Portão do campo de Auschwitz com os dizeres
Marcin Bialek
Portão do campo de Auschwitz com os dizeres "o trabalho liberta"


Estudantes do ensino médio da Escola Liebig, em Giessen, na Alemanha , provocaram indignação ao sugerir lemas de formatura com referências nazistas  em uma votação online anônima para a turma de 2026. As informações são do jornal Deutsche Welle.

Na Alemanha, a formatura do ensino médio, chamada Abitur (ou Abi), é marcada por um lema escolhido pelos alunos.

Esse slogan estampa camisetas, adesivos, inspira festas e costuma ser título do jornal escolar que celebra o fim dos estudos.

Entre as propostas estavam frases como " Abi macht frei ",paródia da inscrição "Arbeit macht frei", presente em campos de concentração, " Abi-Akbar – De forma explosiva pelo Abitur ", alusão a ataques terroristas, e " NSDABI – Queimem o Duden ", trocadilho com a sigla do partido nazista NSDAP e a palavra Juden, "judeus" em alemão.

Após denúncias de alunos, a escola bloqueou o fórum, convocou a turma para uma reunião e emitiu um comunicado repudiando racismo e antissemitismo .

A polícia local investiga o caso por suspeita de incitação ao ódio .

Explicação das frases

Entre as propostas em um fórum online e anônimo foram sugeridas frases como “ Abi macht frei ”, uma alusão à expressão nazista “ Arbeit macht frei ” ("o trabalho liberta" em tradução livre), usada como propaganda enganosa nos portões de campos de concentração nazistas , como Auschwitz.

Assim, “ Abi macht frei ” pode ser traduzido como “O Abitur liberta”, em referência ao fato de que, ao concluir o ensino médio, os alunos ficam livres da escola.

Contudo, a frase imita diretamente o lema nazista, que foi cinicamente usado em locais onde milhões de pessoas foram escravizadas e assassinadas.

 Uma segunda sugestão " Abi-Akbar – De forma explosiva pelo Abitur ", é um trocadilho  islamofóbico .

Abi-Akbar ” é uma imitação fonética da expressão árabe “ Allahu Akbar ”, que significa Deus é grande, usada por muçulmanos em diversos contextos religiosos e cotidianos.

No entanto, o termo foi estigmatizado no Ocidente, especialmente após ser associado a atentados terroristas cometidos por extremistas.

“De forma explosiva pelo Abitur” reforça o estereótipo, ao associar a ideia de explosão ao objetivo dos estudantes: passar no Abitur, o exame de conclusão do ensino médio na Alemanha.

Uma outra frase propõe " NSDABI - Queimem o Duden " como uma paródia do nome do  partido nazista NSDAP ( Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei,  o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães), trocando a sigla final P (de Partei ) por BI, em alusão ao Abi , referência a formatura do ensino médio, o Abitur .

A sigla acompanhada de "Queimem o Duden " faz referência direta às queimas de livros organizadas pelos nazistas nos anos 1930, em que obras consideradas contrárias à ideologia do regime eram destruídas publicamente.

O Duden é o principal dicionário da língua alemã, um símbolo do conhecimento e da cultura alemã.

O trocadilho é ainda mais grave por evocar a semelhança entre Duden e Juden , palavra alemã para "judeus". Assim, a frase insinua um incentivo à violência praticada pelos nazistas aos judeus durante o Holocausto .

Especialistas alertam para avanço do extremismo

O episódio não é isolado. Em 2024, incidentes ligados à extrema-direita nas escolas alemãs aumentaram 30% em relação a 2023, segundo levantamento do jornal Die Zeit.

Tina Dürr , vice-diretora do Centro de Democracia de Hessen, afirma ao Deutsche Welle que "provocações e declarações extremistas de direita, como esse lema escolar, têm sido mais frequentes em escolas, e estamos ouvindo cada vez mais relatos sobre isso" , citando casos como saudações a Hitler em excursões e grafites com suásticas.

Ela relaciona o fenômeno ao crescimento do partido Alternativa para a Alemanha ( AfD ), que dissemina conteúdo misógino e discursos antirrefugiados em redes sociais.

Escolas refletem tensões sociais

A ministra da Educação, Karin Prien , defendeu a obrigatoriedade de visitas a memoriais do Holocausto nas escolas, segundo o Deutsche Welle.

A medida é apoiada por Stefan Düll , presidente da Associação de Professores Alemães, que alerta para o apagamento da memória histórica.

Um levantamento da Jewish Claims Conference estima que cerca de 40% dos jovens entre 18 e 29 anos não sabem que 6 milhões de judeus foram assassinados pelos nazistas .

Para Düll, a falta de conexão familiar com o passado e o distanciamento temporal do Holocausto dificultam o combate ao revisionismo.


Resposta das autoridades divide opiniões

Enquanto alguns defendem punições severas, como registro de ocorrências policiais mesmo para alunos menores, outros temem que a criminalização aprofunde divisões. Düll, porém, é enfático: 

"Se o professor não intervém e deixa os perpetradores impunes, você sugere aos alunos, até certo ponto, que isso é normal. Precisamos apoiar aqueles que ousam defender os valores democráticos e identificam o extremismo como um problema".

O debate ganha urgência após casos recentes, como em Görlitz, quando alunos fizeram saudações neonazistas em Auschwitz, e em Wiesbaden, em que estudantes aplaudiram durante filme sobre o extermínio de judeus.

Partido AfD 

Em 02 de maio, a agência de inteligência interna da Alemanha,  Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), classificou o partido de ultradireita AfD como " organização comprovadamente extremista de direita " que ameaça a democracia.

Segundo a agência, o partido viola a dignidade humana e a democracia ao excluir grupos como imigrantes da participação igualitária na sociedade.

No entanto, quase uma semana depois, em 08 de maio, a BfV anunciou que não se referiria publicamente à AfD nestes termos, devido a um tribunal determinar que essa classificação seja suspensa temporariamente, após contestação judicial do partido.

O tribunal não especificou quando o posicionamento acontecerá.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!