Fernando André Sabag Montiel, de 35 anos, foi preso na noite desta quinta-feira em Buenos Aires após ter apontado uma arma contra a cabeça da vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner . De acordo com autoridades locais, Montiel nasceu no Brasil e mora no país vizinho, mas tem família em São Paulo. Ele trabalha como motorista de aplicativo e tem antecedente criminal por porte de arma não convencional.
O documento de residência de Montiel na Argentina é dos anos 1990. O pai dele, Fernando Ernesto Montiel Araya, foi alvo de um inquérito da Polícia Federal para expulsão do Brasil em 2020. Conforme documento ao qual O GLOBO teve acesso, o procedimento foi instaurado porque Araya tinha uma sentença penal condenatória no país.
Segundo o jornal La Nación, em 17 de março do ano passado Montiel foi detido por porte de arma. Na ocasião, ele foi flagrado com uma faca e alegou que a usava para defesa pessoal.
Montiel foi abordado na época por estar estacionado com um veículo sem a placa traseira. Ele alegou que a placa caiu "devido a um acidente de trânsito ocorrido dias atrás". Quando ele se abriu a porta para pegar a documentação do carro, uma faca de 35 centímetros de comprimento caiu no chão.
Redes sociais e tatuagem nazista
Em seus perfis no Facebook e Instagram – deletados após o atentado – o brasileiro gostava de ser chamado de "Salim" e se gabava por ser crítico ferrenho do atual governo argentino e da família Kirchner. Ele também postou vídeos de suas aparições em programas de TV, seja criticando programas do governo de auxílio financeiro ou a nomeação do ministro Sergio Massa, da Economia.
"Salim" também gostava de exibir suas tatuagens nas redes sociais, algumas associadas à simbologia nórdica e uma, no cotovelo do braço direito, que reproduziria um sol negro, em referência à iconografia usada pela SS, a temida polícia do Partido Nazista de Adolf Hitler (veja a seguir duas postagens nas redes sociais de Montiel).
Tentativa de assassinato
Cristina Kirchner sofreu a tentativa de assassinato em frente à sua casa, no bairro nobre da Recoleta, em Buenos Aires, onde o homem a abordou com uma pistola Bersa de calibre .32, que estava carregada com cinco balas, mas falhou na hora do disparo.
Cristina estava conversando com apoiadores quando foi abordada pelo um homem armado. O sujeito foi preso imediatamente e transferido para uma delegacia de polícia, para ser interrogado, informou o ministro da Segurança, Aníbal Fernández. Ainda de acordo com ele, a arma já está em posse da polícia.
No vídeo transmitido pelo canal C5N, que deu a notícia em primeira mão, é possível ver o momento em que os agentes que protegem a chefe do Senado encurralam o homem, avisados pelos manifestantes.
Desde a semana passada, apoiadores têm feito vigília em frente à casa da vice-presidente, que enfrenta um julgamento sob a acusação de corrupção e um pedido do Ministério Público de 12 anos de prisão e inabilitação política perpétua. No sábado, milhares de pessoas também se manifestaram em praças e avenidas da Argentina.
A também senadora de 69 anos foi acusada no início da semana passada dos crimes de associação ilícita e administração fraudulenta para beneficiar um empresário em licitações públicas quando era presidente do país, de 2007 a 2015. O veredicto da Justiça deve sair até o final do ano, e, caso condenada, Cristina, que hoje tem imunidade, poderá recorrer à Corte Suprema argentina.
Ela e o presidente Alberto Fernández afirmam que a acusação da Promotoria é política.
Apoiadores
Em frente à residência de Cristina Kirchner, na Recoleta, apoiadores reagiam chocados ao atentado. Entre eles, Nicolás Kreplak, médico sanitarista, afirmou que o incidente representa um "antes e depois" no cenário político argentino. Segundo ele, ficou claro "não ser mais possível aceitar discursos de ódio".
