Após um final de semana marcado por ataques intensos das forças russas contra posições ucranianas no Leste, Sul e Nordeste da Ucrânia, o comando militar da Rússia se vê combatendo em três frentes distintas, sugerindo que o conflito está longe do fim e que há um crescente movimento de resistência em áreas ocupadas.
Principal cenário da guerra desde o final de março, o Leste ucraniano enfrenta uma intensificação dos combates na província de Donetsk, semanas depois de a Rússia consolidar seu controle sobre a vizinha Luhansk. Juntas, as duas formam a região do Donbass, onde atuam separatistas pró-Moscou desde 2014.
No fim de semana, pelo menos cinco centros urbanos da região sofreram algum tipo de bombardeio — no maior dos ataques, em Chasiv Yar, 24 pessoas morreram depois que um prédio foi atingido por um míssil russo. Em resposta, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse que “a punição será inevitável para todos os assassinos russos”.
Outro ataque ocorreu em Bakhmut, que está a menos de 10 quilômetros das linhas russas: segundo moradores, foram usadas bombas incendiárias contra alguns bairros no domingo, algo inédito mesmo em uma cidade que é bombardeada diariamente há mais de duas semanas.
"Nós ouvimos Grads [ um tipo de foguete] e morteiros antes, mas esse ataque foi diferente", disse Olesya, uma moradora da cidade, ao New York Times. "Foi um som suave."
O uso de bombas incendiárias, como de fósforo branco, foi relatado em diversos momentos do conflito, e, embora seu uso não seja banido por tratados internacionais, a utilização em áreas civis é vetada.
Esse tipo de armamento pode ser empregado para criar cortinas de fumaça durante o deslocamento de tropas e iluminar determinadas áreas, mas causa sérias queimaduras caso entre em contato com a pele, mesmo que por um curto período.
Resistência
Desde o final de março, quando a Rússia anunciou uma mudança de planos para o conflito, deixando de lado uma estratégia ampla de combate, que incluía a capital, Kiev, e centrando suas ações no Leste, Moscou vem obtendo alguns sucessos, a um elevado custo em termos financeiros e humanos.
Estima-se que a Rússia esteja no controle de um quinto do território ucraniano, incluindo Luhansk e a maior parte de Donetsk, além de ter estabelecido um corredor que se estende da a fronteira russa até Kherson, no Sul, uma área que faz divisa com a Crimeia, anexada em 2014.
Nessas áreas, foram estabelecidos novos governos, leais a Moscou, e adotadas medidas para marcar a presença do Estado russo: a mudança do código internacional de telefonia para o +7, o mesmo da Rússia, novas operadoras de internet, novas bandeiras tricolores tremulando nos mastros e a promessa de cidadania russa facilitada.
No entanto, a consolidação do controle russo enfrenta resistência. Em junho, pelo menos três integrantes da administração pró-Moscou em Kherson (Sul) sofreram atentados, e um deles, o então diretor do Departamento para a Juventude e Esportes, Dmitry Savluchenko, morreu.
As forças ucranianas também estão atacando posições russas, no momento em que parte das tropas de Moscou está sendo substituída, em uma rotação já prevista — nesta segunda-feira, um ataque destruiu um centro de comando da Rússia em Tavriysk, na região de Kherson.
Em entrevista ao jornal britânico The Times, no domingo, o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, disse ter planos para mobilizar “um milhão de pessoas” para tentar reconquistar o Sul ucraniano, vital para o acesso à costa do Mar Negro.
"Temos cerca de 700 mil nas Forças Armadas, e quando somamos [os contingentes da Guarda Nacional, polícia, Guarda Costeira, temos um milhão", declarou Reznikov.
Analistas questionam esses números, assim como as declarações do ministro praticamente anunciando uma ofensiva contra os russos.
"Normalmente, você deseja ter alguma surpresa operacional quando lança um contra-ataque, então, ao anunciar isso publicamente, ele força os russos a comprometerem recursos de forma mais ampla para se protegerem dessa ameaça", disse à BBC Jack Watling, pesquisador no centro de estudos Instituto Real de Serviços Unificados.
Outro ponto é o fato de nem todas essas forças estarem disponíveis para lutar no Sul: os ucranianos sofreram grandes perdas em Donetsk e Luhansk, e agora enfrentam avanços russos na província de Kharkiv, próxima à fronteira e que já era um dos alvos da Rússia no início da guerra.
Nesta segunda-feira, o governador da região disse que seis pessoas morreram em ataques contra áreas urbanas, e as Forças Armadas da Ucrânia relataram ações em Bazaliivka, Petrivka, Ruski Tyshky, Slatyne, Prudianka, Rubijne e Blahodatne.
Para analistas, se trata de uma estratégia para consolidar o controle russo de partes da região, e que poderá eventualmente incluir uma nova tentativa de avançar sobre a cidade de Kharkiv, a segunda maior da Ucrânia.
Em discurso a líderes parlamentares, na semana passada, o presidente Vladimir Putin afirmou que a Rússia “estava apenas começando” suas ações militares na Ucrânia, sugerindo que a guerra poderá se estender por um longo tempo.
"Hoje ouvimos que eles [Ocidente] querem nos derrotar no campo de batalhas. O que podemos dizer, vamos deixar que tentem. Ouvimos tantas vezes que o Ocidente está disposto a lutar contra nós até o último ucraniano", disse Putin.
"Todos deveriam saber que nós ainda não começamos nada [militarmente] até agora. Ao mesmo tempo, não rejeitamos conversas de paz. Mas, para aqueles que as rejeitam, digo que deveriam saber que, quanto mais longe ela [guerra] for, mais difícil será negociar conosco."
Na sexta-feira, a Duma, a Câmara Baixa do Parlamento russo, realizará uma sessão extraordinária para discutir 60 temas, não divulgados, e provavelmente aprovar uma série de novas leis.
De acordo com fontes parlamentares, citadas pela agência Tass, a agenda vai incluir “questões de desenvolvimento econômico e assistência aos cidadãos”, e um pacote de medidas já foi apresentado pelo Kremlin na semana passada, que será analisado a partir de agora.
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