O chanceler da China , Wang Yi, fez uma visita não anunciada à Índia , a primeira desde que as tensões eclodiram entre os vizinhos há dois anos. Em encontros separados com seu homólogo indiano, Subrahmanyam Jaishankar, e com o conselheiro de Segurança Nacional da Índia, Ajit Doval, Wang discutiu o próprio impasse transfronteiriço entre os países, a guerra na Ucrânia e uma possível reunião entre os presidentes dos países dos Brics neste ano, entre vários outros temas.
A ameaça de conflitos mortais entre os vizinhos, ambos providos de armas nucleares, permanece desde 2020. Na época, pelo menos 20 soldados indianos e quatro chineses morreram durante um confronto no vale de Galwan, em Ladakh, Norte do Himalaia. Aquele foi o primeiro confronto mortal entre forças dos países em décadas.
Desde então, os comandantes militares de ambos os lados fizeram apenas progressos reduzidos em várias reuniões. Milhares de soldados dos dois Exércitos permanecem posicionados em vários locais, e a retirada de tropas foi limitada a apenas três pontos ao longo da fronteira.
Os laços entre Nova Délhi e Pequim ainda não voltaram ao normal e continuarão perturbados enquanto as tropas permanecerem posicionadas na fronteira no Himalaia, disse o chanceler indiano a repórteres após o encontro em Nova Délhi.
"Eu descreveria nossa situação atual como um trabalho em andamento", afirmou Jaishankar, em entrevista coletiva após uma reunião de três horas. "Fui muito honesto em minhas discussões com o ministro das Relações Exteriores chinês, especialmente ao transmitir nossos sentimentos nacionais."
Jaishankar também afirmou que "os atritos e tensões que surgem dos desdobramentos da China desde abril de 2020 não podem ser conciliados com um relacionamento normal entre os dois vizinhos".
"Se você me perguntar se nosso relacionamento é normal hoje, minha resposta é não, não é, e não pode ser normal se a situação nas áreas de fronteira for anormal. Certamente a presença de um grande número de tropas lá, em violação dos acordos, é anormal", disse Jaishankar.
A fronteira não demarcada de 3.500 km de extensão permaneceu em grande parte pacífica desde uma guerra de fronteira em 1962, mas ambos os países ainda reivindicam vastas áreas do território um do outro. O ministro indiano não respondeu a uma pergunta sobre se a Índia havia falado sobre a necessidade de retornar à situação anterior a abril de 2020, firmada em acordos entre 1993 e 1996.
Em um comunicado, a China diz ser necessário “ter uma perspectiva de longo prazo sobre a relação entre os dois lados. A China e a Índia têm uma história de mil anos de intercâmbios culturais, e a cooperação amistosa sempre foi a regra”. Segundo a nota chinesa, Wang afirmou que a China não buscou uma "Ásia unipolar" e “respeita o papel tradicional da Índia na região”.
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"Os dois lados devem aderir ao julgamento estratégico dos líderes dos dois países de que China e Índia não representam uma ameaça um para o outro, mas oferecem oportunidades para o desenvolvimento mútuo", acrescenta o texto da Chancelaria chinesa, que afirma ainda que as relações devem ser abordadas “com uma mentalidade de ‘ganha-ganha”.
O texto chinês diz ainda que, se “a China e a Índia falarem com a mesma voz, o mundo inteiro ouvirá”. Os dois lados devem “fortalecer a comunicação e a coordenação, apoiar-se mutuamente, divulgar sinais mais positivos para defender o multilateralismo e injetar mais energia positiva na melhoria da governança global”.
A reunião representa uma mudança do passado recente, quando o governo da Índia se recusou a realizar conversas bilaterais sobre qualquer questão que não fosse o impasse transfronteiriço. Desta vez os ministros abordaram comércio, vistos para estudantes e desenvolvimentos internacionais e regionais.
Wang é o funcionário chinês mais graduado a visitar a Índia desde que os confrontos levaram a uma deterioração acentuada nas relações entre os gigantes asiáticos. Após o confronto de Galwan em 2020, aconteceram 15 rodadas de conversas em nível de comandante e oito rodadas do Mecanismo de Trabalho para Consulta e Coordenação sobre Assuntos. Fronteiriços Índia-China (WMCC), que reúne diplomatas e militares.
Em fevereiro passado, após várias negociações militares, tropas indianas e chinesas concluíram a retirada de uma área de lago em Ladakh. Dias depois, os dois ministros concordaram em estabelecer uma linha direta.
Jaishankar, ex-embaixador em Pequim, disse que foi a pedido da China que a Índia não anunciou a viagem de Wang antes de sua chegada à capital indiana na quinta-feira. Wang e Jaishankar também discutiram as abordagens de seus países para lidar com a invasão russa da Ucrânia.
"Nós dois concordamos com a importância de um cessar-fogo imediato, bem como um retorno à diplomacia", disse Jaishankar.
Índia e China consideram a Rússia um país amigo e rejeitaram os pedidos ocidentais de condenação da invasão da Ucrânia.
O comunicado chinês diz que Wang abordou a Presidência chinesa do grupo Brasil-Rússia-Índia-China-África do Sul (Brics) neste ano, e o desejo chinês de convidar todos os líderes para uma cúpula presencial. Na semana passada, o Brasil disse não a um encontro entre os chefes de Estado em abril. A princípio, deve acontecer uma reunião em maio, de modo virtual.
Wang, que visitou o Paquistão e o Afeganistão no início desta semana, deve viajar para o Nepal no final da sexta-feira, durante uma viagem rápida pelo Sul da Ásia, onde a China busca fortalecer sua influência.
Antes de sua chegada, Wang foi repreendido pela Índia por comentários no Paquistão sobre a disputada Caxemira, uma região de maioria muçulmana que Islamabade governa em parte, mas reivindica integralmente. A China geralmente se manifesta em apoio ao Paquistão, seu aliado próximo.