Casa Branca tentou convencer Pelosi a não visitar Taiwan

Para evitar choque direto, emissários de Biden tiveram várias conversas com os chineses nos bastidores

A presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, em Congresso dos EUA em Gana
Foto: Divulgação/U.S. Embassy Ghana - 28.07.2019
A presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, em Congresso dos EUA em Gana

Antes de a presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, pousar em Taiwan para um controverso encontro com a presidente Tsai Ing-wen, a Casa Branca tomou cuidado para não se intrometer na viagem, apontando que a deputada democrata toma suas próprias decisões.

Mas, nos bastidores, integrantes do governo de Joe Biden estavam irritados com a insistência de Pelosi em usar a viagem como um marco de sua carreira política, em um momento de relações extremamente delicadas com Pequim.

Em um esforço para persuadir Pelosi a adiar a viagem, a Casa Branca enviou membros do Conselho de Segurança Nacional, assim como representantes do Departamento de Estado, para alertar a deputada e sua equipe sobre os riscos geopolíticos, afirmaram pessoas que tiveram acesso às conversas.

Quando ficou claro que Pelosi não podia ser convencida a abandonar a ideia, o governo começou a se planejar, agindo para garantir que os canais de comunicação com Pequim estavam funcionando e que qualquer problema poderia ser atenuado.

Isso incluiu encontros entre funcionários do governo e da embaixada chinesa em Washington, de acordo com relatos. As pessoas que revelaram essas informações pediram para não ser identificadas.

Posição desconfortável

A incapacidade de persuadir Pelosi a adiar a visita foi mais uma complicação para um governo que ainda tenta moldar sua política em relação à China. Isso deixou o governo Biden na desconfortável posição de ser deixado de lado por uma das mais poderosas presidentes da Câmara dos últimos anos, que nunca perdeu uma chance de atingir a China e não tem medo de frustrar qualquer um que entre em seu caminho.

Quando os integrantes do governo chinês convocaram o embaixador americano em Pequim para protestar formalmente, Nicholas Burns reiterou que a Casa Branca queria evitar qualquer tipo de escalada e queria manter todas as linhas de comunicação abertas, de acordo com um porta-voz do Departamento de Estado.

A viagem de Pelosi ocorreu no momento em que ela está perto de pôr fim à sua histórica carreira como a primeira mulher a comandar a Câmara. Embora deva ser eleita novamente em seu distrito eleitoral, em San Francisco, nas eleições legislativas de novembro, os republicanos parecem perto de retomar o comando da Casa, e Pelosi fechou um acordo, em 2018, com congressistas mais jovens, para limitar seu mandato na presidência da Câmara.

Com 82 anos, Pelosi pediu discrição de seus assessores sobre a viagem e ficou incomodada com os vazamentos, que sua equipe acredita terem vindo da Casa Branca, em um esforço para que cancelasse os planos. Uma representante do Conselho de Segurança Nacional disse que tais alegações são falsas.

As informações sobre a viagem eram mantidas em sigilo, mesmo dos congressistas que a acompanhavam. Eles não receberam o itinerário completo, nem mesmo a confirmação da escala em Taiwan, até o dia em que partiram e somente depois do embarque da delegação.

A viagem estava prevista para acontecer em abril, mas foi adiada depois que Pelosi foi diagnosticada com Covid-19. Desde então, ela vinha deixando claro que a visita tinha sido apenas suspensa.

As comunicações entre a equipe da deputada e a Casa Branca eram tensas, ainda mais depois que Biden, no final de julho, disse a jornalistas que os militares eram contra os planos, então não confirmados, da viagem.

Quanto mais o governo tentava agir nos bastidores, mais Pelosi se recusava a ceder. Em determinado momento, a equipe dela sugeriu que poderia adiar a viagem se o presidente fizesse um pedido público. Os assessores de Biden não acharam que era uma boa ideia, até porque não tinham certeza de que Pelosi iria atendê-lo, disseram pessoas que acompanharam as conversas.

Após dias tratando os planos de viagem como hipotéticos, a Casa Branca mudou seu tom na segunda-feira. Antes de Pelosi pousar na região, Kirby fez um alerta a Pequim para que não reagisse de maneira agressiva a uma potencial escala em Taiwan ou para não usar isso como um pretexto para elevar as tensões.

Na terça, quando ela pousou e a China fez ameaças de manobras militares ao redor da ilha, Kirby repetiu seus alertas e disse que os EUA estavam preparados para lidar com qualquer tipo de resposta vinda de Pequim.

A Casa Branca não quis dizer se o presidente apoiou pessoalmente a viagem, ou se ele acredita que ela possa beneficiar os objetivos de política externa dos EUA.

Biden disse neste ano que ele apoiaria uma intervenção militar se a China invadir Taiwan — um comentário que foi rapidamente corrigido e esclarecido por assessores. Pessoas que tiveram acesso às deliberações internas, contudo, disseram que o presidente falava sério, ao mesmo tempo em que dizia que isso não afetaria a longeva política de respeito ao princípio de "uma só China".

Integrantes do governo passaram 19 meses tentando recalibrar a relação com a China, afastando-se da imprevisibilidade de Donald Trump. Eles enfatizaram a necessidade de comunicações claras para evitar consequências indesejadas ou desentendimentos que pudessem levar a um conflito.

Em suas quase 24 horas em Taiwan, Pelosi se encontrou com defensores dos direitos humanos e líderes empresariais. Sua mensagem, disse, era de um apoio inabalável a Taiwan, diante das ameaças de Pequim.

A viagem foi uma representação prática de suas posições políticas, construídas em torno de uma posição de confronto no trato com valentões. Ao longo de sua carreira, Pelosi adotou uma posição mais dura em relação à China do que qualquer um dos presidentes com quem trabalhou.

*Com informações de agências internacionais

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