Outro presente na Recoleta, o dirigente sindical Roberto Baradel afirmou ser "terrível o que poderia ter acontecido" e as consequências disso para o país.
"A sociedade tem que dar um basta ao discurso de ódio e a mentiras. Tem que haver a convivência democrática em nosso país", disse Baradel.
A ex-deputada federal Victoria Donda Pérez foi taxativa: – O discurso de ódio tem um resultado. Este é o resultado – referindo-se ao atentado contra Kirchner e evocando a necessidade de uma lei contra fake news.
Repercussão dentro e fora do país
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fez um discurso em cadeia nacional depois da tentativa de assassinato. Ele repudiou o ataque, convocou todos os argentinos a lutarem contra o discurso de ódio "e qualquer forma de violência" no país e decretou feriado nacional nesta sexta-feira "em solidariedade" a sua vice-presidente.
"Agora a situação tem que ser analisada pelo nosso pessoal da perícia para avaliar os traços, a capacidade e disposição que essa pessoa tinha", indicou Fernández.
Logo depois do atentado, o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) também se manifestou no Twitter, dizendo que "repudia o ataque sofrido por Cristina Kirchner" e pediu um "esclarecimento imediato".
"Meu absoluto repúdio ao ataque sofrido por Cristina Kirchner, que felizmente não teve consequências para a vice-presidente. Este fato gravíssimo exige um esclarecimento imediato e profundo por parte da Justiça e das forças de segurança", afirmou.
Segundo publicou o jornal Clarín, um grupo de senadores da Frente de Todos e Juntos pela Mudança se reuniu para repudiar a tentativa de assassinato da vice-presidente.
Em sua conta oficial no Twitter, a Frente de Todos aderiu à convocação de uma marcha, nesta sexta-feira, às 12h (hora local), na Avenida de Mayo e 9 de Julio, em direção à Plaza de Mayo. A convocação foi feita pela organização juvenil La Cámpora.
Em entrevista coletiva concedida no Congresso, a chefe da Câmara dos Deputados, Cecilia Moreau, anunciou a decisão de formar uma comissão junto com o Senado para investigar a tentativa de assassinato.
No Brasil, o ex-presidente e atual candidato Luiz Inácio Lula da Silva também se solidarizou com a "companheira" Cristina Kirchner e chamou o suspeito de "fascista criminoso".
"Toda a minha solidariedade à companheira @CFKArgentina, vítima de um fascista criminoso que não sabe respeitar divergências e a diversidade. A Cristina é uma mulher que merece o respeito de qualquer democrata no mundo. Graças a Deus ela escapou ilesa", declarou, no Twitter.
O embaixador dos EUA, Marc Stanley, escreveu em sua conta no Twitter: "Estamos aliviados em saber que a vice-presidente @CFKArgentina está bem. violência, extremismo e ódio em todos os lugares".
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, também enviou uma mensagem. "Minha solidariedade a @CFKArgentina, ao povo e ao governo da Argentina diante da tentativa de assassinato da vice-presidente da Nação. Nosso mais alto repúdio ao ataque. É essencial esclarecer e investigar para rejeitar a violência e fazer justiça", escreveu.
Também o presidente do Chile, Gabriel Boric, se pronunciou sobre o caso, afirmando que "a tentativa de assassinato da vice-presidente da Argentina, Cristina Fernández, merece o repúdio e a condenação de todo o continente". Marcelo Ebrard, ministro das Relações Exteriores de Andrés López Obrador, escreveu que o governo do México expressa "sua rejeição e condenação ao ataque". O embaixador da União Europeia na Argentina, Amador Sánchez Rico, também postou: "A violência não tem lugar em nossas democracias".
Da Venezuela, o presidente Nicolás Maduro reproduziu o vídeo do ataque no Twitter e postou: "Enviamos nossa solidariedade à vice-presidente @CFKArgentina, diante do atentado contra sua vida. Repudiamos veementemente esta ação, que busca desestabilizar a Paz do irmão povo argentino".
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