragmentação partidária do Congresso Nacional eleito em 2018 será desafio para governabilidade do próximo presidente

Nunca foi tão difícil negociar com o Congresso Nacional quanto será para o próximo presidente da República, seja ele Fernando Haddad (PT) ou Jair Bolsonaro (PSL). Essa é a principal conclusão da análise feita a partir das bancadas formadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal com os deputados e senadores eleitos nas eleições 2018 e que tomam posse em fevereiro de 2019. Tudo isso por conta do alto índice de fragmentação partidária que se fará presente no Congresso Nacional a partir do ano que vem.

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Segundo os dados oficiais e consolidados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após a  apuração de 100% das urnas eletrônicas de todo o País, dos 35 partidos existentes no Brasil atualmente, 30 conseguiram eleger pelo menos um deputado e estarão representados na Câmara dos Deputados. Isso indica que a fragmentação partidária da maior casa legislativa do País aumentou consideravelmente já que na eleição de 2014 "apenas" 25 partidos ocupavam pelo menos uma das 513 cadeiras disponíveis, segundo dados da Agência Câmara.

Os resultados das eleições 2018 para o Senado Federal, por sua vez, também não foram muito diferentes. Nele, o número de partidos que conseguiram pelo menos uma das 81 cadeiras subiu de 15 para 20. Dessa forma, o próximo chefe do Executivo nacional, posto que está sendo disputado no 2º turno entre Bolsonaro e Haddad, terá muita dificuldade para conseguir a chamada " governabilidade ".

A dimensão do problema pode ser calculada por um indicador proposto em 1979 pelo politólogo finlandês Markku Laakso e pelo estoniano Rein Taagepera chamado "número efetivo de partidos".

Essa medida, calculada por uma fórmula matemática, leva em consideração não apenas o número de partidos eleitorais que compõem, por exemplo, a Câmara dos Deputados, como também o tamanho de cada bancada em relação ao total de cadeiras do Congresso e à representatividade das demais legendas, ou seja, o seu peso relativo ponderado de representação na Casa.

Segundo essa métrica, o Brasil conseguiu bater seu próprio recorde nas eleições 2018 e tornou-se uma aberração mundial com um número efetivo de partidos menor apenas que o da Papua-Nova Guiné, pequeno país da Oceania. Isso porque, se entre 1989 e 2010 o índice ficou perto de 9, nas eleições de 2014 se elevou para 13,4 e agora em 2018 subiu novamente para 16,4.

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A título de comparação, em outras democracias esse indicador fica no intervalo de 3 a 6. Nesses parlamentos, o partido que consegue eleger a maior bancada geralmente tem em torno de 40% dos votos. No Brasil, desde 1989 o partido mais votado não passa de 21%. Enquanto isso, em 2018, o PSL, partido que obteve a maior quantidade de votos válidos, não superou os 11%, ou seja, a fragmentação partidária brasileira, que já era uma das maiores do mundo, aumentou ainda mais.

Para ficar mais claro como esse cálculo é feito, imagine dois cenários em que o Congresso é composto por 100 deputados e 10 partidos. No cenário A, cada partido conseguiu eleger 10 deputados. Já no cenário B, dois partidos conseguiram eleger 46 deputados cada e os outros oito partidos conseguiram eleger apenas 1.

Pensando assim, é fácil perceber que o parlamento do cenário A é bem mais fragmentado do que o B já que, na medida ponderada, apenas dois partidos tem poder na tomada de decisão. Resumidamente, no cenário A o número efetivo de partidos seria 10, e no cenário B o número seria de apenas 2.

Se serve de alento, não por coincidência, os dois partidos que ainda seguem na disputa das eleições majoritárias para presidente elegeram as maiores bancadas da Câmara.

O PT de Haddad conseguiu manter a dianteira na Casa, posto que conseguiu após as mudanças da última janela partidária , mas também viu sua representação diminuir: o partido que tinha eleito 69 deputados em 2014 conseguiu eleger "só" 56 em 2018.

Já o PSL de Bolsonaro, apesar de ficar no segundo lugar, não tem do que reclamar, uma vez que o partido saltou de apenas 1 deputado eleito em 2014 para 52 em 2018, um feito sem precedentes com direito a quebra de recorde de votos num mesmo candidato: justamente o filho do presidenciável Eduardo Bolsonaro eleito por São Paulo, com 1.843.735 votos válidos (8,74%).

De qualquer forma, nenhum dos dois partidos passa perto de ter representatividade suficiente para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que exige três quintos (3/5) dos votos da Câmara dos Deputados em duas votações, e tampouco um Projeto de Lei (PL), que exige maioria simples na Casa como, vale dizer, já é comum de acontecer no Brasil.

