Bloqueios de estradas e tiroteios elevam tensão entre Sérvia e Kosovo
AP
Bloqueios de estradas e tiroteios elevam tensão entre Sérvia e Kosovo

Uma disputa sobre regras de imigração reacendeu disputas entre os governos da Sérvia e do Kosovo, 14 anos depois do território declarar independência em relação a Belgrado, e a nova crise já é vista com preocupação ao redor da Europa.

O ponto central da disputa é a decisão do governo kosovar de exigir de todas as pessoas que entrem no país com documentos sérvios que obtenham uma identidade temporária, emitida pelo Kosovo, e que será válida por três meses. Uma medida semelhante já é adotada por Belgrado desde 2008, quando o Kosovo resolveu declarar independência, nove anos depois de uma intervenção da Otan expulsar as forças sérvias do território.

Outra medida obrigará os donos de veículos automotores com placas emitidas pela Sérvia a trocar as identificações por placas emitidas pelo Kosovo — oficialmente, as placas sérvias já eram consideradas ilegais por Pristina, mas elas eram toleradas em quatro cidades onde há presença considerável de sérvios kosovares. A mudança precisaria ser feita até o final de setembro.

Inicialmente, as duas novas regras passariam a ser aplicadas a partir de segunda-feira, 1º de agosto, e a recepção não foi das melhores. Manifestantes bloquearam estradas e construíram barricadas — atiradores não identificados também fizeram disparos contra a polícia kosovar, mas ninguém ficou ferido. Dois postos de fronteira com a Sérvia foram fechados por razões de segurança.
No começo da noite, o governo do Kosovo anunciou que vai adiar, por um mês, as novas regras, um movimento elogiado pelo chefe da diplomacia da União Europeia(UE), Josep Borrell.

“Questões em aberto devem ser resolvidas através do [mecanismo de] diálogo da UE para uma ampla normalização das relações entre Kosovo e Sérvia, essenciais para os caminhos de integração da UE”, escreveu Borrell, no Twitter. Ele disse esperar ainda que todos os bloqueios de estradas sejam removidos.

Protestos semelhantes, também relacionados a regras sobre documentos a cidadãos sérvios em trânsito pelo Kosovo, ocorreram no ano passado, mas o novo contexto regional, em meio à guerra na Ucrânia e à deterioração das relações entre a UE e a Rússia, aliada de Belgrado, dão a essa crise ares um tanto mais graves.

A Sérvia se recusa a reconhecer a independência do Kosovo, a mesma posição da Rússia, e atua para defender a minoria sérvia em território kosovar, que corresponde a cerca de 5% da população de 1,8 milhão de pessoas. Negociações vêm sendo realizadas desde 2011 entre Belgrado e Pristina, com mediação da União Europeia, e alguns avanços têm sendo obtidos.

Contudo, o tom nacionalista, em boa parte incentivado pela Sérvia, sempre retoma com força diante de ideias relacionadas a soberania — em 2011, quando a polícia do Kosovo tentou assumir o controle de áreas de maioria sérvia, confrontos deixaram um agente policial morto e 25 feridos. Enfrentamentos pontuais não são raros.

"Vamos rezar pela paz e buscar a paz, mas não haverá rendição e a Sérvia vencerá", declarou, em entrevista coletiva, o presidente Alexander Vucic. "Se eles ousarem perseguir, maltratar e matar sérvios, a Sérvia vencerá. Jamais estivemos em uma situação mais difícil ou complicada do que a que enfrentamos hoje".

Ele ainda acusou as autoridades kosovares de tentarem fazer uma conexão entre os distúrbios e a guerra na Ucrânia, apontando que a proximidade entre o líder sérvio e o presidente russo, Vladimir Putin, é um pilar central dos problemas. A Sérvia se recusou a condenar a invasão da Ucrânia, e mantém suas boas relações com Moscou.

Pelo lado pessoal, Vucic também guarda algum rancor em relação à presença do Ocidente e da Otan na região: durante a Guerra do Kosovo, ele era o porta-voz do então presidente, Slobodan Milosevic, no momento em que a Otan despejou toneladas de bombas sobre a Sérvia.

No Facebook, o premier kosovar, Albin Kurti, acusou o líder sérvio de incitar os distúrbios. “As próximas horas, dias e semanas serão desafiadoras e problemáticas”, escreveu Kurti.

Em comunicado, emitido neste domingo, a missão da Otan no Kosovo (Kfor), disse estar pronta para intervir “caso seja necessário”. No texto, a aliança militar afirma que “tomará as medidas necessárias para garantir um ambiente seguro no Kosovo em todos os momentos”, e defende que os dois lados continuem a dialogar. Hoje formada por 3.770 militares, a força está presente no Kosovo desde junho de 1999, quando chegou ao fim a Guerra do Kosovo.

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