As Forças Armadas chinesas iniciaram nesta quinta-feira exercícios militares com munição real em torno de Taiwan, nas maiores manobras de guerra já realizadas pela China na região, representando na prática um teste para um bloqueio naval e aéreo da ilha autogovernada que Pequim considera parte integral do seu território.
Os exercícios começaram à 12h locais (1h no Brasil) e vão durar até as 12h de domingo (13h no Brasil), segundo a emissora estatal CCTV. Eles foram anunciados há dois dias, em represália à visita a Taiwan da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, que a China considerou uma violação da sua soberania e um estímulo à independência da ilha.
"Durante esses exercícios de combate reais, seis zonas principais ao redor da ilha foram selecionadas e, no período, todos os navios e aeronaves não devem entrar nas áreas marítimas e no espaço aéreo relevantes", informou a CCTV. Umas das zonas fica a apenas 20 quilômetros de Kaohsiung, a principal cidade do Sul de Taiwan.
A ilha de Taiwan é separada do separada do território continental chinês por um estreito vital para a navegação comercial, que em sua largura máxima tem 180 quilômetros de extensão e, na mínima, 130 quilômetros.
De acordo com autoridades taiwanesas, 11 mísseis balísticos Dongfeng foram disparados em águas ao norte, sul e leste da ilha. Não está claro se a trajetória dos mísseis incluiu zonas que a ilha considera serem do seu mar territorial nem muito menos se os projéteis sobrevoaram o território.
O ministro da Defesa japonês, Nobuo Kishi, disse que o país está verificando se cinco dos mísseis caíram em sua zona econômica exclusiva.
No início da noite em Pequim, manhã no Brasil, o Comando Leste do Exército de Libertação do Povo sugeriu, em dois comunicados curtos, que as manobras terminaram por hoje. Os comunicados confirmam o lançamento de "múltiplos" mísseis, em "ataques de precisão" em "áreas específicas" do Estreito de Taiwan, e informam que o bloqueio aéreo e naval foi suspenso.
"Todos os mísseis atingiram o alvo com precisão, testando os ataques de precisão e o domínio da área. Toda a missão de treinamento com munição viva foi completada com sucesso, e os controles relevantes do espaço aéreo e naval foram suspensos", dizem os comunicados, que não deixam claro se os exercícios continuarão nos próximos dias.
As autoridades taiwanesas chamaram as ações de "irracionais" e de "ameaça à paz". Elas disseram que estão monitorando de perto os exercícios militares da China e que suas forças estão se preparando para um conflito, mas não vão tomar a iniciativa.
"O Ministério da Defesa Nacional sustenta que manterá o princípio de se preparar para a guerra sem buscar a guerra, com a atitude de não escalar o conflito ou causar disputas", disse a pasta em comunicado.
Hoje, mais de 40 voos de e para Taiwan foram cancelados, segundo o jornal local China Times, mas o aeroporto de Taipé informou que os cancelamentos "não necessariamente" têm a ver com os exercícios chineses.
A agência Bloomberg informou que navios comerciais continuaram a trafegar pelo estreito, com pelo menos 15 deles na região ao meio-dia de hoje, na hora local. Porém, segundo a agência, nenhum deles estava em áreas próximas à costa chinesa. Ainda de acordo com a Bloomberg, algumas companhias recomendaram que suas embarcações mudassem de rota.
Enquanto isso, a Marinha dos EUA divulgou que o porta-aviões USS Ronald Reagan estava realizando operações programadas no Mar das Filipinas, no Pacífico Ocidental, um trecho de 5,7 quilômetros quadrados de oceano, que inclui águas ao sudeste de Taiwan.
Os chanceleres da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), que estão reunidos no Camboja desde quarta-feira, alertaram hoje que a situação “pode desestabilizar a região e eventualmente causar (...) conflitos abertos e consequências imprevisíveis entre grandes potências”.
O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, condenou os exercícios militares e considerou que a visita de Pelosi "não era uma justificativa" para eles. "Taiwan faz parte do território chinês e a intromissão em seus assuntos é uma violação de sua soberania", respondeu o porta-voz da missão chinesa a UE, Zhang Ming.
Pequim defendeu as manobras como "justas e necessárias" e culpou os Estados Unidos e seus aliados pela escalada.
"Na atual disputa por causa da visita de Pelosi a Taiwan, os Estados Unidos são os provocadores e a China é a vítima", disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying.
A presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, agradeceu aos países do Grupo dos Sete (G7), formado por grandes economias aliadas dos EUA, por "apoiarem a paz e a estabilidade regionais", depois que o grupo pediu à China que resolva as tensões no Estreito de Taiwan de maneira pacífica.
Tsai, em um post no Twitter, escreveu: "Taiwan está empenhada em defender o status quo e nossa democracia. Trabalharemos com parceiros que pensam da mesma forma para manter um Indo-Pacífico livre e aberto”.
A presidente taiwanesa tem relações conturbadas com Pequim desde que foi eleita, em 2016, por não aceitar o chamado "consenso de 1992", pelo qual os dois lados aceitam o princípio de "uma só China", mas a ilha pode manter o sistema de autogoverno.
"O anúncio dos exercícios militares chineses representa uma clara escalada em relação à última crise no Estreito de Taiwan, em 1995-1996", disse Amanda Hsiao, analista de China do centro de estudos International Crisis Group, referindo-se à última vez em que Pequim testou mísseis no estreito.
No entanto, analistas disseram à AFP que a China calibra as manobras para impedir que fujam do controle e deem início a um confronto direto com a ilha ou com os EUA, que têm bases e navios de guerra na região.
"A última coisa que Xi Jinping quer é uma guerra acidental", disse Titus Chen, professor associado de ciência política da Universidade Nacional Sun Yat-Sen, em Taiwan, referindo-se ao presidente chinês.
A reunificação da ilha que tem hoje 23 milhões de habitantes ao continente é uma meta do Partido Comunista da China desde que os nacionalistas fugiram para Taiwan ao serem derrotados na guerra civil chinesa, em 1949.
Hoje, apenas 14 países têm relações diplomáticas formais com a ilha. Os Estados Unidos reconheceram o princípio de "uma só China" ao reatar com Pequim em 1979, mas mantêm o que chamam de "ambiguidade estratégica", fornecendo armas a Taiwan.
Nos últimos anos, a ascensão econômica chinesa e a piora nas relações entre Pequim e Washington gerou acusações na China de que os EUA viriam estimulando uma mudança do status quo em Taiwan, ou seja, uma declaração de independência.
O Estreito de Taiwan é uma importante rota militar e comercial, e passaria a ser integralmente controlado pela China em caso de eventual reunificação.
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