EUA e mais de 40 aliados anunciam envio de mais armas para a Ucrânia
Potências ocidentais percebem oportunidade de derrotar a Rússia e Alemanha irá doar tanques; na segunda-feira, Kremlin disse perceber risco de confronto nuclear
Autoridades de mais de 40 países estão reunidas nesta terça-feira na principal base da Força Aérea americana na Europa, em Ramstein, na Alemanha, para coordenar como melhor fornecer armas para a Ucrânia na guerra contra a Rússia.
Um dos anúncios do encontro, realizado por iniciativa dos EUA, é a entrega por parte do governo alemão de tanques para Kiev, em uma significativa mudança de política.
As doações de armas irão desagradar ainda mais o Kremlin, que, nesta segunda-feira, por meio do seu chanceler, Sergei Lavrov, acusou o Ocidente de travar uma guerra de procuração contra a Rússia. Lavrov disse perceber a existência de um risco “muito significativo” de uma guerra nuclear entre superpotências.
Nesta semana, autoridades ocidentais mudaram a ênfase de seu discurso, deixando de falar principalmente sobre ajudar a Ucrânia a se defender para passar a propagar a ideia mais ousada de auxiliar uma vitória ucraniana que confira um golpe na capacidade da Rússia de ameaçar seus vizinhos.
Segundo o secretário de Defesa norte-americano, Lloyd Austin, a Ucrânia "pode ganhar" a guerra se receber o equipamento certo.
Os EUA e seus aliados temem que uma vitória russa possa criar um precedente contra outros países e também alimentar ambições territoriais chinesas.
Entre os 40 países convidados na Alemanha se encontram os aliados europeus dos Estados Unidos e também outros Estados mais distantes e próximos da China, como Austrália e Japão.
A reunião de Ramstein não foi celebrada no marco da OTAN, apesar de ter a presença do secretário-geral da Aliança Atlântica, Jens Stoltenberg.
A Finlândia e a Suécia, países vizinhos da Rússia que, desde a invasão da Ucrânia, consideram aderir à Otan, também foram convidados.
O presidente do Estado-Maior Conjunto dos EUA, Mark Milley, disse a repórteres que as próximas semanas na Ucrânia serão "muito, muito críticas".
"Eles precisam de apoio contínuo para serem bem-sucedidos no campo de batalha. E esse é realmente o objetivo desta conferência."
O objetivo final da reunião é coordenar a entrega de ajuda que inclui armas pesadas, como artilharia, bem como drones assassinos e munição, disse o general Milley. Os países devem aprovar remessas de centenas de milhões de dólares em armas, incluindo equipamentos que não foram enviados em fases anteriores da guerra.
Sob severa pressão externa e interna, inclusive de seus parceiros de coalizão, o governo alemão vai autorizar a entrega de tanques do tipo "Gepard" à Ucrânia. A medida, anunciada pela ministra da Defesa, Christine Lambrecht, significa uma grande reviravolta em sua até então cautelosa política de apoio militar a Kiev.
Os tanques especializados em defesa antiaérea provêm de dois armazéns da indústria de defesa alemã e das limitadas reservas do exército do país. Ainda não foi especificado quantos serão entregues.
O governo ucraniano pede, sobretudo, artilharia pesada e blindados para tentar repelir as forças ucranianas nas extensas planícies do Sul e do Leste do país, mas o equipamento de fabricação russa que as forças ucranianas já sabem usar é escasso.
Alguns países do Leste Europeu que ainda têm esse tipo de material o estão enviando para a Ucrânia, às vezes em troca de armas americanas de nova geração, segundo jornalistas que acompanham Austin na Polônia.
O chanceler alemão, o social-democrata Olaf Scholz, recebeu muitas críticas de seus vizinhos na Europa Central e no Báltico por sua recusa em entregar as armas pesadas exigidas pela Ucrânia.
Na Alemanha, o debate político intensificou-se nas últimas semanas, inclusive se dentro da coalizão governamental, com Os Verdes e os Liberais pressionando Scholz. Desde a Segunda Guerra, a Alemanha não fornece armas para países em conflito. Além disso, a Alemanha tem uma forte dependência do gáss russso.
No Parlamento, Verdes, liberais e social-democratas também querem que os soldados ucranianos que vão usar o equipamento sejam treinados na Alemanha e em outros países da Otan.
Como as reservas do Exército alemão são limitadas, a ideia é que a Ucrânia "faça seus pedidos" a grupos industriais e a Alemanha "pague", disse a ministra Lambrecht.
Sinais nucleares
Moscou ainda não reagiu aos novos anúncios. Na segunda-feira, o ministro das Relações Exteriores do país, Sergei Lavrov, Lavrov acusou o Ocidente de se envolver em uma guerra de procuração com a Rússia, por meio do fornecimento de armas à Ucrânia.
Em um acirramento da retórica russa, Lavrov disse que há riscos “significativos” de ocorrer uma Terceira Guerra Mundial entre superpotências. Em uma entrevista à emissora estatal Canal Um, um jornalista perguntou ao chanceler o quão séria é a ameaça de uma nova grande guerra, comparando a situação atual à crise dos mísseis em Cuba, em 1962.
Lavrov respondeu: "Agora os riscos são muito significativos. Não os quero inflados artificialmente. Há muitos que o desejam. O perigo é sério, real. Ela não pode ser subestimado."
Lavrov também disse que os riscos de um conflito atômico são agravados porque as regras de conduta entre as potências são pouco claras, e mecanismos de controle de armas foram desfeitos.
"Durante a crise dos mísseis cubanos não havia muitas regras escritas. Mas as regras de conduta eram bastante claras. Moscou entendia como Washington estava se comportando. Washington entendia como Moscou estava se comportando. Agora restam poucas regras. Ao mesmo tempo, o resto dos instrumentos de controle de armas e não proliferação foram praticamente destruídos", afirmou.
Este cenário se agrava ainda mais devido à ausência de canais de comunicação secretos, o que gera uma situação perigosa, afirmou:
"Naqueles anos [1962], havia um canal de comunicação em que ambos os líderes confiavam. Agora não existe esse canal. Ninguém está tentando criá-lo. Tentativas tímidas separadas feitas em um estágio inicial não deram muito resultado", disse.
Sinalizações sobre armas atômicas são um tópico extremamente sensível, então diplomatas e líderes internacionais são muito cuidadosos ao concedê-las.
A declaração de Lavrov, no entanto, não deve ser necessariamente entendida como uma ameaça iminente contra a Ucrânia. Na mesma entrevista, o chanceler russo disse que uma “guerra nuclear é inaceitável, esta é a posição de princípio de Moscou”.
Nesta terça-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, viajou a Moscou, onde se encontra separadamente com Lavrov e com Vladimir Putin. Em sua reunião com o chanceler, Guterres pediu um cessar-fogo.
— Com informações de agências internacionais