O Museu Nacional do Rio de Janeiro foi destruído por um incêndio na noite desse domingo (2). A instituição de 200 anos contava com mais de 20 milhões de peças, dentre elas, o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo da América . Ele foi estudado e batizado pelo bioantropólogo Walter Neves, que, nas eleições de 2018, tenta se candidatar a deputado federal para criar uma “bancada do conhecimento”, a fim de colocar a ciência em pauta no Congresso.
“Soube e estou absolutamente estarrecido com a notícia de que o Museu Nacional do Rio de Janeiro está sendo devorado pelo fogo. Infelizmente, isso não era uma questão de 'se ia acontecer', mas de quando isso iria acontecer, porque o museu vem sofrendo um descaso público de décadas”, disse o candidato à “ bancada do conhecimento ” em vídeo publicado ontem no Facebook.
“Provavelmente, ou certamente, o Museu Nacional tem as coleções museográficas e museológicas mais importantes do País. Entre eles, para minha maior tristeza, está o crânio da Luzia, o crânio mais antigo da América”.
Em 1998, Neves apresentou os resultados de sua pesquisa sobre o fóssil de aproximadamente 12 mil anos, que, encontrado em Minas Gerais, revolucionou os estudos sobre a pré-história na América do Sul.
Vinte anos depois, o pesquisador defende a importância de museus de história, como o Museu Nacional do Rio de Janeiro, para a divulgação científica, e faz parte do movimento Cientistas Engajados, criado em março deste ano como uma maneira de resistência aos problemas orçamentários e de políticas públicas de ciência e tecnologia no Brasil.
O grupo, junto do Partido Pátria Livre (PPL), lançou a candidatura do professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), e também a de Mariana Moura, doutoranda na USP, que tenta ser eleita deputada estadual pelo estado de São Paulo.
Com diversas propostas para a ciência e tecnologia e também para outras questões da sociedade, os dois têm um objetivo em comum: a criação de um projeto de nação pelo desenvolvimento científico.
"Ausência de cientistas no Congresso motiva corte de verbas para pesquisas"
Ao iG , o cientista mineiro explica que a ideia de lançar candidaturas de cientistas surgiu pouco tempo após a criação do Cientistas Engajados. Esse grupo, por sua vez, foi inspirado em um movimento dos Estados Unidos, que tenta influenciar a administração a fomentar a ciência no país.
“Éramos muito poucos no projeto. Sob a liderança da Mariana Moura, chegamos à conclusão de que existem associações de cientistas no Brasil que fazem pressão no Congresso, mas isso não atinge os parlamentares. Lá, não tem nenhum cientista que possa defender a causa da ciência e tecnologia”, detalha o pesquisador, que coordenava o Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP.
“Como estou recém-aposentado, 'sobrou para mim'. Não foi uma ação voluntária, mas um pedido dos cientistas porque, dos que estavam desde o começo no Cientistas Engajados, eu era o mais disponível e popular por causa da pesquisa da Luzia . Eles acharam que eu teria mais probabilidade de angariar votos”, explica ao iG .
O candidato a deputado federal pelo Partido Pátria Livre (PPL) atribui a falta de cientistas como um dos motivos para o constante corte de verbas e recursos em pesquisa, que mostram a desvalorização da ciência e tecnologia pelos órgãos políticos. Para Neves, isso acontece porque o tempo da ciência não é o mesmo tempo da política.
“Na questão da ciência aplicada, você começa a desenvolver hoje alguma empreitada, e vai colher seus frutos, na melhor das hipóteses, daqui 10 ou 15 anos”, disse. Dessa forma, o baixo interesse em fomentar a ciência teria uma justificativa legítima, já que os governantes têm que dar satisfações ao seu eleitorado em um curto prazo. Contudo, ele ressaltou que o investimento não pode ser congelado por causa disso.
Justamente porque a ciência é uma tarefa de longo prazo, ela precisa de recursos estáveis ao longo dos anos. “Estão aplicando 1% do PIB atualmente. Não adianta ter isso hoje, depois pular para 3% e depois voltar para 1%. Precisamos ter uma garantia de estabilidade orçamentária", critica.
Assim, se uma mudança nos investimentos corta uma pesquisa durante sua realização, provavelmente será preciso recomeçá-la no zero quando for retomada. "Cortar fundos de ciência e tecnologia, que não são um gasto, mas, sim, um investimento, é dar um tiro nessa continuidade que precisa existir”, aponta o pesquisador.
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Propostas do candidato a deputado federal da “bancada do conhecimento”
Uma das propostas do candidato é a recuperação orçamentária da ciência, aumentando os investimentos em 0,5% ao ano, já a partir de 2019, para conseguir atingir o ideal de 3,5% do PIB destinados à ciência e tecnologia. Desde valor, ao menos 10% deveriam ser destinados à divulgação do trabalho científico ao grande público. “Nunca vamos ser apoiados se as pessoas não souberem que há cientistas e que se faz ciência de boa qualidade no Brasil”, pontua.
