UE aumenta queima de carvão
Reprodução: 20.06.2022
UE aumenta queima de carvão

Uma das mais graves consequências da invasão na Ucrânia é invisível, mas pode ter efeitos drásticos a longo prazo. Para driblar a dependência energética do gás russo, a União Europeia (UE) aumenta a queima de carbono, dando uma meia-vida ao combustível fóssil e pondo em xeque os planos europeus de cortar 55% das suas emissões até o final desta década.

O problema é causado pela interrupção do fluxo de gás natural — outro combustível fóssil, apesar de menos poluente — vindo da Rússia, origem de 40% de todo o produto importado pela UE antes da guerra. Como recorrer a fornecedores alternativos é difícil, recorrem às cartas que já têm na manga, mesmo admitindo que a solução não é ideal.

No domingo, a Alemanha anunciou que reativaria usinas a carvão e aumentaria o financiamento para garantir gás suficiente para o inverno, algo que deve custar ao redor de 15 bilhões de euros aos cofres da maior economia europeia. As medidas serão “a curto prazo”, valendo até 2024.

Nesta segunda, o porta-voz do Ministério da Economia, Stephan Haufe, disse que, apesar das mudanças, Berlim mantém sua meta de abandonar o carvão até o fim da década. Antes da invasão, a Alemanha, junto com a vizinha Polônia, era responsável por 53% das emissões geradas pelo setor energético europeu, segundo a think-tank Ember.

"A data de abandono do carvão não está em dúvida, absolutamente. É mais importante que nunca que isso aconteça em 2030", disse, referindo-se a um dos temas centrais para a coalizão governista que une social-democratas, liberais e os verdes, e afirmando que o país respeitará os limites de emissão determinados pela UE.

No domingo, ao anunciar as medidas, o ministro da Economia, Robert Habeck, classificou a situação alemã como “séria” e disse que serão oferecidos incentivos ainda não detalhados para a redução do consumo de gás. Antes da invasão, o país importava cerca de 55% do seu gás natural da Rússia, porcentagem que hoje fica ao redor de 35% .

A Áustria, onde as reservas de gás atuais correspondem a apenas 39% de sua necessidade anual, é outro país que decidiu reativar uma usina a carvão desligada, anunciou nesta segunda o chanceler Karl Nehammer. A planta de Verbund havia sido desativada há dois anos, quando o país se tornou o segundo do continente a eliminar o carbono de sua malha energética.

Na semana passada, a Itália indicou que pode tomar medidas similares, decretando um “estado de alerta” se o fluxo baixo continuar. A França também voltou a aumentar o uso do carvão. É um cenário ruim para as promessas feitas durante a COP 26, em Glasgow , de neutralizar as emissões globais de carbono até 2050. A meta é determinante para manter o aumento da temperatura global a 1,5°C até o fim do século , em comparação com níveis pré-industriais, algo essencial para evitar um cataclisma. É também fundamental para o protagonismo que o bloco pleiteia na diplomacia ambiental e seu poder de barganha na mesa de negociação.

No ano passado, segundo a Agência Internacional de Energia , as emissões de carbono planetárias cresceram 6% em comparação com 2020, chegando ao seu maior nível histórico. Sozinho, o carvão foi responsável por 40% deste aumento. Na UE , de acordo com dados do próprio bloco, as emissões do setor energético subiram 8,3% , mas ainda estavam aquém dos números registrados antes da pandemia.

"Nós sabemos da matriz energética e que os planos dos Estados-membros serão ajustados porque estamos em uma situação inesperada em que decidimos pôr fim à nossa dependência de combustíveis fósseis russos", disse o porta-voz para Energia da Comissão Europeia, Tim McPhie.

Cortes russos

A dependência energética vem ganhando ares mais urgentes nas últimas semanas, já que os países europeus precisam começar a estocar energia para quando as temperaturas caírem. Mas também porque o presidente Vladimir Putin sabe qual é o calcanhar de Aquiles de Bruxelas.

Os cortes e redução no fluxo de gás são uma retaliação à chuva de sanções ocidentais contra Moscou, impostas em resposta à invasão na Ucrânia. Putin, em resposta, impôs condições para exportar seu gás: o pagamento deve ser rublos, através de contas abertas em bancos russos, exigências que deixam as empresas passíveis de sanções europeias e americanas.

Várias companhias se recusaram a acatar os termos de Moscou, que suspendeu o fornecimento para uma série de países como Bulgária, Polônia, Finlândia, Holanda e Dinamarca. Nesta semana, Alemanha, Áustria e Itália viram também uma drástica redução do fluxo de gás após a estatal russa Gazprom anunciar que cortaria em 40% a quantidade de gás enviado à Alemanha pelo Nord Stream 1. O gasoduto cruza o Mar Báltico da Rússia até o território alemão e é responsável por entregar cerca de 40% de todo o gás que chega na UE.

A Gazprom pôs a culpa em uma turbina enviada à Siemens para reparos, que não retornou a tempo — algo confirmado pelo grupo alemão. A justificativa, contudo, não satisfez Berlim, que a classificou como uma “decisão política”.
E o fornecimento de gás no próximo mês pode ser ainda mais apertado, já que o Nord Stream 1 deve ser desligado por vários dias para manutenções anuais previamente agendadas.

Via alternativa

Para compensar as manutenções no gasoduto, a Rússia pode aumentar o fluxo que passa pelo ponto de trânsito alternativo de Sudzha, na fronteira russo-ucraniana, aponta Kiev. A Gazprom pode enviar cerca de 77,2 milhões de metros cúbicos de gás por lá, mas mantém o fluxo a cerca de 42 milhões de metros cúbicos.

Em um leilão nesta segunda, o primeiro desde a eclosão do conflito, a Ucrânia ofereceu à Gazprom uma capacidade adicional de 15 milhões de metros cúbicos. A opção de envios adicionais pela rota ainda não foi usada por Moscou neste mês. Se os russos enviassem volumes extras por Sudzha, apontam os ucranianos, conseguiriam suprir metade da capacidade perdida com os problemas na Nord Stream 1. Isso, argumentam, só endossa as críticas de que os cortes têm motivação política:

"É um argumento adicional que prova que a Gazprom e o Kremlin estão usando o gás como uma arma contra a Ucrânia e, principalmente, contra a Europa", disse o chefe da Operadora do Sistema de Transmissão de Gás ucraniano, Sergei Makogon.

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