A GAS Consultoria, empresa do ex-garçom Glaidson Acácio dos Santos, preso desde o fim de agosto e réu com outros 16 comparsas sob a acusação de, entre outros delitos, crimes contra o sistema financeiro nacional, oferecia condições especiais a clientes que aportassem valores maiores no esquema.
Suspeito de simular operações com criptomoedas para mascarar uma pirâmide financeira, o grupo atraía investidores com a promessa de lucros exorbitantes, muito superiores do que quaisquer outros praticados pelo mercado. Se o interessado repassasse ao menos R$ 400 mil, os consultores eram autorizados a oferecer um seguro de vida com apólice do mesmo valor investido em nome de Glaidson, tendo o cliente como beneficiário.
A informação faz parte de um manual de "Boas práticas e procedimentos" destinados aos funcionários da GAS. O documento consta na denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra a quadrilha, obtida pelo Globo.
"Para contratos mais expressivos, e em razão do fato de o dinheiro aportado tornar-se basicamente inacessível ao cliente, que no mais das vezes desconhecia por completo seu paradeiro, as equipes que compunham o grupo GAS eram orientadas a oferecer aos potenciais clientes, ainda como garantia, a possibilidade de contratação de um seguro de vida em nome do próprio Glaidson, no qual o investidor era o beneficiário", detalham, no texto, os promotores do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Essa não é a única alusão a situações de morte no manual da empresa. As orientações aos consultores incluíam a possibilidade de que o investidor incluísse, em contrato, uma cláusula na qual são nomeados até dois herdeiros. Dessa maneira, em vez de ocorrer o encerramento do vínculo "em caso de falecimento do contratante", as pessoas escolhidas pelos clientes assumiriam o lugar como beneficiários dos rendimentos.
O manual elencava uma série de outras ordens que deveriam ser seguidas pelos funcionários da GAS. Eles eram obrigados, por exemplo, a "tratar muito bem os investidores", a ter "cartão de visitas personalizado" e a participar de um encontro virtual periódico com o próprio Glaidson, realizado sempre na primeira quinta-feira de cada mês, às 19h. Havia, ainda, uma proibição expressa de "divulgar percentuais e valores recebidos para terceiros".
Os consultores também tinham de realizar a apresentação aos potenciais clientes "preferencialmente em um escritório mais próximo", sendo necessário "consultar disponibilidade na agenda com a respectiva secretária".
As tratativas com os interessados deveriam passar, necessariamente, pela "reprodução do vídeo institucional" e por "explicar o modelo de negócio, informando que o serviço oferecido é a terceirização de trader ", além de esclarecimentos sobre a "história do bitcoin" e as maneiras de auferir lucros através de transações com a criptomoeda. Glaidson, vale lembrar, ficou conhecido como "faraó dos bitcoins".
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A denúncia enumera algumas cidades fluminenses nas quais o grupo mantinha escritórios onde os consultores poderiam se reunir com clientes. Além de Cabo Frio, na Região dos Lagos, que era a base das operações, e também da capital, havia núcleos ao menos em Angra dos Reis, Araruama, São Pedro da Aldeia, Teresópolis, Casemiro de Abreu, Nova Friburgo, Nova Iguaçu, Duque de Caxias e Maricá. Os promotores citam ainda que havia ramificações em outros estados, bem como no Distrito Federal. Eram eles: Goiás, Mato Grosso, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Maranhão e Pará.
De acordo com o MPF, o grupo atuava até mesmo no exterior, em pelo menos outros sete países, espalhados por quatro continentes. Na América do Sul, além das atividades internas, o grupo estava presente em Colômbia, Uruguai e Paraguai. Na América do Norte, o braço era nos Estados Unidos. A organização também agia na Europa, no Reino Unido e em Portugal, e na Ásia, mais precisamente nos Emirados Árabes Unidos, no Oriente Médio.
Ainda de acordo com o documento, obtido pelo GLOBO, a expansão do grupo para o exterior vinha acelerando. Esposa de Glaidson, a venezuelana Mirelis Yoseline Diaz Zerpa, de 38 anos, cooptava investidores em seu país natal e no México, bem como nos já citados Colômbia e Paraguai. Também denunciada pelo MPF, Mirelis encontra-se foragida em Miami, nos Estados Unidos, para onde seguiu semanas antes da prisão do marido, e teve o nome incluído na difusão vermelha da Interpol.
Nesta terça-feira, Glaidson e outros dois membros do grupo, Felipe Silva Novais e de Michael de Souza Magno, tiveram pedidos de habeas corpus negados, por 2 votos a 1, pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2).
Em fente à sede do tribunal, no Centro do Rio, manifestantes chegaram a comemorar uma suposta liberdade concedida a Glaidson, mas era apenas o voto divergente, do desembargador federal William Douglas. Votaram contra o habeas corpus Flávio Lucas, relator do caso, e Marcelo Granado. Vestidos de branco, os investidores chegaram em ônibus fretados e fizeram um protesto pacífico desde o início da tarde, ainda antes do início do julgamento. A notícia equivocada sobre a soltura também gerou queimas de fogos em Cabo Frio.
Em vídeos que circularam em grupos de investidores e nas redes sociais, é possível ver a comemoração diante do TRF-2 após circular a informação equivocada sobre a soltura. "A vitória é nossa, deu tudo certo", grita um dos manifestantes, emocionado. "Obrigado, Senhor", continua. Em seguida, ele canta: "Eu sou GAS com muito orgulho e com muito amor". Ele chega a citar o placar de 2 a 1 como se fosse favorável a Glaidson. "Valeu a pena esperar", desabafa. Em coro, dezenas de pessoas também entoavam o grito "Uh, é GAS", acompanhados de buzinas e festejos esfuziantes.