Um dos vetores da divulgação científica são os museus, que, assim como o Museu Nacional, destruído pelo fogo no começo da semana, se propõem a levar o conhecimento produzido e descoberto nas universidades para a população. Por isso, Neves defende que sejam criados cinco grandes museus de história natural com esse intuito.
O pesquisador também possui propostas que ultrapassam a questão científica. Uma delas, citada como a mais importante para o professor, é a erradicação da fome no País. “Mesmo com o Bolsa Família, que é uma merreca, você tem 52 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, 13 milhões delas passando fome”.
Segunda ele, o projeto consiste em estender o investimento no Bolsa Família. Ele gostaria que fosse destinado 1,5% no PIB no programa, no lugar dos atuais 0,6%. Além disso, o candidato também cita a criação da "Lei Marielle", que torna o assassinato de ativistas dos direitos civis e humanos crime hediondo, o retorno do debate sobre o projeto de lei que faz da homofobia crime e a taxação de grandes fortunas.
Walter Neves é doutor em Ciências Biológicas pela USP, com pós-doutorados pelo Center for American Archeology , da americana Universidade de Northwestern, e pelo Departamento de Antropologia da USP.
Pesquisadores teriam como objetivo discutir a questão científica
Líder do projeto Cientistas Engajados , Mariana Moura é a outra pesquisadora do grupo a tentar uma vaga no parlamento. Candidata a deputada estadual de São Paulo, Moura explicou que a ideia de disputar as eleições de 2018 surgiu da necessidade de discutir ciência e tecnologia no Brasil. “Vamos utilizar o ano eleitoral para discutir os investimentos. Como? Com candidatos para ter espaço e discutir essa pauta”, explicou.
Moura detalhou que foram utilizados três critérios para selecionar o partido pelo qual vão concorrer. “Teria que ser um partido sem envolvimento com corrupção, que assumisse a pauta da ciência e tecnologia e que nos desse possibilidade de elegibilidade", enumera.
Para a doutoranda na Universidade de São Paulo, a necessidade da presença de cientistas, tanto no Congresso Nacional quando nas Assembleias Legislativas estaduais, existe por causa da falta de um projeto de nação que inclua a ciência e tecnologia.
“Todos os governos dos últimos 40 anos não sabiam para onde estavam indo e perderam o foco. Falta de projeto mesmo. Aí a gente apresenta esse projeto dos Cientistas Engajados e de outros membros da academia, que têm levado propostas para os candidatos à presidência”.
Dessa forma, os parlamentares pesquisadores teriam como um de seus objetivos discutir a questão científica no Brasil, como no exemplo citado pela pesquisadora, de impedir manobras como o projeto de lei que, aprovado em junho por uma comissão legislativa, quer flexibilizar o uso de agrotóxicos.
Projetos para a ciência em âmbito estadual
Diferente de Neves, as propostas de Moura focam na questão científica. Para a pesquisadora, é importante pautar na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a criação de um plano estadual de ciência e tecnologia. Ela explica que, mesmo São Paulo sendo o estado com o maior investimento e infraestrutura em pesquisa, não há um objetivo determinado, assim, os estudos ficam sem direcionamento e meta.
Além disso, ela também propõe o aumento do financiamento a partir de um redirecionamento de recursos, o aumento dos investimentos desde o ensino básico, com professores formados nas áreas de ciência básica e escolas equipadas com laboratórios, a manutenção de universidades como centros de pesquisa de base e o investimento em institutos de pesquisa e parques tecnológicos, como produtores de tecnologia.
A cientista também ressaltou a importância da bolsas de pós-graduação, que essenciais para o desenvolvimento da ciência, foram amplamente discutidas nas últimas semanas após o presidente do Conselho Superior da Capes, Abílio Neves, enviar uma carta ao ministro Rossieli Soares dizendo que um teto limitando o orçamento, repassado à instituição, resultaria em cortes de bolsas em 2019.
“O corte de bolsas é um crime contra o futuro do Brasil, é tirar o salário e a possibilidade de viver de quem está fazendo pesquisa e trazendo desenvolvimento ao Brasil”, disse. “Brigar por 300 mil reais para o pagamento de bolsas é brigar por migalhas, e o País não pode mais continuar fazendo isso, precisamos discutir um investimento real. As bolsas têm que ser garantidas, aumentadas e reajustadas”.
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Graduada em Relações Internacionais e mestre em Energia pelo Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), a candidata à “ bancada do conhecimento ” também é doutoranda na USP com pesquisa sobre a transferência de valores na cadeia energética. Tanto a candidatura de Moura quanto a de Neves aguardam julgamento, segundo informações do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).