
Estudantes do ensino médio da Escola Liebig, em Giessen, na Alemanha , provocaram indignação ao sugerir lemas de formatura com referências nazistas em uma votação online anônima para a turma de 2026. As informações são do jornal Deutsche Welle.
Na Alemanha, a formatura do ensino médio, chamada Abitur (ou Abi), é marcada por um lema escolhido pelos alunos.
Esse slogan estampa camisetas, adesivos, inspira festas e costuma ser título do jornal escolar que celebra o fim dos estudos.
Entre as propostas estavam frases como " Abi macht frei ",paródia da inscrição "Arbeit macht frei", presente em campos de concentração, " Abi-Akbar – De forma explosiva pelo Abitur ", alusão a ataques terroristas, e " NSDABI – Queimem o Duden ", trocadilho com a sigla do partido nazista NSDAP e a palavra Juden, "judeus" em alemão.
Após denúncias de alunos, a escola bloqueou o fórum, convocou a turma para uma reunião e emitiu um comunicado repudiando racismo e antissemitismo .
A polícia local investiga o caso por suspeita de incitação ao ódio .
Explicação das frases
Entre as propostas em um fórum online e anônimo foram sugeridas frases como “ Abi macht frei ”, uma alusão à expressão nazista “ Arbeit macht frei ” ("o trabalho liberta" em tradução livre), usada como propaganda enganosa nos portões de campos de concentração nazistas , como Auschwitz.
Assim, “ Abi macht frei ” pode ser traduzido como “O Abitur liberta”, em referência ao fato de que, ao concluir o ensino médio, os alunos ficam livres da escola.
Contudo, a frase imita diretamente o lema nazista, que foi cinicamente usado em locais onde milhões de pessoas foram escravizadas e assassinadas.
Uma segunda sugestão " Abi-Akbar – De forma explosiva pelo Abitur ", é um trocadilho islamofóbico .
“ Abi-Akbar ” é uma imitação fonética da expressão árabe “ Allahu Akbar ”, que significa Deus é grande, usada por muçulmanos em diversos contextos religiosos e cotidianos.
No entanto, o termo foi estigmatizado no Ocidente, especialmente após ser associado a atentados terroristas cometidos por extremistas.
“De forma explosiva pelo Abitur” reforça o estereótipo, ao associar a ideia de explosão ao objetivo dos estudantes: passar no Abitur, o exame de conclusão do ensino médio na Alemanha.
Uma outra frase propõe " NSDABI - Queimem o Duden " como uma paródia do nome do partido nazista NSDAP ( Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães), trocando a sigla final P (de Partei ) por BI, em alusão ao Abi , referência a formatura do ensino médio, o Abitur .
A sigla acompanhada de "Queimem o Duden " faz referência direta às queimas de livros organizadas pelos nazistas nos anos 1930, em que obras consideradas contrárias à ideologia do regime eram destruídas publicamente.
O Duden é o principal dicionário da língua alemã, um símbolo do conhecimento e da cultura alemã.
O trocadilho é ainda mais grave por evocar a semelhança entre Duden e Juden , palavra alemã para "judeus". Assim, a frase insinua um incentivo à violência praticada pelos nazistas aos judeus durante o Holocausto .
Especialistas alertam para avanço do extremismo
O episódio não é isolado. Em 2024, incidentes ligados à extrema-direita nas escolas alemãs aumentaram 30% em relação a 2023, segundo levantamento do jornal Die Zeit.
Tina Dürr , vice-diretora do Centro de Democracia de Hessen, afirma ao Deutsche Welle que "provocações e declarações extremistas de direita, como esse lema escolar, têm sido mais frequentes em escolas, e estamos ouvindo cada vez mais relatos sobre isso" , citando casos como saudações a Hitler em excursões e grafites com suásticas.
Ela relaciona o fenômeno ao crescimento do partido Alternativa para a Alemanha ( AfD ), que dissemina conteúdo misógino e discursos antirrefugiados em redes sociais.
Escolas refletem tensões sociais
A ministra da Educação, Karin Prien , defendeu a obrigatoriedade de visitas a memoriais do Holocausto nas escolas, segundo o Deutsche Welle.
A medida é apoiada por Stefan Düll , presidente da Associação de Professores Alemães, que alerta para o apagamento da memória histórica.
Um levantamento da Jewish Claims Conference estima que cerca de 40% dos jovens entre 18 e 29 anos não sabem que 6 milhões de judeus foram assassinados pelos nazistas .
Para Düll, a falta de conexão familiar com o passado e o distanciamento temporal do Holocausto dificultam o combate ao revisionismo.
Resposta das autoridades divide opiniões
Enquanto alguns defendem punições severas, como registro de ocorrências policiais mesmo para alunos menores, outros temem que a criminalização aprofunde divisões. Düll, porém, é enfático:
"Se o professor não intervém e deixa os perpetradores impunes, você sugere aos alunos, até certo ponto, que isso é normal. Precisamos apoiar aqueles que ousam defender os valores democráticos e identificam o extremismo como um problema".
O debate ganha urgência após casos recentes, como em Görlitz, quando alunos fizeram saudações neonazistas em Auschwitz, e em Wiesbaden, em que estudantes aplaudiram durante filme sobre o extermínio de judeus.
Partido AfD
Em 02 de maio, a agência de inteligência interna da Alemanha, Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), classificou o partido de ultradireita AfD como " organização comprovadamente extremista de direita " que ameaça a democracia.
Segundo a agência, o partido viola a dignidade humana e a democracia ao excluir grupos como imigrantes da participação igualitária na sociedade.
No entanto, quase uma semana depois, em 08 de maio, a BfV anunciou que não se referiria publicamente à AfD nestes termos, devido a um tribunal determinar que essa classificação seja suspensa temporariamente, após contestação judicial do partido.
O tribunal não especificou quando o posicionamento acontecerá.