Pinochet, Vietnã e Nobel: relembre feitos do polêmico Henry Kissinger

Diplomata norte-americano morreu nesta quarta-feira (29) aos cem anos

Foto: Reprodução Twitter
Henry Kissinger

O diplomata Henry Kissinger morreu nesta quarta-feira (29) aos cem anos. Seu legado, no entanto, fará com que ele seja lembrado como uma das pessoas mais influentes de um dos períodos mais polarizados da história, a Guerra Fria. 

Principal estrategista político dos Estados Unidos da década de 70, ele coordenou a relação dos EUA com a União Soviética (URSS) e a China. Além de desempenhar papel crucial na relação com a América Latina e na Guerra do Vietnã.

Ditaduras

Na América Latina, ele é considerado criminoso de guerra por muitos, por conta do seu apoio a ditaduras anticomunistas pelo continente. O ex-conselheiro de Segurança Nacional e secretário de Estado americano financiou ditaduras do Cone Sul – em particular o regime brutal do general Augusto Pinochet, no Chile.

"Nos Estados Unidos, como você sabe, somos solidários com o que você está tentando fazer aqui", disse Kissinger a Pinochet em 1976, segundo documentos desclassificados da agência americana de inteligência, CIA.

"Queremos ajudar, não prejudicar você. Você prestou um grande serviço ao Ocidente derrubando Allende," continuou Kissinger, referindo-se ao golpe militar em 1973 contra o presidente socialista eleito no Chile, Salvador Allende.

Kissinger foi responsável por autorizar operações secretas da CIA no Chile para tentar derrubar o governo de Allende, eleito em 1970 com viés à esquerda. O governo, socialista, conseguira aprovar no Congresso chileno a nacionalização do cobre no ano seguinte.

"Não vejo por que precisamos ficar parados vendo um país virar comunista devido à irresponsabilidade de seu povo", disse Kissinger, sobre o Chile. "As questões são importantes demais para deixar os eleitores chilenos decidirem por si mesmos."

Em 1978, visitou a Argentina durante a Copa Mundial de futebol e não poupou elogios à junta militar que governava o país. 

Política real

Ele é o principal dome da corrente de "realpolitik" (em alemão política realística) das Relações Internacionais. Nessa teoria, a diplomacia é baseada principalmente em considerações práticas, em detrimento de noções ideológicas. 

Apesar de ter apoiado ditaduras no Chile, Argentina e Timor leste, Kissinger também está no hall de vencedores do Prêmio Nobel da Paz por seu papel por negociar a retirada dos Estados Unidos do Vietnã. 

Além disso, promoveu a intermediação diplomática que levou a um cessar-fogo no conflito árabe-israelense iniciado em 1973.

Infância

Heinz Alfred Kissinger nasceu na Alemanha, em 27 de maio de 1923 e fugiu do nazismo para os Estados Unidos em 1938, onde mudou de nome. 

Ele trabalhava em uma fábrica de pincéis de barbear durante o dia e estudava no ensino médio à noite, até ser convocado para o Exército. 

Kissinger entrou em ação na batalha do Bulge e, mesmo sendo apenas um soldado raso, acabou no comando de uma cidade alemã capturada.

Suas habilidades linguísticas fizeram com que ele ingressasse no setor de contrainteligência. Aos 23 anos conduzia um grupo de oficiais cuja missão era caçar ex-oficiais da Gestapo, serviço secreto alemão.

Ao retornas para os EUA, ele estudou ciências políticas em Harvard.

Armas nucleares

Em 1957, Kissinger publicou o livro "Armas Nucleares e Política Externa", onde propunha o conceito de “guerra nuclear limitada”, que se baseia no uso "tático" de armas nucleares. 

A ideia seria substituir o conceito de "guerra nuclear total", que acabaria com o mundo. Mesmo assim, a ideia é bastante controversa já que mesmo em pequena escala uma bomba nuclear tem poderes devastadores. 

O livro deu a Kissinger maiores proporções e logo se tornou assessor de Nelson Rockefeller, governador de Nova York e candidato à presidência americana.