Para tentar contornar isso, existem as chamadas coligações partidárias. Foi com amplas coligações – como a que o candidato à Presidência pelo PSDB, Geraldo Alckmin, tentou fazer nestas eleições – que a maioria dos presidentes que o País já teve conseguiu governar.

Mas, desta vez, nenhum dos dois partidos que disputam o 2º turno tem esse nível de apoio pré-estabelecido. Mesmo considerando os partidos que fazem parte da coligação somados àqueles que já declararam apoio aos presidenciáveis no 2º turno, nenhum dos candidatos consegue a maioria da Casa por conta própria – isso, em grande parte, graças à grande quantidade de partidos que resolveu  optar pela neutralidade na disputa .

Oficialmente, o PT sai na frente novamente. Considerando a chapa formada pelo próprio partido, pelo PCdoB e pelo PROS, a coligação "O Povo feliz de novo" reúne 73 deputados eleitos que se somados aos apoios formais do PSOL, PSB, PPL, PDT e PSTU chegam a 144. O número não deixa de ser importante, já que, se não chega perto dos 338 deputados necessários para aprovar uma PEC, se aproxima pelo menos dos 169 suficientes para barrar que uma PEC seja aprovada.

Já a situação do PSL é mais complicada. Apesar do partido ter eleito 52 deputados, o seu único companheiro na chapa "Brasil acima de tudo. Deus acima de todos", o PRTB, não elegeu um deputado sequer. Dessa forma, mesmo somando os apoios formais do PTB e do PSC, a bancada fiel a Bolsonaro não ultrapassa os 70 deputados, insuficiente até para fazer uma boa atuação como eventual oposição.

A favor de Bolsonaro, no entanto, pesam duas coisas. Em primeiro lugar, o baixo número de apoios de partidos ao candidato do PSL pode ser rebatido com o argumento de que o próprio presidenciável declarou que não buscaria apoio de legendas, mas sim de algumas de suas lideranças. Com um discurso forte contra o sistema, a campanha de Bolsonaro entende que se associar a partidos, a maioria deles envolvida em casos de corrupção, poderia atrapalhar mais do que ajudar.

Além disso, por mais contraintuitivo que isso possa parecer, se eleito, Bolsonaro poderá contar com o apoio dos partidos do chamado "centrão", um bloco de legendas partidárias que tradicionalmente se alia ao governo independente de quem seja. Esse bloco, composto por DEM, PP, PR, Solidariedade e PRB e que apoiou Alckmin no 1º turno, elegeu 142 deputados e declarou neutralidade no 2º turno, mas estará disponível para montar seu famoso "balcão de negócios" seja quem for o presidente eleito.

A estes se somam legendas importantes como o próprio MDB, que, apesar de não integrar oficialmente o bloco, também esteve na base governista desde a redemocratização em 1989, não importa quem fosse o presidente. O partido encolheu substancialmente nestas eleições, já que teve 65 deputados eleitos em 2014 e agora passa a ter apenas 34. De qualquer forma, dada a alta fragmentação partidária, o partido ainda conta com a quarta maior bancada da Câmara.

No Senado, por sua vez, a importância do MDB é ainda maior. Enquanto PT e PSL conseguiram eleger 4 senadores cada e passaram a contar com bancadas de 6 e 4 parlamentares, respectivamente, o partido do atual presidente da República, Michel Temer, e do Senado, Eunício Oliveira, conseguiu formar a maior bancada com 12 senadores, depois de eleger 7 candidatos.

O problema é que dentro do MDB há tanto lideranças que defendem o apoio a Bolsonaro, como o atual governador do Rio Grande do Sul e candidato à reeleição que disputa o 2º turno, José Ivo Sartori, quanto lideranças que defendem o apoio a Haddad, como o atual governador de Alagoas já reeleito com o apoio do PT no estado, Renan Filho. Algo que torna praticamente impossível que sua bancada completa vote a favor ou contra um Projeto de Lei ou de Emenda à Constituição.

A esperança de PT e PSL para tentar aumentar a governabilidade de Haddad ou de Bolsonaro, respectivamente, diz respeito à possibilidade de mudanças de partido – uma brecha aberta por conta da cláusula de barreira que vai afetar 14 dos 35 partidos que existem no Brasil. Dentre eles, nove partidos que juntos elegeram 32 deputados: PCdoB, PHS, Patriotas, PRP, PMN, PTC, PPL, Rede e Democracia Cristã.

Segundo cientistas políticos, essa cláusula, a mesma que  barrou a eleição de sete candidatos do PSL e impediu que o partido obtivesse a maior bancada da Câmara, pode, curiosamente, tornar o partido o maior da Casa de outro jeito e ajudar na construção da base parlamentar de Bolsonaro.

