Acusada de integrar uma quadrilha que aplicava golpes em Santa Catarina, a blogueira carioca Rayane da Silva Figliuzzi, de 24 anos , obteve, em 19 de janeiro, o direito a cumprir prisão domiciliar, por conta do filho recém-nascido que teve com Alexandre Navarro Júnior, de 28 anos, apontado pela polícia catarinense como o chefe do bando. Seis dias depois, em 25 de janeiro, a modelo postou uma foto sorridente nas redes sociais, onde acumula quase 88 mil seguidores: "Bom dia, está tudo bem com vocês? Aos pouquinhos tô voltando", escreveu a jovem. Na véspera, ela já havia compartilhado uma frase motivacional junto de um clique no qual aparece com um conjuntinho verde e branco: "Transforme suas frustrações em desafios", filosofou.
Antes, a última postagem no feed da blogueira no Instagram, feita em 15 de junho do ano passado, ainda antes de o caso vir à tona, já tinha mais de sete meses. Era um registro luxuoso em Fernando de Noronha, em mais um indício da vida de luxo levada, segundos os investigadores, por Rayane, Alexandre e outros integrantes da quadrilha, tudo às custas das vítimas do esquema, a maioria idosas. Nos últimos dias, a modelo também usou o perfil na rede social para postar fotos do filho pequeno, o resultado de um procedimento estético nos lábios e até uma nota com "esclarecimentos" sobre um episódio ocorrido no domingo passado.
Na ocasião, Rayane foi detida por PMs em um restaurante de Areal, no interior do estado do Rio, mas acabou liberada após chegar à delegacia, justamente porque constatou-se que ela obteve na Justiça de Santa Catarina, no processo referente ao caso, o direito à prisão domiciliar. O texto assinado pelo advogado da jovem, Marcos Paulo Poeta dos Santos, afirma que ela está autorizada a "permanecer em seu domicílio enquanto se defende das acusações, isto é, em liberdade". "Por ora, Rayane segue cumprindo com zelo todas as determinações do Judiciário catarinense, da mesma forma que vinha fazendo até o momento", acrescenta a defesa da blogueira, frisando que ela "se declara inocente". Antes de frequentar o noticiário policial, Rayane era habituada a aparecer nas páginas de fofoca. A jovem, que fez trabalhos como modelo, já foi apontada como affair do rapper norte-americano Tyga, durante uma visita do artista ao Rio, e também do cantor Saulo Pôncio.
Segundo a Polícia Civil catarinense, a quadrilha usava um apartamento em Copacabana como central de operações para cometer crimes especialmente nas cidades de Balneário Camboriú e Florianópolis, dois dos principais destinos turísticos do estado. O imóvel de alto padrão na Zona Sul do Rio funcionava como uma espécie de coração do esquema, a partir de onde falsas telefonistas entravam em contato com as vítimas, a maioria idosos, com o intuito de aplicar o chamado "golpe do motoboy".
As investigações tiveram início em dezembro de 2020, quando um dos integrantes do bando foi preso em um edifício de luxo em Florianópolis. A partir dele, a polícia descobriu um grupo em um aplicativo de mensagens, chamado "Família Errejota", no qual eram trocadas diversas mensagens sobre os crimes praticados pelo bando, que teve 15 membros identificados e indiciados pelos investigadores, e posteriormente denunciados pelo Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC). Todos são réus pelo crime de estelionato.
"Rayane era a companheira do chefe e usufruía de todas as vantagens que a quadrilha obtinha junto às vítimas, levando uma vida de luxo. Além disso, descobrimos que uma das maquininhas utilizadas para aplicar os golpes estava vinculada a um CNPJ no nome dela, assim como ocorria com Yasmin", explicou o delegado Attilio Guaspari Filho, responsável pelo inquérito.
Do apartamento em Copacabana, cinco ou seis telefonistas entravam em contato com dezenas de vítimas diariamente. Na ligação, simulavam ser funcionárias de instituições bancárias e comunicavam compras suspeitas feitas com cartão de crédito. Em seguida, as mulheres pediam que a pessoa do outro da linha contatasse o número do banco no verso do cartão e repassasse diversos dados, entre eles a senha. Contudo, o primeiro telefonema não era de fato encerrado, e outro membro do bando fingia atender a vítima, aumentando a veracidade do golpe.
O passo seguinte era convencer o alvo a quebrar o cartão de crédito — sempre bem ao centro, para não danificar o chip. A quadrilha informava, então, que um funcionário iria ao encontro do cliente para recolher o cartão descartado e assinar alguns documentos, que atestariam não ser ele o autor das compras citadas anteriormente. Esse integrante da quadrilha se apresentava sempre bem vestido, com ternos e crachás falsos dos bancos, em uma estratégia que, mais uma vez, também ajudava a convencer as vítimas.
Ao deixar o local com o cartão, os criminosos passavam a fazer uma série de compras sucessivas, que chegavam a ultrapassar dezenas de milhares de reais em um único alvo. Era nesse momento que, segundo a Polícia Civil catarinense, era utilizada a maquininha vinculada ao nome de Rayane. Ainda de acordo com os investigadores, o noivo da blogueira, Alexandre Navarro Júnior, conhecido como Juninho, chegou a movimentar mais de R$ 2 milhões durante dois meses em apenas uma das muitas contas-corrente que possuía.
"Foram identificadas várias referências de 'Juninho' orientando que Henrique (Henrique de Lima Varrichio, outro dos denunciados) passasse os cartões apanhados das vítimas na 'maquininha' de cartão de 'Ray', apelido de Rayane, para realização de transações ilícitas", detalha a denúncia oferecida contra o bando pela 39ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital. Em outro trecho do documento, obtido pelo GLOBO, o MP-SC afirma que a quadrilha se associou "de forma estruturalmente ordenada, de modo permanente e com divisão de tarefas, com o objetivo de obterem, direta e indiretamente, vantagens ilícitas mediante a prática habitual de crimes contra o patrimônio, especialmente a prática de crimes de estelionato".
Rayane e outros membros da quadrilha tiveram a prisão preventiva decretada em novembro do ano passado. O mesmo benefício permitido à blogueria, relativo à prisão domiciliar, foi estendido, por motivos semelhantes, a outras quatro denunciadas, entre elas Yasmin Navarro, irmã de Alexandre Navarro Júnior, o chefe do bando. Na decisão, o juiz Elleston Lissandro Canali diz "querer crer" que, apesar da medida, elas não irão voltar "a praticar os crimes a si imputados, mas sim e acima de tudo a possibilidade de elas, junto à sua prole, exerçam a maternidade em sua plenitude, assegurando aos seus filhos menores um ambiente sadio de desenvolvimento, em respeito ao princípio do melhor interesse da criança".
Yasmin Navarro é acusada de fazer parte de um outro bando que praticava o mesmo golpe no Rio de Janeiro. Em operação semelhante, também com foco em vítimas idosas, ela e outras comparsas, todas protagonistas de uma vida de ostentação nas redes sociais, usavam um apartamento no Recreio, na Zona Oeste da cidade, como central de operações. A irmã de Alexandre chegou a ser presa em flagrante pela Polícia Civil fluminense em julho do ano passado, mas acabou obtendo o relaxamento da prisão. Atualmente, ela é considerada foragida.