URSS

Na época do auge da Guerra Fria, tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética conseguiram evitar a destruição mútua, apesar da crescente tensão durante a crise dos mísseis em Cuba, ocorrida em 1962. Enquanto as tropas americanas permaneciam no Vietnã, os soviéticos haviam invadido Praga em 1968.

O então presidente Richard Nixon e Kissinger adotaram então uma política de redução das tensões com a União Soviética, reiniciando as negociações para diminuir o tamanho de seus arsenais nucleares. Essa abordagem ficou conhecida como distensão ou détente, termo de origem francesa.

Paralelamente, a Casa Branca buscou uma aproximação com a China, estabelecendo diálogos com Pequim através do primeiro-ministro Zhou Enlai. Essa iniciativa melhorou as relações entre os Estados Unidos e a China, aumentando a pressão diplomática sobre a liderança soviética, que temia seu grande vizinho asiático.

Em 1972, Nixon realizou uma histórica viagem à China e se encontrou com Mao Tsé Tung, encerrando 23 anos de hostilidades e afastamento diplomático entre os dois países.

Vietnã e Prêmio Nobel

Em 1969, Nixon assumiu a presidência com a promessa de retirar as tropas dos Estados Unidos do Vietnã, onde o Norte, de orientação comunista, havia invadido o Sul, alinhado com o capitalismo ocidental, desde 1955.

Embora o envolvimento americano nesse conflito remonte a esse período, intensificou-se durante o governo de John F. Kennedy e especialmente a partir de 1964, sob a gestão de Lyndon Johnson.

Nixon ofereceu aos americanos a perspectiva de uma "paz com honra" no Vietnã, uma variação da ideia de buscar uma saída digna para o país no conflito.

Para Kissinger, era crucial compreender a natureza do conflito como uma guerra de guerrilhas, o que tornava praticamente inviável uma vitória militar por meio do uso de tropas convencionais, especialmente no caso do Vietnã.

O assessor de Segurança Nacional sustentava que qualquer triunfo militar dos EUA sobre os vietcongues (a guerrilha comunista do Vietnã) seria "praticamente inútil", pois não teria impacto na "realidade política" e não se sustentaria após a retirada americana.

Kissinger iniciou negociações com o Vietnã do Norte, mas, de forma secreta, concordou com a decisão de Nixon de realizar bombardeios no vizinho Camboja, visando cortar as linhas de suprimento comunistas.

Essa medida, tomada sem a aprovação do Congresso americano, resultou na morte de pelo menos 50 mil civis. A instabilidade no país desencadeou uma guerra civil no Camboja e levou ao regime brutal de Pol Pot.

Durante um prolongado processo de negociações com os vietcongues em Paris, Kissinger, agora Secretário de Estado, negociou a retirada das forças militares americanas do Vietnã do Sul.

Por essa razão, Kissinger recebeu o Prêmio Nobel da Paz junto com Le Duc Tho, diplomata e revolucionário do Vietnã do Norte – uma decisão controversa que enfureceu ativistas pela paz.

Ativismo político

Mesmo longe dos palcos, Kissinger continuou sendo uma voz influente na política externa norte-americana. Ele foi crítico ferrenho da política externa dos democratas Jimmy Carter e Bill Clinton.

Após o 11 de setembro de 2001, George W. Bush pediu que Kissinger presidisse a investigação sobre os ataques a Nova York e Washington. Ele foi afastado semanas depois recusando-se a responder perguntas sobre conflitos de interesse.

Ele também apoiou a invasão do Iraque para matar o terrorista Saddam Hussein, em 2003. Ele participava das reuniões com presidente George W. Bush e seu vice Dick Cheney. 

Em 2014, ele declarou que “se soubesse tudo o que sei agora, provavelmente não teria apoiado (a invasão)”.

Em 2017, assessorou o presidente Donald Trump sobre política externa. 

Sua última aparição de destaque foi um julho passado, quando fez uma visita surpresa a Pequim para se encontrar com o presidente chinês Xi Jinping.

Ele também lançou uma turnê no ano passado para divulgação do seu último livro.