Em mais uma audiência pública da Comissão que investiga a invasão do Capitólio por apoiadores de Donald Trump , em janeiro do ano passado, testemunhas e congressistas detalharam como o ex-presidente atuou de forma direta para tentar modificar o resultado da eleição de novembro de 2020, vencida por Joe Biden.
A falsa versão de que o processo teria sido fraudado pelo democrata é apontada como determinante no ataque, que deixou sete mortos e, até agora, gerou mais de 800 processos na Justiça.
Na sessão desta terça, a quarta em junho, a comissão revelou que houve casos de intimidação, ameaças de morte e até uma tentativa frustrada de alterar o resultado do colégio eleitoral — pelo sistema dos EUA, o vencedor em um estado ganha recebe um número de votos nesse colégio eleitoral, composto por 538 eleitores e que, oficialmente, “escolhe” o presidente.
Esses eleitores são definidos pelos próprios estados, e geralmente seguem os resultados das urnas.
Segundo a denúncia, um assessor do senador republicano Ron Johnson tentou entregar ao então vice-presidente, Mike Pence, uma lista adulterada dos eleitores do Michigan e de Wisconsin, dando a Trump 26 votos a mais no colégio eleitoral. Pela contagem final, Biden teve 306 votos e Trump 232.
A iniciativa foi barrada por um assessor de Pence, Chris Hodgson. Ao comentar o caso, o presidente da comissão, o deputado democrata Bennie Thompson, disse que não decidiu se Ron Johnson será chamado para prestar depoimento, ou se a aparente tentativa de mudar o resultado do colégio eleitoral será tratada como um crime.
“Nós estamos apenas apresentando os fatos”, disse Thompson.
No dia do ataque ao Capitólio, Pence foi alvo dos ataques dos aliados de Trump por confirmar a vitória de Biden em uma sessão protocolar no Senado, presidida por ele — do lado de fora do Congresso, alguns manifestantes portavam cartazes e maquetes de forcas com seu nome. Após a invasão, ele precisou ser levado para um local seguro.
‘Não senhor’
Em mais um caso de pressão da Casa Branca, o presidente da Assembleia Legislativa do Arizona, disse ter recebido um telefonema do ex-presidente pedindo que tomasse alguma atitude sobre sua derrota no estado. Rusty Bowers, um republicano, respondeu “havia feito um juramento”, e que “não faria nada ilegal” por Trump.
Dias depois, um advogado do ex-presidente, John Eastman, pediu que Bowers aceitasse mudar a lista de nomes no colégio eleitoral, indicando pessoas que, mesmo contrariando os resultados das urnas, dariam a vitória a Trump. Eastman, como recorda o deputado estadual, sugeriu a ele que “deixasse os tribunais decidirem” se aquilo era legal ou não.
“Eu disse a ele: “você está me pedindo para fazer algo que jamais foi feito nos EUA, e vou colocar meu estado nisso sem ter qualquer prova suficiente? E que isso será algo bom? Meu estado? Que eu jurei proteger perante à Constituição e à Lei? Não senhor””, afirmou Bowers.
O republicano declarou ter sido alvo de protestos “perturbadores” diante de sua casa, com aliados de Trump o chamando de “pedófilo”, “pervertido” e "corrupto''.
Outro a relatar ataques foi o líder da maioria republicana no Senado do Michigan, Mike Shirkey, também republicano: depois de afirmar que não cometeria atos ilegais, seu número pessoal foi publicado nas redes sociais de Trump, para milhões de seguidores, e ele recebeu “cerca de quatro mil mensagens de texto”.
Uma evidência de que Trump estava diretamente envolvido na estratégia para mudar o resultado do colégio eleitoral veio no depoimento de Ronna McDaniel, presidente do Comitê Nacional Republicano.
Segundo ela, Trump telefonou para pedir ajuda no plano, mesmo sabendo que integrantes do partido, assessores e conselheiros da Casa Branca consideravam que ele era possivelmente ilegal.
‘Alguém será morto’
Gabe Stirling, um dos responsáveis pela eleição na Geórgia, chegou a fazer um pedido direto a Trump para que parasse com o discurso sobre a suposta fraude no estado, apontando que a retórica “estava inspirando pessoas a cometerem atos de violência”.
“Alguém vai se ferir, alguém será baleado, alguém será morto. E isso não está certo”, disse Sterling, em dezembro de 2020, em declarações reproduzidas nesta terça.
Ele revelou que um prestador de serviços da Dominion Systems, empresa responsável pelas urnas na Geórgia, recebeu ameaças de morte na internet, algo que o tirou do sério.
“Fiquei irado, minha chefe estava comigo no momento, ela podia dizer que eu estava bravo. Eu fico vermelho quando isso acontece, e aquilo aconteceu no momento”, afirmou Sterling.
Em um dos momentos mais tensos do dia, Wandrea Moss, que trabalhou em um local de votação na Geórgia, afirmou ter recebido ameaças de morte e comentários racistas em suas redes sociais. Alguns diziam que ela “deveria estar grata que hoje é 2020, e não 1920”.
“Sempre disse para minha avó como era importante votar, e que muitas pessoas antes de mim, muitas pessoas da minha família, não tiveram esse direito”, afirmou. “Agora me sentia como se fosse minha culpa a minha família se encontrar nessa situação.”
Wandrea e sua mãe, Ruby Freeman, foram mostradas em um vídeo publicado pelo ex-advogado de Trump e um dos principais propagadores da falsa teoria de fraude, Rudy Giuliani. Segundo Freeman, isso a fez ter medo de dizer o próprio nome em público.
“Agora sempre estou preocupada com quem está ao meu redor. Perdi meu nome e minha reputação. Perdi meu senso de segurança porque um grupo de pessoas, começando com o 45 [Donald Trump] e seu aliado, Rudy Giuliani, decidiram fazer de mim e de minha filha seus alvos”, declarou à comissão.
‘Os números não mentem’
Outro a ser ouvido nesta terça foi o secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, um dos protagonistas da batalha de Trump para reverter a derrota nas urnas. Nas semanas que se seguiram à votação, Raffensperger, que é republicano, foi bombardeado por dezenas de ações nos tribunais e muitos pedidos de recontagem e investigação.
“Os números não mentem. Tivemos muitas alegações e investigamos cada uma delas”, disse o secretário de Estado. “[Trump e aliados] disseram que havia 66 mil votos de menores de idade. Nós encontramos um total de zero.”
Mesmo assim, relatou ter recebido 18 telefonemas do chefe de Gabinete de Trump, Mark Meadows, tentando marcar uma conversa entre os dois.
Eles se falaram no dia 2 de janeiro de 2021, quando o ex-presidente pediu a ele que “encontrasse os votos que faltavam”, se referindo à diferença em relação a Biden, que venceu na Geórgia. O secretário se recusou, mesmo diante das ameaças.
“Acho que, às vezes, em alguns momentos você precisa se levantar e receber os golpes”, declarou. “Nós seguimos a Lei e seguimos a Constituição e, ao final do dia, Trump estava errado”. A próxima audiência da comissão está marcada para quinta-feira.
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