O juiz Sérgio Moro julgou improcedente o incidente de falsidade apresentado pela força-tarefa de procuradores da Lava Jato sobre os recibos de aluguel entregues pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A legitimidade dos documentos foi contestada após os advogados de Lula apresentarem os recibos visando comprovar a locação de apartamento que pertence a Glaucos da Costamarques em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. O usufruto do imóvel é objeto de ação penal que investiga se o apartamento configura vantagem indevida oferecida pela Odebrecht ao ex-presidente.
Em sua decisão, proferida nesta quarta-feira (7), o juiz Sérgio Moro alegou que é "incontroverso que os recibos dos aluguéis não são materialmente falsos". Ainda assim, o magistrado não afastou a possibilidade de os documentos serem "ideologicamente falsos", conforme alega o MPF .
A falsidade ideológica, segundo explicou Moro, configura-se quando "o documento é materialmente verdadeiro, mas o nele contido não corresponde à realidade". O juiz deu como exemplo "uma declaração de fato que não ocorreu".
Moro considerou que, para verificar a falsidade "ideológica", seria necessário entrar no mérito da ação penal que investiga os supostos pagamentos da Odebrecht a Lula, o que só poderá ser feito na sentença.
"Quanto à suposta falsidade ideológica dos recibos, depende a questão da resolução de várias questões de fatos na ação penal, se dinheiro da Odebrecht de fato custeou a aquisição do apartamento, se Glaucos da Costamarques foi ou não utilizado como pessoa interposta e quem falta com a verdade acerca do pagamento ou não dos alugués, Glaucos da Costamarques ou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?", esclareceu Moro.
"É inviável resolver essas questões no incidente sem aprofundar na valoração de provas e na apreciação do mérito da ação penal e isso só é possível fazer na sentença da própria ação penal, após a finalização da instrução dela, inclusive com as alegações finais das partes. Portanto, o incidente deve ser julgado improcedente quanto à falsidade material dos recibos e, quanto à falsidade ideológica, a resolução da questão deve ser postergada para a sentença na ação penal", escreveu o magistrado.
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A polêmica dos recibos
Lula é acusado de ter usado o apartamento de Glaucos da Costamarques sem pagar aluguel, uma vez que o imóvel teria sido custeado pela Odebrecht por meio de sua "conta corrente geral de propinas". Primo do pecuarista José Carlos Bumlai, Glaucos teria entrado no negócio apenas como um 'laranja', segundo a denúncia do Ministério Público Federal.
Glaucos alegou em seu depoimento a Moro que firmou contrato de locação do apartamento em 2011, mas que só passou a receber o aluguel a partir do fim de 2015, quando as investigações da Lava Jato já haviam chegado ao seu primo Bumlai. O MPF alega que a defesa de Lula deu início a uma "desabalada corrida" para produzir os comprovantes com o objetivo de "dar lastro à inexistente relação locatícia".
Em 2015, o dono do apartamento chegou a ser visitado quando estava internado no hospital Sírio-Libanês , em São Paulo, pelo contador João Muniz Leite, que levou os recibos de aluguel para Glaucos assinar. O contador confirmou essa versão ao juiz Moro.
A defesa de Lula considerou que a tese do MPF sobre a suposta falsidade dos recibos é "descabida"
e acusou os procuradores da Lava Jato de utilizarem a Justiça para fins políticos.
A ação penal da Lava Jato que investiga suposta vantagem indevida oferecida pela Odebrecht a Lula abrange, além do uso do apartamento no ABC Paulista, a compra de um terreno para sediar o Instituto Lula na zona sul de São Paulo. A denúncia foi recebida pelo juiz Sérgio Moro em dezembro de 2016.