As urnas decidem neste domingo (24) quem será o próximo presidente da França: o candidato de centro-direita Emmanuel Macron, em busca da reeleição, ou a representante da extrema direita Marine Le Pen. A disputa repete o cenário da precedente eleição de 2017, vencida por Macron por 66,1% a 33,9%. Os cinco anos desde então, no entanto, alteraram o contexto político e a imagem dos dois candidatos. As pesquisas apontam nesse duelo final uma vantagem para Macron, mas inferior aos índices do pleito anterior, e a ameaça de uma vitória da ultradireita paira novamente sobre o país.
Hoje, Macron não é mais o jovem candidato surpresa de 2017, emergido no final da campanha e vitorioso no sufrágio contra todas as expectativas iniciais. Após um mandato conturbado pelas manifestações sociais dos coletes amarelos, criticado pela verticalidade do poder e marcado em seu epílogo pela pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia, o atual presidente tem um balanço a defender e um programa de governo a refazer.
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Já Le Pen acelerou seu processo de “desdiabolização” ao procurar se descolar da imagem do partido Frente Nacional, cofundado por seu pai, Jean-Marie Le Pen, balizado em propósitos xenófobos, antissemitas, islamofóbicos, antieuropeus e ultraconservadores. Com a sigla rebatizada de Reunião Nacional e um discurso menos radical, apostando em temas sociais como a defesa do poder aquisitivo, Le Pen conseguiu ampliar seu eleitorado e melhorar sua condição de candidata “presidenciável”.
Para o cientista político Claude Patriat, da Universidade de Bourgogne, em uma França social e politicamente fraturada, em meio a um desgaste do sistema político e à perda de confiança em seus representantes, a eleição de hoje provoca pouco entusiasmo nos franceses, um sentimento registrado pelo elevado índice de abstenção no primeiro turno (26,3%, pouco abaixo do recorde de 28,4%, em 2002).
"O vencedor de hoje será o menos detestado dos dois, provavelmente Macron" analisa. "Mas há um acúmulo de decepções, que pode ser traduzido, no melhor, pela resignação, e no pior, pela cólera. O perigo de uma vitória de Marine Le Pen é mínimo, mas não pode ser excluído, pois há uma situação de cansaço na sociedade."
Na sua opinião, a transformação lepenista, no objetivo de suavizar a imagem radical, não passa de maquiagem para seduzir um novo eleitorado:
"Ela é um camaleão. Independentemente do que diz ou faz, indiscutivelmente sua vitória levaria a uma radicalização autoritária e populista do sistema. A candidatura de Éric Zemmour, com seus propósitos xenófobos excessivos, possibilitou que o discurso de Le Pen fosse ouvido como música de câmera. Agora, para o segundo turno, viu-se obrigada a retomar suas posições fundamentais para reconquistar esse voto."
Nos últimos dias, Le Pen suscitou polêmica ao defender a realização de um referendo sobre a pena de morte — para depois recuar —, outro sobre as políticas de imigração, e pregar a proibição do véu islâmico nos espaços públicos, temas caros à direita radical.
Para o analista Jean-Yves Camus, do Observatório das Radicalidades Políticas, extrema direita é um “termo complicado”, pois na Europa ocidental remete ao fascismo dos anos 1930 e à ocupação nazista na Segunda Guerra.
"Marine Le Pen não é fascista nem nazista, mas seu partido nasceu da extrema direita. Seu modelo atual se aproxima da chamada democracia iliberal do líder húngaro Viktor Orbán. No tabuleiro político francês, é um partido com uma linha bastante singular. É o único, junto com Zemmour, que propõe fechar totalmente as portas para a imigração."
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Panela de pressão
Se derrotada, Le Pen já anunciou que esta será sua derradeira tentativa de chegar à Presidência, mas seu partido, segundo Camus, não desaparecerá. Para ele, Macron deverá sair vencedor hoje das urnas, mas com um resultado “bem mais apertado” do que em 2017 e graças aos votos daqueles que não querem sua oponente, não dos que realmente desejam sua política.
"Já é a terceira vez que há essa situação, com a extrema direita no segundo turno, em 2002 (Jacques Chirac contra Jean-Marie Le Pen), 2017 e agora, e o vencedor se dá por exclusão, por quem os eleitores não estão convencidos, mas não querem o seu adversário. Com isso, há um risco de que a França se torne uma panela de pressão: todo um descontentamento do primeiro quinquênio de Macron subsiste e poderá ser reativado em um segundo mandato, principalmente com a reforma da aposentadoria, que não é bem aceita."
Os resultados do primeiro turno de 2022 enterraram a direita e a esquerda moderadas, que dominaram a vida política por décadas no país. Do terremoto eleitoral, sobraram o polo em torno de Macron e os dois extremos: a ultradireita de Le Pen e a esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon. Se reeleito, Macron se diz disposto a “inventar algo de novo para reunir convicções e sensibilidades diversas”.
"Se vencer, Macron conseguirá aspirar outras personalidades dos campos social-democrata e da direita republicana", acredita Camus. "Seu objetivo é o de construir um grande grupo que se pareceria com o que chamamos em ciência política de “partido big tent” (partido pega-tudo). São partidos que procuram atrair os eleitores pela ideia de bem-estar da nação e não por ideologias, o que não deixa muito espaço aos demais, exceto aos extremos."
No entre turnos, o presidente-candidato reforçou suas preocupações com a ecologia e alertou para o caráter extremista da oponente. Já Le Pen apelou a uma frente “anti-Macron” e à alternância de governo, sublinhando sua “preferência nacional” em oposição à política pró-União Europeia do atual presidente.
"Le Pen adotou em parte um programa bastante popular para os eleitores de origem francesa. Ao mesmo tempo, mantém um forte discurso anti-imigrante e propõe modificações institucionais para poder governar de forma autoritária.", avalia Pierre Bréchon, do Instituto de Estudos Políticos de Grenoble (Sciences-Po). "Já Macron promete ouvir melhor os franceses e federar uma força política mais ampla. Os dois tentaram modificar seus programas nas margens, para procurar convencer eleitores que não votaram neles no primeiro turno."
Seja qual for o resultado, Camus prevê vários desafios ao próximo presidente para instalar uma nova visão de futuro no espírito dos franceses, o “povo mais pessimista da Europa”, segundo pesquisas.
"É um tipo de síndrome de rebaixamento, como se não conseguíssemos diferir o fato de não sermos mais uma superpotência, e também não um pequeno país. Somos uma potência média, com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, a arma nuclear e uma economia que não vai tão mal. Mas ainda assim os franceses parecem pensar, principalmente os eleitores de Zemmour, que a França está a ponto de desaparecer."