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Agência Câmara

Partidos que não atingiram um mínimo de desempenho nas eleições para deputado federal perderam acesso ao fundo partidário, mas cláusula de barreira pode ajudar a diminuir a fragmentação partidária

Isso porque esses 11 partidos afetados não conseguiram preencher os requisitos mínimos previstos pela nova legislação de eleger pelo menos nove deputados em nove estados; ou ter um desempenho nas urnas que garantisse 1,5% dos votos válidos para deputado federal no País inteiro (calculado este ano em 1.475.085 votos), distribuído em pelo menos nove unidades da federação e com ao menos 1% de votos em cada um deles; e assim perderam acesso ao fundo partidário , uma reserva financeira usada para o custeio dos partidos políticos que soma neste ano R$ 888,7 milhões, e ao horário eleitoral gratuito nas próximas eleições.

Para não prejudicar os parlamentares eleitos por um desses partidos, a regra também prevê que eles possam mudar de partido sem sofrer consequências, como a própria perda do mandato (regra que existe para os demais). Dessa forma, as outras legendas já estão tentando atrair esses parlamentares como forma de aumentar suas bancadas e, portanto, seu poder de barganha dentro da Câmara e do Senado.

Ciente disso, numa reunião realizada no Rio de Janeiro na última quinta-feira, entre Jair Bolsonaro e a bancada eleita do PSL, a ordem para ir atrás desse grupo de parlamentares foi dada, tendo em vista o sucesso eleitoral de Bolsonaro e a onda de popularidade que faz do candidato o favorito na disputa pela Presidência da República.

Por ora, não está claro qual o caminho que cada um desses partidos e de seus respectivos parlamentares vai tomar, mas além de ser ideologicamente improvável que um dos nove deputados eleitos pelo PCdoB se alie a Bolsonaro, partidos como a Rede – que conta com apenas um deputado eleito, mas com cinco senadores – devem acabar se unindo com o PV e cumprindo a promessa feita pela candidata derrotada do partido à Presidência, Marina Silva, de que não importa o vencedor do 2º turno, a Rede fará oposição.

Fragmentação partidária não é a única a dificultar governabilidade

Além da fragmentação partidária do Congresso Nacional, próximo presidente, Jair Bolsonaro (PSL) ou Fernando Haddad (PT), terá que encarar renovação política e inexperiência dos parlamentares
Arquivo/Agência Brasil
Além da fragmentação partidária do Congresso Nacional, próximo presidente, Jair Bolsonaro (PSL) ou Fernando Haddad (PT), terá que encarar renovação política e inexperiência dos parlamentares

Fora a fragmentação partidária, no entanto, um outro problema que o novo presidente terá que encarar é a renovação do Congresso Nacional . Assim como o número de partidos, a taxa de renovação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal nunca foi tão grande.

O levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) indicou que a taxa de renovação na Câmara superou as expectativas e alcançou 52% nas eleições deste ano. Com isso, 267 novos deputados federais vão assumir o mandato no próximo ano. É o maior índice de renovação dos últimos 20 anos, informa a pesquisa. Desde 1990, esse percentual só foi ultrapassado na eleição de 1990, quando o índice foi de 62%, e em 1994, quando a renovação foi de 54%.

Enquanto isso, no Senado Federal, de cada quatro senadores que tentaram a reeleição em 2018, três não conseguiram. Essa estatística marca a eleição mais surpreendente da história recente da Casa uma vez que, desde a redemocratização do país, não houve um pleito que trouxesse tantas caras novas para o Senado. No total, das 54 vagas em disputa neste ano, 46 serão ocupadas por novos nomes — renovação de mais de 85%.

Isso pode parecer desejável, e no caso do Brasil realmente é, mas também dificulta o trabalho do futuro governo já que boa parte dos jogadores estará aprendendo a jogar durante o jogo, por assim dizer. E, segundo os cientistas políticos, o jogo é difícil.

A renovação, no entanto, é uma indicação de êxito das intenções dos eleitores dado que desde as manifestações de 2013, que contestaram o sistema político e sua representatividade, houve ascensão de uma espécie de rejeição aos políticos tradicionais – que foi muito bem capitalizada pela candidatura à Presidência de Jair Bolsonaro e de toda a bancada do PSL.

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Por isso mesmo, o funcionamento do sistema político e da governabilidade como conhecemos foi praticamente inviabilizado pelos votos depositados nas urnas eletrônicas. Resta saber se a fragmentação partidária no Congresso Nacional vai ser superada pelas forças do próprio sistema, vai desenhar um novo pacto constitucional entre Executivo e Legislativo ou resultará num governo congelado e incapaz de promover as mudanças e reformas estruturantes que são unanimidade nas propostas de ambos os candidatos à Presidência.

*Com informações da Agência Brasil, Agência Câmara, Agência Senado e do Tribunal Superior Eleitoral

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